52 - O que o ciúmes não faz...

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Observo o meu pai enquanto ele tenta pegar a colher para comer, um exercício que o médico passou para que ele conseguisse ter controle do próprio corpo. Dá para ver a frustração no rosto quando não consegue pegar a comida direito; o braço treme, mas ele está evoluindo. Agora que já consegue respirar por conta própria, as coisas estão melhores. Às vezes, nem acredito que ele acordou; é como um milagre.

— Você está indo bem — eu o incentivo. No momento seguinte, a colher cai de suas mãos, ficando em cima da bandeja. Ele solta um grande suspiro e me olha.

— Parece que eu virei um boneco que mal consegue fazer qualquer coisa — resmunga. Eu rio; senti falta desse humor dele.

— Você mal acordou do coma, é normal ficar assim, mas você vai conseguir superar isso.

— Em coma, é quase inacreditável isso. Pensa que eu fiquei mais de três anos dormindo e que a vida passou em um piscar de olhos, e que a minha filhinha está grávida e que eu vou ser avó. Tudo isso é muito esquisito — diz, pensativo, com os olhos em mim.

— Você perdeu muita coisa — digo.

Ele dá um sorriso triste.

— Parece que sim, perdi muita coisa, mas você não desistiu de mim. Me esperou esse tempo todo. Você é a melhor filha que um pai poderia ter. Não quero nem pensar nas coisas que você passou por minha causa.

— Não pense nisso. O importante é que você está aqui comigo e que vai conhecer sua neta.

Seu rosto se ilumina ao olhar para o abdômen e depois volta para os meus olhos.

— Você se casou com aquele garoto que eu odiava? — O garoto em questão nada mais era do que o César. Meu pai o odiava e nem sei por quê; talvez ele já suspeitasse que o cara era um traste.

Não consigo esconder a cara de nojo só de pensar em estar casada com César. É até estranho pensar que houve um momento em que eu gostava desse cara.

— Não, terminamos no dia do seu acidente. Eu estou casada com outro cara... — Devon não entrou aqui nenhuma vez. Acho que ele tem receio de como meu pai vai reagir. Não sei, talvez saiba que ele é da máfia rival.

Ele parece surpreso, mas aliviado também.  

— E quem seria esse cara? Eu conheço? — pergunta, curioso.  

— Não conhece — respondo, um tanto retraída. Não quero falar sobre Devon, não ainda.  

— Você cresceu tanto, tá tão diferente! O cabelo tá maior, tem um brilho diferente em você.  

Abro um sorriso genuíno.  

— Você dormiu demais.  

Ele ri.  

— Realmente...

Puxo o ar para tomar coragem para iniciar a conversa que tanto esperei.  

— Você lembra de alguma coisa do acidente? O que aconteceu naquele dia?  

Meu pai fica em silêncio por um momento, como se estivesse formulando uma resposta, parecendo pensativo e perturbado. Senti-me um pouco mal por pressioná-lo a se lembrar.  

Acordo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora