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Gabriel

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Gabriel

29 de Junho de 2024
Tailândia

Eu não via o dia passar. Eu não via as horas passando. Mas mesmo assim eu ouvia o tempo todo o tic tac na minha cabeça. Era o ponteiro do relógio ou o cronômetro de uma bomba. Eu não sabia dizer o que ia acabar primeiro. O meu tempo ou a minha sanidade.

Eu tava enlouquecendo, um pouco mais a cada dia. Eu tava puto, queria muito uma última conversa com o meu vô, mas ele se escondeu muito bem. Fazia quatorze dias que eu estava procurando e a única coisa que descobri foi que ele não se escondeu no Brasil. Ele dava as ordens de longe. De outro país, outro lugar.

Era quatro da manhã.

Mais uma noite eu estava sentado na varanda do quarto, literalmente com os pés na areia da praia, com o computador no meu colo enquanto conversava com os homens do paraguaio. Ele me deu uma lista infinita de contatos, pessoas que eu poderia entrar em contato caso precisasse de ajuda.

Pessoas para falsificar meus documentos, invadir sistemas ou qualquer outro tipo de serviço que fosse útil pra ajudar.

O plano dele tinha sido muito claro pra mim. Ele queria que eu matasse o meu avô, tomasse o lugar dele, e assim nós reformássemos uma aliança entre os grupos, da qual o velho foi o responsável por destruir.

Eu não tava sabendo se queria isso. Não acho que queria me tornar o rei. Nunca desejei tomar conta de facção nenhuma. Eu só queria ser livre.

Na última vez que troquei umas palavras com o Paraguaio, ele me perguntou até onde eu iria para ter minha liberdade e reafirmou que a única forma de eu ser livre era entrando nessa junto com ele e tomando o lugar do meu avô.

Talvez eu não tivesse escolha. Cada vez eu me convencia mais disso, e cada vez tinha mais certeza de que meu caminho era um só.

Queria acabar com isso de uma vez por todas e voltar pra perto da minha família.

Queria dizer para os meus pais que dei um jeito em tudo e que eu não ia ser mais um filho de merda. Que iria aparecer no Natal e também no aniversário de casamento deles.

Queria poder dizer pra minha irmã que o pesadelo acabou. Que eu finalmente iria ficar onde ela estivesse. Que poderíamos seguir nossas vidas juntos, sem nenhuma outra preocupação ou medo.

Queria poder voltar pra minha casa com a Nicole. Queria poder casar com ela. Poder viver do lado dela sem ter que fugir. Sem ter que me preocupar o tempo inteiro se existia alguém atrás da gente.

Eu nunca sonhei em casar. Nunca sonhei em ter filhos. Na minha vida, tudo isso não era possível. Eu nunca poderia pôr uma criança no meio dessa bagunça. Eu nunca pensei que fosse sentir necessidade de ter alguém do meu lado. Mas depois de conhecer a Nicole, eu senti necessidade de ter ela comigo. E agora que surgiu um triz de esperança de poder dar à ela uma vida normal, eu não ia jogar fora.

Agora que surgiu um triz de esperança, eu me pegava pensando em como seria ser livre. Eu precisava mudar o rumo dessa história, ou acabaria enlouquecendo.

Eu fui arrancado dos meus pensamentos quando ouvi a Nicole xingando, depois de um barulho de algo batendo. Estiquei meu pescoço, virando de costas, para conseguir olhar onde ela estava.

A varanda, tinha uma porta janela que dava direto para o quarto onde antes ela estava dormindo.

Nem percebi quando acordou e saiu do quarto, mas agora ela tinha voltado com uma barra de chocolate nas mãos e antes de conseguir chegar na cama, bateu com o pé na quina do armário.

Prendi o sorriso e me levantei, deixando o computador em uma mesinha. Ela ainda estava resmungando quando eu entrei no quarto.

Gabriel: Machucou?

Ela me olhou com ódio e mancou até a cama, sentando e colocando o pé para cima, para massagear o próprio dedo.

Nicole: Essa droga desse armário estava aí desde sempre? - assenti, chegando mais perto dela, e me abaixando na sua frente - Eu quase perdi meu dedo.

Gabriel: Não conseguiu dormir?

Segurei o pé dela na mão, sentindo o olhar dela não sair de mim. Notei que a batida tinha sido feia mesmo. O pé dela estava vermelho e logo começaria a inchar.

Nicole: Consegui, mas acordei e... - ela pareceu pensar no que dizer, diminuindo o tom de voz - Você não tava na cama de novo e eu perdi o sono. Quis comer um chocolate.

Eu sorri de lado, tentando não mostrar o quanto a sua voz afetada acabava com a minha consciência e me levantei sem me afastar. Tranquei a respiração e segurei o rosto da Nicole, me abaixando o suficiente pra encostar a minha boca na sua testa.

Gabriel: Vou pegar um gelo pra colocar no teu pé. Come o teu chocolate.

Antes de sair do quarto, ouvi o suspiro pesado dela.

Eu não era nenhum idiota. Sabia o quanto nós estávamos afastados, e de todas as coisas horríveis que aconteceram nos últimos dias, aquela sem dúvidas era a pior delas.

Mas eu não podia bobear. Era o nosso futuro que estava em risco. Eu não ia perder a oportunidade de viver um vida inteira do lado da Nicole.

Eu sabia que ela gostava de mim. Ela me disse que estava apaixonada por mim. Eu sabia que ela fugiria comigo se preciso fosse.

Mas eu temia que tudo isso tivesse um prazo de validade.

Temia falhar na única chance que me apareceu de ter minha liberdade, e temia que se acontecesse, um dia ela poderia perceber que eu não era o bastante pra ela.

Se eu falhasse, um dia ela poderia querer filhos, e eu nunca poderia dar isso à ela.

Puta merda. Eu nunca pensei em filhos antes. E desde que surgiu a oportunidade de ter minha liberdade de volta, isso não saía da minha cabeça. Acho que eu tinha enterrado essa vontade dentro do meu peito, para nunca criar uma falsa ilusão e achar que seria certo colocar uma criança no mundo. Mas agora, podendo ter o que eu sempre quis... eu não conseguia parar de pensar na ideia de uma versão menor da Nicole.

Porra.

Eu não podia falhar de jeito nenhum.

Meus pais. Minha irmã. Minha garota.

Todo o futuro que eu me privei de sonhar.

Tinha muita coisa em jogo.

RuínasOnde histórias criam vida. Descubra agora