Assim que William se acalmou um pouco, fiz com que ele se sentasse na cama e ofereci-lhe um copo de água. Fiquei de pé na frente dele, esperando que ele tomasse a iniciativa de fazer as perguntas, mas ele ficou o tempo todo apenas olhando para mim sem dizer nada.
— Está melhor agora? — perguntei. Ele não chorava, mas também não sorria. Parecia perdido em pensamentos.
— Eu não sei por onde começar... — disse-me com a voz baixa, devolvendo o copo vazio.
— Parece que elas vão cuidar disso — apontei para as duas senhoras que adentravam o cômodo. Desde que vim a este mundo, eram quase sempre os mesmos rostos que eu via, e acabei por decorar seus nomes.
— Com licença! — disse a mais velha. O nome dela é Vera, e ela é a serva de maior confiança de Lohan. Ela não só esteve presente no nascimento dele como ajudou a cuidar pessoalmente da criança. Em suas mãos estava uma bandeja de alimentos. — O rei ordenou que déssemos os cuidados primários ao visitante.
— Acho que é melhor fazerem a poda primeiro — olhei para Janine, a serva que estava logo atrás. Em suas mãos havia uma tesoura e uma caixa pequena.
— Certo! — respondeu Janine, se aproximando. Dei espaço a ela, que ficou encarando William de frente enquanto esperava que ele tomasse a forma de lobo.
— William, vire lobo um pouco — pedi. Ele parecia incomodado com a proximidade de Janine. — A poda é para que sejam confeccionadas mais roupas mágicas para você.
— Mas eu já tenho minha roupa! — Ele olhou para a bermuda que estava usando e fiz um sinal negativo com a cabeça.
— Só isso é pouco. Confie em mim, sim? Tenho muitas peças já! Veja! — rodopiei, mostrando meu conjunto. Eu estava toda de branco, com uma calça comprida e uma camisa de manga curta.
— Isso é... — Ele apurou o olfato e esfregou os olhos como se quisesse ter certeza de que estava acordado.
— Esse é o mundo da magia, esqueceu? As técnicas mágicas aqui são muito mais avançadas em todos os sentidos, de forma que todos os lobos desse mundo só usam roupas mágicas. Agora, por favor, seja colaborativo com a Janine.
Ele olhou atentamente para a roupa das mulheres. Janine estava usando um vestido comprido de cor predominantemente castanho-claro, enquanto o vestido de Vera era cinza. Assim que a compreensão lhe alcançou, ele desceu da cama e tomou a forma de lobo.
Menos de dez segundos foi o tempo que Janine levou para cortar umas três mechas das costas dele. Após isso, ela as guardou na caixa e recuou. O lobo de William permaneceu imóvel em espera, sem se dar conta de que já tinha acabado.
— Obrigada! — falei a elas. Peguei a bandeja de Vera e coloquei-a sobre a mesa. Ela e Janine se retiraram silenciosamente. William ainda estava na forma de lobo, atordoado por ter sido tão rápido e fácil, então resolvi dar um pequeno esclarecimento. — Não se preocupe, essas poucas mechas de pelo bastam. Ainda esta semana você deve receber o primeiro par de roupas. Por enquanto, pode usar as que seu pai lhe mandou.
Puxei a mala que havia sido deixada debaixo da mesa e coloquei-a de frente para ele. Ele ainda estava sem reação, então achei que deveria deixá-lo um pouco sozinho. Pela minha própria experiência, eu sabia como tudo isso podia ser confuso e difícil de processar.
— Aonde você vai? — perguntou ele logo atrás de mim. Eu estava abrindo a porta, prestes a sair.
— Vou te dar espaço. Coma, se vista e relaxe um pouco — falei-lhe com seriedade.
— Fica comigo! — pediu-me com a voz baixa. Seu olhar e sua postura pareciam a de um cachorrinho pedindo por atenção. — Por favor!
— William, eu não vou demorar, tudo bem? — Ele não me respondeu. Parecia muito nervoso, mas eu não podia ajudar muito nesse momento.
Deixei o quarto e fui até a sala de refeições comer com o meu companheiro. Ele estava olhando pela janela para o jardim enquanto tomava uma xícara do seu chá predileto. Era feito com uma erva chamada doriatan que, segundo ele, o ajudava a pensar com mais foco. Ele sempre colocava uma colher pequena de goma doce feita de algas e uma pitada de raiz de cozata vermelha em pó. Mesmo com as adições, eu não conseguia gostar do chá que ele tomava. Tinha um gosto forte como de remédio que me fazia salivar muito. Apesar disso, eu acabava sempre fazendo o chá para tomar também, simplesmente para acompanhá-lo.
— O que tem em mente? — perguntei, antes de tomar um gole de chá de doriatan. Urgh!
— Quero testar a câmara dos deuses com o nosso visitante — disse-me, ainda com o olhar distante. — Se a porta se abrir para ele, a seu tempo se abrirá para você também. Ademais, colocarei um de meus guardas à disposição para ensinar-lhe o nosso idioma e treiná-lo enquanto isso.
— Pretende esperar ele dominar o idioma primeiro? — perguntei intrigada. Realmente havia necessidade disso?
— Não necessariamente. Creio que o teste dele esteja relacionado com a capacidade que ele terá em aceitar que você não pertence a ele. Ambos sabemos que ele ainda não está preparado para isso.
— Achei que não fosse possível prever o que ocorre na provação.
— Em alguns casos é possível desvendar, ainda mais quando se conhece a história e as fraquezas do lobo que será provado — ele disse com tanta certeza que acabei ficando mais curiosa sobre o que se vivencia na câmara.
— E qual foi o seu teste? O que você teve que experimentar?
— Tive que enxergar aminha própria maldição. Tive que ser capaz de suportar o que todos os outrosviam em mim sempre que olhavam nos meus olhos, mesmo que sem querer. Quandoolho para o meu reflexo, eu não a enxergo, mas isso não vale para os outros. Foisomente na provação que descobri o quão desesperador é e comecei a ser maisprudente. Eu guardava muita raiva dos outros por conta da maldição, então oteste perdurou até que compreendi o meu povo e aceitei o meu destino. Graças àprovação, obtive um dos valores mais importantes para um rei: a empatia.
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Destino: O Rei Amaldiçoado
WerewolfLivros 3 e 4 da saga Destino (Destino: O Rei Amaldiçoado) + (Destino: A Soberana das Bruxas) Sinopse: Em um mundo envolto em mistérios e magia, Eliza se vê conectada ao destino do enigmático Rei Lohan, um homem cujo passado é tão sombrio quanto seu...