Capítulo 51

222 31 2
                                    

Tempestade e calmaria, frio e calor, coragem e medo. Eu sentia os extremos indo e vindo e, por vezes, decidiam trabalhar juntos para me atormentar. Eu sentia que o tempo estava acabando, como se minha vida estivesse presa a um ponteiro de relógio, só esperando dar a hora para escapar de minhas mãos.

— Dezoito é uma idade importante para o início da jornada de lobo, mas é o tempo limite para uma bruxa se provar. Siga o chamado! — Os ecos dessa voz em minha cabeça me despertaram. Puxei o ar para dentro enquanto me sentava e coloquei a mão sobre o meu coração. Ainda batia...

— Shhh! Calma, pequena, estou aqui! — A voz de Lohan soou gentil enquanto seus braços me envolviam. — Calma.

— Lohan, eu... — minha voz saiu um pouco rouca. Era difícil encontrar palavras para o que eu estava sentindo. Todo o meu corpo tremia contra o dele enquanto eu desatava em lágrimas. Ele me abraçou com mais força, envolvendo-me com seu calor e, aos poucos, minha respiração foi se acalmando.

— O que foi isso? Outra crise? — perguntou, sua voz calma e serena, apesar de eu sentir seu coração batendo rápido. Ele estava priorizando me confortar, escondendo suas verdadeiras emoções.

— Não, foi pior! Foi muito pior! — respondi enquanto me afastava de seu abraço. Não estávamos sós; minha mãe e meu pai estavam conosco na mesma sala, junto com alguns médicos do clã. Não queria falar sobre o que ouvi na frente de todos eles.

"Era a minha própria voz.", comentei com a minha loba. No fim, todas as pistas que recebi da rainha das bruxas tinham um significado.

"Devemos ir até a câmara das bruxas!", sugeriu Lisa. Imediatamente afastei essa ideia da cabeça. Eu era claramente uma loba e, ainda assim, não consegui passar pela provação aqui. Se o problema era minha dupla natureza, o mesmo ocorreria se eu tentasse entrar na câmara das bruxas. Por conta da minha loba, a passagem seria bloqueada; afinal, se eu não posso ser uma loba completa, como poderia ser uma bruxa completa? Uma natureza conflita completamente com a outra.

— O que aconteceu dessa vez? — Lohan me pressionou enquanto os médicos saíam. Imagino que, como nas outras vezes, eles não foram de grande ajuda.

— Filha, acho que já passou da hora de nos dizer o que você sabe. — Minha mãe insistiu. — E eu sei que você sabe de algo que não quer nos contar. Eu te conheço!

Como eu poderia explicar-lhes algo que nem eu compreendia? Eu nasci de lobos, cresci como loba. Como poderia dizer-lhes que tinha uma bruxa dentro de mim? Engoli em seco e baixei o olhar. Eu não tinha coragem de pronunciar isso em voz alta.

— Eliza, conte-nos o que te preocupa. — A voz de Lohan soou dura e autoritária. Não era um pedido, mas uma ordem do rei. Senti meu cérebro buscando minhas maiores preocupações enquanto minha boca se movia de forma involuntária.

— Eu vou, eu vou morrer. — Por mais que eu tentasse resistir, era forte demais. Sentia-me ofegante por lutar contra isso enquanto punha as informações mais relevantes para fora. — Meu tempo está acabando. Se eu não seguir o chamado e me provar, eu vou morrer. Eu não quero te deixar, companheiro!

Assim que terminei de dizer isso, o comando se desfez. Minha maior preocupação não era a morte em si, mas o que eu deixaria para trás. Lohan esperou tanto tempo para me encontrar... como eu poderia deixá-lo agora? Lohan me soltou e deu as costas, caminhando até a parede. Ele não queria que eu o visse naquele momento, mas eu podia senti-lo. Medo, pânico, raiva... Ele estava tomado por sentimentos ruins e não queria demonstrar.

— Tem certeza disso? — perguntou meu pai após um curto momento de silêncio. Estavam atordoados demais com o que eu disse.

— Quase certeza... — respondi tristemente. — É o que sinto dentro de mim.

— E o que é esse chamado? — perguntou minha mãe. — Se para você se provar você só tem que segui-lo, é só fazer isso. Se tem alguém que consegue tudo, é você!

— Acho que os chamados são as crises, os sons na minha cabeça. — expliquei. — Mas não consigo interpretá-los. Não sei o que significam ou o que esperam de mim.

— Há algum bloqueio? Tem algo te atrapalhando a ouvi-lo claramente? — perguntou meu pai.

— Eu não sei... — pensei nos brincos, mas quando eu estava com eles fui mais longe no chamado do que em qualquer outro momento. Se Willow estava tentando me ajudar, ela não os daria para mim com a intenção de me atrapalhar. Olhei para Lohan; ele estava respirando muito rápido e, inesperadamente, saiu da sala, fechando a porta com força. Parecia furioso!

— Ele só está preocupado — comentou minha mãe, seguindo meu olhar. Eu não conseguia parar de olhar a porta e pensar que meu companheiro poderia saber de algo que eu não sabia. — Todos nós estamos!

— Eu vou encontrar a resposta, eu prometo! — falei, enquanto saía do quarto. Lisa também estava determinada a não deixar nosso companheiro. Eu quase podia ouvi-la uivando dentro de mim, implorando para tentarmos tudo ao nosso alcance.

— Aonde você vai? — perguntou minha mãe, correndo atrás de mim.

— Pesquisar! — respondi sucintamente, seguindo a passos rápidos para a biblioteca, atrás da única pista que eu tinha.

Meu pai resolveu nos seguir também, e eu não os impedi de verem o mesmo que eu. Pegando o livro sobre territórios, abri na página do mapa de Celestria.

— Esse é o mapa desse mundo? — perguntou minha mãe enquanto eu procurava por uma região específica.

— Alcateia do Vento Norte — posicionei o dedo sobre o território enquanto lhes explicava meu raciocínio. — Quando vocês vieram a este mundo, eu tive uma crise e acordei neste lugar. É a única pista que tenho sobre o que os chamados querem de mim.

— E o que esse lugar tem de especial? — perguntou meu pai.

— Não é o lugar, mas a direção em que eu inconscientemente estava indo — deslizei o dedo mais à frente no mapa. — Aqui está o Devorador, a parte da barreira sombria que está neste mundo.

Minha mãe puxou o livro de minhas mãos enquanto encarava atordoada a informação que eu lhes transmitira. Traçando uma linha reta de Luríon até a tribo do Vento Norte, mais à frente, eu acabaria topando diretamente com o Devorador.

Expliquei-lhes tudo o que eu sabia sobre o Devorador, informações que ainda desconheciam, e peguei o livro de volta. As medidas de proteção me impediriam de alcançar o Devorador pela terra dos lobos, então eu teria que adentrar o território dos monstros. Acontece que aquele lugar é extremamente perigoso devido às criaturas que ali habitam, e por isso as fronteiras são rigorosamente vigiadas. Havia apenas uma estreita passagem segura para atravessar: um túnel subterrâneo que liga o território dos lobos ao território das bruxas.

"Então é isso!", pensei com minha loba. Meu objetivo final não era a barreira sombria, e sim o território das bruxas. Quando pensei nisso, um ponto brilhante começou a piscar no mapa.

— O chamado... — sussurrei enquanto marcava mentalmente o lugar. Logo, a luzinha ficou fraca e desapareceu. Uma coisa eu tinha certeza: é ali que eu precisava ir!

Destino: O Rei AmaldiçoadoOnde histórias criam vida. Descubra agora