Capítulo 22

55 6 0
                                    


Os primeiros dias de William foram os mais difíceis. Lohan e eu mostramos o palácio e explicamos algumas regras básicas sobre como as coisas funcionariam. No mesmo dia, ele designou um guarda chamado Jason para ser o encarregado do visitante. Jason ficaria à sombra de William por um tempo. Mais do que ensiná-lo, Jason se tornou seu guia.

Precisei ficar perto de William por muitas horas nos primeiros dias. Ele não queria aceitar Jason, e seu temperamento estava muito instável. Às vezes, ria consigo mesmo enquanto se perguntava se não estava louco. Outras vezes, chorava, e em outras, saía correndo com seu lobo sem rumo pelas redondezas. Pobre Jason, com o tanto de trabalho que William estava dando a ele, merecia até um aumento.

William somente começou a se portar de forma mais natural a partir do quinto dia, graças à intervenção de Lohan. Ele o levou para ver a sala mágica, mostrou-lhe todo o sistema de monitoramento e permitiu que William passasse um tempo vendo um pouco do seu mundo.

— Seu pai prometeu que virá para este lado com Caroline, para reunir sua família novamente. É seu dever guiá-los quando isso acontecer — disse Lohan com seriedade. As palavras de Lohan finalmente fizeram William acordar. Ele saiu da sala com um olhar completamente diferente de quando entrou.

— Você é mesmo incrível! — elogiei meu companheiro. — William já estava me deixando maluca, e eu não tinha mais ideia de como lidar com ele.

— Vai poder relaxar um pouco de agora em diante — disse ele, pegando minhas mãos afetuosamente. — Companheira, como está se sentindo ultimamente? Voltou a ter alguma crise?

Ele me perguntava isso todos os dias desde que comecei a usar os brincos. Sorri para ele e fiz um sinal negativo com a cabeça. Embora alguns sons adentrassem minha mente de vez em quando, eram harmoniosos e não me causavam nenhum problema. Isso não era tão diferente de quando a inspiração vinha e eu entrava em transe enquanto compunha minhas músicas.

— Esses brincos eram para estabilizar os meus sintomas? — perguntei, sem conseguir pensar em outro motivo para Lohan ser tão incisivo quanto a eu ter que usá-los direto.

— Sim — confessou. — Não queria te dizer até ter certeza de que funcionaria.

— Nunca baixe a guarda para uma bruxa! — exclamei, rindo. Eu podia compreendê-lo melhor agora, mas ainda sentia que havia algo o incomodando quanto a isso.

— Exato! O mais importante para mim é saber que você está bem! — Ele beijou minha testa suavemente e depois caminhou até a porta.

— Aonde você vai? — perguntei. Ele estava sempre indo para lá e para cá ultimamente, a ponto de mal cruzarmos nossos caminhos durante o dia. Eu também estava cheia de preocupações e sentia que não estava dando a devida atenção ao nosso relacionamento. — Quero fazer algo junto com você!

— Sinto muito, mas tenho uma reunião agora. Te encontro no jantar, minha lobinha branca! — Ele saiu em seguida, me deixando com o coração apertado.

— Reunião? — Essa simples menção trouxe à tona memórias importantes. Tudo de ruim que foi dito, cada gesto que me incomodou, passavam na minha mente enquanto eu abria minha caixa do tesouro. Depois disso, corri até Lohan. Precisava interceptá-lo o quanto antes. Agarrei a mão dele com força enquanto me desculpava. — Me perdoe! Eu deveria ter percebido antes, devia ter visto os sinais.

— Do que está falando? — Ele se virou. Seus olhos percorreram os meus, como se tentassem ler minha mente. Parecia intrigado.

— Sobre a maldição. Se eu tivesse percebido, não teria demorado tanto para te devolver isso! — Coloquei o estojo com as lentes sobre a mão dele. — Não gosto de te ver de cabeça baixa diante de quem quer que seja, então, por favor, não faça mais isso!

— Você trouxe? — Ele parecia surpreso enquanto abria a caixa de lentes.

— Trouxe o kit completo: as lentes, o produto de limpeza e até mesmo... — Ele interrompeu minha fala com um beijo.

— Agradeço a preocupação, mas não sei se isso vai dar certo aqui — disse-me pesarosamente, afastando o rosto do meu.

— Por que diz isso? Se deu certo do outro lado, por que não daria aqui?

— Quanto maior o meu poder, mais forte também é a maldição. Temo que as lentes não suportem contê-la neste mundo.

Não pude deixar de rir, e isso o deixou desnorteado. A teoria dele faria sentido se as lentes fossem um item mágico, mas esse não era o caso.

— As lentes não contêm a sua maldição, apenas escondem os seus olhos. Não precisa de magia para isso. Tenha mais fé, companheiro! — Peguei o estojo de sua mão e fiz com que ele se ajoelhasse. Eu mesma colocaria as lentes nele.

Lohan piscou os olhos algumas vezes assim que posicionei as lentes. Ele se levantou lentamente e parecia incerto quanto a isso.

— O que está esperando? — perguntei. Ele estava parado de frente para mim. Sua respiração parecia mais pesada. Ele não precisou me responder; o som de passos se aproximando dizia tudo.

— Vossa Majestade, do que precisa? — Um guarda se ajoelhou perante Lohan, prestando reverência.

— Quero que olhe nos meus olhos — disse Lohan de forma incisiva. O guarda ficou completamente sem reação ao ouvir essas palavras. A cor lhe fugiu do rosto enquanto colocava a cabeça contra o chão e implorava por misericórdia.

— Majestade, se fiz algo que lhe desagradou, peço que me perdoe. Não me puna dessa forma, por favor!

— Isso não é uma punição — Lohan disse com a voz gentil, aproximando-se do guarda. — Você é um dos meus servos mais leais. É por causa disso que preciso que confie em mim e faça o que te pedi.

Eu podia sentir o pavor emanando daquele guarda. Mesmo que os sinais físicos não fossem claros, sua energia se retraiu completamente enquanto ele relutantemente levantava o rosto. Lohan esperou pacientemente até que os olhos do guarda se encontraram com os dele.

— Majestade, sua maldição... — Os olhos do guarda começaram a lacrimejar enquanto um sorriso brotava em seu rosto. — Eu posso te ver! Eu posso mesmo te ver!

O que se seguiu foi algo que eu realmente não esperava. Lohan sorriu e deixou que suas próprias lágrimas transbordassem. Eu nunca o tinha visto chorar, então me senti extremamente tocada com a cena.

— Eu sei! Pode ir agora — disse Lohan a ele. O guarda não tirou os olhos de Lohan enquanto se retirava. Ele não conseguia esconder sua felicidade, não sei se por consideração ao seu rei ou se foi por ter sido poupado.

— Acho que todos vão querer olhar para seu lindo rosto agora. Fico até com ciúmes — brinquei, enquanto enxugava minhas próprias lágrimas.

— Isso é tão bom... — murmurou Lohan, com a respiração acelerada e um sorriso de orelha a orelha. Aproximei-me dele, e ele lançou-me um olhar gentil. — Eu sempre quis que meus súditos pudessem me olhar nos olhos sem sentir medo. Esse sentimento...

Lohan colocou a mão direita sobre o coração. Eu podia entendê-lo. Quantas pessoas que ele ama foram afetadas por sua maldição? Quão solitária e triste foi sua vida por não poder ser visto nem pelos próprios pais? Me pergunto quantas vezes ele já se torturou por conta disso, quantas vezes já chorou em silêncio por ser amaldiçoado com algo que fazia com que todos o temessem e o evitassem.

— Companheiro, vou dar um jeito de nunca mais lhe faltar lentes até que a maldição possa ser quebrada de uma vez por todas. — Eu precisava fazer algo quanto a isso. As lentes que eu dei a ele tinham apenas um ano de validade, e alguns meses já tinham se passado. Além disso, me descuidei quanto aos cuidados por não fazer ideia do quanto elas poderiam ser importantes, então não sabia até quando ele conseguiria usá-las.

— Confio em você! — disse-me com um sorriso estonteante. Essa frase costuma ser minha.

Destino: O Rei AmaldiçoadoOnde histórias criam vida. Descubra agora