Capítulo 29

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Uma das mulheres trabalhadoras ficou me olhando por um tempo enquanto tomava água do seu cantil. Inesperadamente, ela cruzou o campo e se aproximou de mim.

Oi, sou Doralice. Nunca te vi por aqui. Veio para a festa? — perguntou-me em celestriano. Com cabelos pretos e encaracolados, porte médio, perfil curvilíneo, pele bronzeada, rosto ovalado e olhos castanho-escuros. Se fosse no outro mundo, eu apostaria que tinha a mesma idade que eu, mas aqui, não me arriscaria a fazer palpites para não cair em engano.

Oi, me chamo Eliza. Estava só de passagem por estas bandas — respondi de forma amigável. — Que festa é essa da qual tanto estão falando?

É a nossa festa da colheita anual — respondeu-me Doralice. — É o principal evento do nosso clã. Este ano, os grãos demoraram um pouco a amadurecer, e agora estamos correndo contra o tempo para terminar a colheita antes que a festa comece.

E quando ela começa?

Depois de amanhã, no início da lua cheia. Já que está por aqui, por que não participa com a gente? — Ela parecia bastante empolgada. Seja lá o que for essa festa, parecia importante para eles.

Sinto muito, mas não vai dar! Preciso voltar para a minha cidade porque estou sem recursos. — Não sei como os produtos eram negociados neste mundo, mas sei que, em qualquer lugar, eu dificilmente conseguiria estadia e alimentação sem algo a oferecer em troca. Meus tesouros não eram negociáveis. Diferente do que pensei, ela não ficou desapontada.

O que acha de trabalhar nos campos conosco? Estamos precisando de mão de obra, e eles nos pagam por cesta colhida.

Devo tentar? É que eu nunca fiz isso.

É fácil! Eu te ensino!

"Absolutamente não! Temos que voltar para o nosso companheiro!", advertiu-me Lisa. Eu estava estranhamente animada por conhecer e interagir com outras pessoas. Não queria voltar agora. Se eu perdesse essa oportunidade, quando poderia fazê-lo de novo?

Doralice foi me mostrando o que eu deveria fazer enquanto aguardávamos os homens voltarem com as cestas vazias. Ninguém questionou o que uma desconhecida como eu estava fazendo no meio deles. Coloquei minha caixa junto com as coisas de Doralice antes de pegar um cesto vazio para mim. Segundo ela, todos ali eram confiáveis e ninguém tocaria na minha caixa sem minha permissão.

"Quanta resistência!", pensei enquanto observava os trabalhadores a todo vapor, mesmo após o cair da noite. Eles continuavam com uma energia invejável, enquanto eu já estava completamente esgotada. Me obriguei a continuar colhendo com eles, mas meu ritmo era extremamente inferior ao deles. Em média, a cada oito cestos que Doralice colhia, eu só conseguia entregar um.

Obrigada! — falei a Doralice enquanto ela me passava um pouco de água para beber. Minha visão noturna não era tão boa quanto a deles, e acabei parando antes de todos. Olhei para o céu enquanto relaxava e esperava que Doralice me passasse mais instruções.

Meta cumprida! Amanhã serão os campos do outro lado! — disse-me ela, sorrindo. — Hora do pagamento. Me acompanhe!

Segui Doralice de perto e adentramos ao final de uma fila. Eu era a última e fiquei um pouco envergonhada enquanto ouvia os resultados impressionantes dos demais trabalhadores. Alguns haviam colhido mais de cem cestas ao longo do dia.

Doralice, você foi bem hoje. Noventa e quatro cestas. Aqui está o seu pagamento — disse uma mulher de meia idade, com longos cabelos escuros, pele em tom médio e olhos castanho-esverdeados.

Amanhã farei melhor! — disse ela, pegando algumas pedrinhas coloridas na mão. O pagamento aqui é em pedras?

Novata, você nunca fez isso, não é? — aquela mulher percebeu meus olhos curiosos e se voltou para mim.

Eliza, essa é a Eulina, supervisora e responsável por esses campos — Doralice me apresentou a ela.

Eliza, é? Contabilizei oito cestas. É um começo — Eulina me entregou duas pedrinhas pequenas. — Veio para a festa?

Era engraçado como todos me perguntavam a mesma coisa. Parecia que tinham muitas expectativas quanto ao evento. Olhei as pedrinhas na minha mão, me perguntando se conseguiria um prato de comida com elas. Eu estava morrendo de fome. Minha barriga roncou, e Doralice começou a rir.

Agradeço, mas acho que não vou poder ficar para a festa. Sabem me dizer quanto isso vale? Consigo comprar uma refeição? — Eu só queria saber se conseguiria encher a barriga. O resto pouco me importava no momento. Inesperadamente, Eulina começou a rir também. Me senti como se fosse a piada da noite.

Você é engraçada, jovem. Você realmente não conhece as celédrias? — perguntou Eulina. — Você deve ser de alguma família bem abastada então. Quantos anos você tem?

Quando eu estava prestes a responder, olhei para as minhas roupas. Eu não podia dizer a verdade. Assim como em Siram, os lobos em Éldrim só despertam na lua cheia mais próxima do aniversário de dezoito anos.

Tenho dezoito! — respondi. Faltava cerca de um mês e meio para o meu aniversário, então eu já podia me considerar uma adulta. — Celédrias são essas pedras?

Por algum motivo que eu não sabia explicar, ambas ficaram extremamente sérias depois do que falei. Doralice, em especial, me olhou como se estivesse com pena, e isso era muito desconfortável.

Tadinha! — disse Doralice, fazendo um gesto de negativa com a cabeça. — Seu companheiro deve ser terrível. Não me diga que você fugiu de casa?

Meu companheiro é o melhor! — retruquei, um pouco irritada. Não gostei da forma como ela se referiu ao meu Lohan.

Apenas companheiros muito obsessivos marcam sua companheira em idade tão precoce — explicou Eulina, tomando partido de Doralice. — Geralmente, os lobos aprofundam o relacionamento antes de fazerem algo assim. Em muitos clãs, a marcação é até proibida por conta da objetificação da loba marcada. É o tipo de invasão que só atrapalha o relacionamento. Afinal de contas, de onde você é?

A explicação dela deu sentido às suas insinuações. Minha marca esteve visível o tempo todo, então era natural que tivessem feito algum tipo de análise prévia sobre isso. Neste mundo, todos os lobos machos têm o poder de marcar suas companheiras, mas é raro ver uma mulher marcada. Mesmo as empregadas mais velhas no palácio não possuem marcas, então deve ser realmente estranho alguém tão jovem como eu ter uma.

Sou de Luríon — respondi mais suavemente. Eu entendia que elas não criticaram Lohan por mal. Elas não tinham como saber a verdade por trás da minha marca.

Luríon? Achei que fosse de algum clã das redondezas — disse Doralice, surpresa. — Se veio de tão longe, você precisa ficar para a festa!

Estou de acordo! Pode ficar na minha casa se não tiver onde se hospedar — disse-me Eulina com gentileza.

Espera aí! Como assim de longe? Onde eu estou exatamente? — Eu estava tremendamente assustada com o comentário de Doralice.

Não sabe? Aqui é a alcateia do Vento Norte — respondeu Eulina em um tom preocupado. Ambas me olhavam com muita atenção. Forcei um sorriso para esconder o meu pânico. Se minha memória não me falha, a alcateia do Vento Norte é o território vizinho do clã dos Lobos Nevados. Isso fica a dias de viagem de Luríon.

Parece que andei um bocado. Vou ficar para a festa então. Não tenho muito a oferecer no momento, então agradeço imensamente por sua hospitalidade — falei à Eulina. Dadas as circunstâncias, não me restou outra alternativa.

Destino: O Rei AmaldiçoadoOnde histórias criam vida. Descubra agora