70 - Epílogo

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O que eu sou? De acordo com Willow, sou nada mais nada menos que a última bruxa de linhagem ancestral. Há dois tipos de bruxas: as hereditárias e as ancestrais. As bruxas hereditárias herdam a natureza da mãe de forma fixa e contínua. Uma bruxa do fogo sempre dará origem a outra bruxa do fogo, uma de água a uma bebê com poderes de água, e assim por diante. As bruxas ancestrais, por outro lado, são capazes de obter qualquer tipo de origem através de semeadura e cultivo, que ocorre ao longo de gerações.

Esse foi o motivo pelo qual meus antepassados não eram bruxas. Elas carregaram a semente, a cultivaram e a passaram adiante. Gerações sem poderes são fundamentais para o crescimento da semente, mas ela apenas florescerá e dará frutos nas mãos de quem a adubar o suficiente para fazê-la frutificar. O adubo é a chamada devoção, e é necessário coletar muita energia desse tipo para que a semente cresça e desabroche.

Há mais de um motivo pelo qual Lohan jamais cogitou que eu pudesse ser realmente uma bruxa. O primeiro é que as bruxas ancestrais estavam teoricamente extintas desde a última grande guerra, que ocorreu há quase treze mil anos. A guerra foi apenas o término do extermínio das bruxas ancestrais, que começou muito antes disso. Temidas por seus poderes, as sementes das bruxas ancestrais eram destruídas quando estavam em fase de semeadura, pois as gerações sem poderes de bruxa eram as mais vulneráveis.

— Levei mais de mil anos tentando rastrear uma semente, na esperança de que esse poder não havia se perdido.

— Cian, não é? — perguntei, seguindo o raciocínio. Ela confirmou imediatamente.

— Cian era da linhagem de uma bruxa ancestral, a última esperança de recuperar o elemento mágico perdido, a luz. Ele é a quarta geração que acompanhei e ajudei a proteger. Como precisei me envolver, não conseguiria manter a semente em segredo por muito tempo.

— Por isso sugeriu enviá-lo como emissário ao outro mundo? Para mantê-lo seguro e escondido? — perguntei intrigada. As histórias sobre como obtive meus poderes me prenderam muito mais do que achei que fariam.

— É apenas um dos motivos — comentou Willow, sorrindo. — O outro foi minha contribuição real para o projeto de Lucon. O efeito colateral da perda de memória pela fenda artificial era irremediável, e eu tinha plena ciência disso. Admito que enganei os reis no objetivo de levar a última semente desse mundo ao outro, mas foi uma mentira nobre e necessária. Se meu plano oculto ocorresse conforme deveria, algum dia uma bruxa poderosa nasceria e criaria a brecha para tornar o projeto de Lucon possível.

— Mas quem criou a brecha não fui eu, foi o Lohan, e por causa da minha loba.

Willow começou a rir de forma descontraída, e isso me deixou muito desconfortável...

— Filha, não se iluda! Não foi o Lohan que criou a brecha na pedra de invocação. Como precursora do projeto, fui a responsável por todas as inscrições mágicas. Quando vi uma transcrição no ponto de chamado gerado por magia de luz, soube, no mesmo instante, que a semente tinha desabrochado.

— Mas eu não fiz nada! Eu nem sei usar magias! — retruquei.

— A magia de uma bruxa é movida pelo desejo. Dentro de seu coração, você queria desesperadamente estar com o homem que estava do outro lado, e o seu poder agiu para realizar o seu desejo. Isso é algo fácil de se comprovar.

— Como? — desafiei-a.

— Alguém mais além de Lohan consegue atravessar para o outro lado? — o questionamento de Willow foi certeiro. Se não bastasse, ela fez outra pergunta ainda mais instigante. — Lohan consegue atravessar sempre que quer?

A resposta para ambas as perguntas era a mesma. O próprio Lohan já me dissera que só ele consegue atravessar. Quando eu estava na guerra tendo que enfrentar as bruxas sombrias, Lohan disse que tentou atravessar, mas não conseguiu.

— Só ele consegue porque o caminho que você criou foi feito exclusivamente para ele. — explicou Willow. — Além disso, você detém a chave desse caminho. Se não for a sua vontade, ele não se abre. É o seu poder que nutre a brecha e, sem ele, Lohan não pode fazer nada.

Mesmo querendo discordar, eu não poderia. Eu ativara minha visão espiritual quando Willow começou as explicações e sabia que tudo o que ela estava me dizendo era verdade, ou pelo menos ela acreditava ser. A primeira vez que Lohan atravessou, no fundo do coração eu desejava ardentemente sua companhia. Eu estava sofrendo muito e não queria ficar só, então meus pés me guiaram até a cachoeira, até ele.

Quando Lohan tentou atravessar durante a guerra e não conseguiu, foi porque, no fundo, eu não queria que ele estivesse lá, já que nem sequer sabia que ele estava presente. Eu também não conhecia sua aparência e, com tantos lobos por perto, ele poderia acabar se tornando um alvo, e meu coração sabia disso. Contudo, quando implorei por ajuda, meu desejo criou um caminho para que o poder de rei dele me alcançasse.

Quando ele atravessou pela segunda vez, eu o chamei diretamente. Meu desejo era que ele viesse me encontrar, que eu pudesse estar com ele de novo. Como eu usava minhas magias, eu não compreendia, mas a necessidade de aprender veio ao saber que, de mim, dependia o sucesso do projeto de trazer os lobos de volta a esse mundo. Sem mim, não importa o quanto Lohan tentasse atravessar para o outro lado novamente, ele não conseguiria. Sem mim, o plano de avisar Damian e Clark sobre os preparativos falharia.

— Agora você entende por que sua segurança é tão importante — disse Willow em um tom um pouco mais sério. — Se você morrer, o projeto morre junto, restando apenas o plano de aniquilação.

Estremeci ao ouvir isso. Imaginar todos os reinos se unindo para enviar tropas em massa para o outro lado me deixou inquieta. Meus amigos da banda, Damian, meus alunos... eu precisava salvá-los!

— Quanto tempo? — Essa era uma pergunta chave. Eu não queria ficar longe do meu companheiro, mas agora compreendia a importância de aprender a controlar meu poder com Willow.

— Isso dependerá só de você! — ela parecia bem satisfeita por perceber que eu estava cedendo.

— Posso ao menos avisá-lo de que estou aqui? — Lohan ficaria desesperado se não tivesse notícias minhas. Eu precisava que ele soubesse que eu ficarei bem.

— Não. Se o fizer, ele virá imediatamente te buscar, pois não aceitará que fique aqui. Ademais, ninguém pode saber quem você é se quiser ficar segura, nem mesmo o seu companheiro.

— Mas... — sentia-me encurralada. No momento, eu me preocupava muito mais com Lohan do que comigo. Eu vi o que ele passou nos dias que eu estava desacordada e não queria dar mais preocupações para ele.

— A sua segurança é a maior preocupação dele, e lhe dou total garantia de que nada de mal lhe ocorrerá enquanto estiver sob o meu teto. Precisa ter em mente o que é mais importante no momento.

Por mais difícil que a escolha fosse, por Lohan, pelo projeto e pelo futuro eu precisava ficar. Senti Lisa choramingar por dentro comigo e jurei a mim mesma dar o meu melhor para voltar para Lohan o quanto antes. Lendo meus pensamentos, Willow sorriu e assentiu positivamente com a cabeça.

— De agora em diante, você se chamará Liz — disse-me ela, tirando meus brincos cuidadosamente. — Ninguém pode saber a sua verdadeira origem ou sobre sua loba. É desta forma que viverá como uma bruxa.


A próxima parte da história aborda a estadia de Eliza no Reino das Bruxas, onde ela assume o nome de Liz, e seu envolvimento com a Soberana das Bruxas, a rainha Willow

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A próxima parte da história aborda a estadia de Eliza no Reino das Bruxas, onde ela assume o nome de Liz, e seu envolvimento com a Soberana das Bruxas, a rainha Willow.

Destino: O Rei AmaldiçoadoOnde histórias criam vida. Descubra agora