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Gabriel

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Gabriel

08 de Junho de 2024
Leblon
Zona Sul, Rio de Janeiro.

Acordei com o sol brilhando nas janelas do apartamento. Mas não encontrei a Nicole na cama.

Nós passamos a última semana inteira trancafiados na nossa casa. Só eu e ela. Aproveitando a companhia um do outro.

Mesmo que o meu corpo implorasse pra ir jogar, eu fiquei. O vício era foda. Acho que nunca conseguiria me livrar dessa merda.

Gabriel: Nicole - chamei, me levantando da cama.

Ela não respondeu.

O Olaf não estava no nosso quarto como era de costume.

Fui até o banheiro e ao closet, mas ela não estava lá também.

O meu coração acelerou e a garganta secou. Sai do quarto e desci as escadas o mais rápido que consegui. Na cozinha, a Carla me cumprimentou e disse que já ia servir o café.

Gabriel: Viu a Nicole?

No quarto dela - me respondeu.

Soltei o ar que nem sabia estar segurando e voltei para o segundo andar. Todas as vezes que nós não estávamos juntos, ela ficava trancada naquele quarto. Todos os dias um desenho novo. A garota era bem boa nisso.

Quando eu abri a porta do quarto, ela tirou os olhos do quadro na sua frente e me deu um sorriso.

Nicole: Acordou cedo.

Gabriel: Por que saiu da cama? - ela balançou os ombros - Quase me matou de susto.

A doida soltou uma risadinha.

Nicole: Achou que eu fosse fugir, né? - debochou.

Entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim. Meus olhos focaram no quadro que ela voltou a pintar.

Vermelho e preto.

Nunca tinha visto ela pintar ou desenhar nada parecido. Todos os quadros haviam cores. Eram paisagens, animais e pessoas ou obras abstratas... mas sempre colorido.

Cheguei perto o suficiente pra conseguir identificar o que era o quadro.

Uma mulher encolhida em meio a várias mãos. O quadro causava tormenta só de olhar. Senti o estômago embrulhado de agonia.

Gabriel: O que aconteceu?

Ela não me olhou.

Nicole: Olaf quis comer. Tive que sair da cama mais cedo.

Gabriel: Não isso - coloquei as minhas mãos no ombro dela. A Nicole suspirou e se encostou no meu corpo, deixando as tintas de lado - Por que desenhou isso?

Ela soltou uma risada sem emoção.

Nicole: É assustador, né?

Gabriel: É triste. Gosto quando pinta as flores, as borboletas e o mar. Não gosto quando pinta esse negócio.

Nicole: Tive um sonho ruim. É minha forma de colocar pra fora.

Me afastei o suficiente pra que eu pudesse levantar ela, sentar no seu lugar e colocar ela encima das minhas pernas.

Gabriel: Me conta. Sonhou com isso?

Ela negou, olhando pro retrato.

Nicole: Não. Mas era como eu me sentia. Perdida, presa, assustada.

Tentei não me abalar, mas era difícil. Ela realmente não tava legal e dava pra notar só no tom da sua voz.

Gabriel: Como era o sonho?

Nicole: Apanhei a noite toda... e não era de um jeito bom - ela conseguiu arrancar uma risada de mim, e voltou a me olhar parecendo mais leve - Acho que é porque eu fiquei pensando no jantar de amanhã com a sua família.

Gabriel: Quer desmarcar? - perguntei sem nem pensar.

Nicole: Claro que não - falou, abraçando meus ombros - Eu só queria poder fazer o mesmo com a minha mãe. Mas, sei que ela não viria.

Gabriel: Amor...

Nicole: Tá tudo bem, ela fez a escolha dela. Foi um milagre ter me ligado naquele dia. Eu não sou prioridade na vida dela - repetiu pra si mesma.

Me perguntei quantas vezes por dia ela ficava reafirmando isso na própria cabeça.

Gabriel: Mas é prioridade na minha vida - os seus olhos me encararam. Um meio sorriso se formou nos seus lábios - Odeio tanto te ver assim. Dói em mim.

As suas mãos seguraram o meu rosto e no segundo seguinte sua boca tocou a minha.

Nicole: Obrigada - sussurrou baixinho, sem descolar a testa da minha - Você faz isso tudo passar.

A Nicole se afastou e voltou a encarar o quadro quase pronto.

Gabriel: Quer chamar tua mãe? Eu tento não matar aquele cara.

Ela me olhou surpresa.

Nicole: Faria isso?

Gabriel: Matar ele? Com certeza.

Nicole: Não... você aceitaria eles virem?

Gabriel: Qualquer coisa pra tirar isso - apontei para o quadro - De dentro de ti.

Os seus olhos me encararam por bem mais tempo que deveria, carregados de carinho.

Nicole: Eu não vou chamar ninguém. Eu virei essa página da minha vida. Se eu ver eles, esses quadros vão ser cada vez mais frequentes. Não é o que quero pra mim.

Gabriel: Eu também não quero isso pra você.

Ela puxou o ar com força pra dentro de si, e ficou de pé em um pulo.

Nicole: Então pega o floquinho de neve no colo. Eu vou desenhar vocês.

Gabriel: Ah, não... - resmunguei. 

Nicole: Anda logo - mandou, colocando as mãos na cintura.

Eu diria que não mais uma vez, mas nem consegui. O rosto dela se iluminou com a ideia e eu fui logo buscar aquele cachorro pra gente fazer a vontade da Nicole e tirar aquela sensação ruim de dentro dela.

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