O Rei Dragão - parte 46: Trácota

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Mas quando eu me lembro,

São anos dourados...

- Bom dia! Estão com fome?

O tratamento de Dorijan com as crianças em nada havia se alterado e o simples fato dele dirigir a palavra a Op-Hal e as gêmeas fazia com que Mênia enrubescesse de ódio. Eva, que havia sido descida junto com Trácota para a mesma prisão dos outros adultos, a alertara para não vocifrear enquanto o príncipe somente falasse com as crianças. Pela experiência da Conselheira, provocar só piorava as coisas. Mênia não estava importando-se com os avisos de desconhecidos, porém Silvio ponderou a razão e dedicou o que restava de seu temperamento tranquilo para conter a esposa.

Op-Hal ignorou a pergunta de Dorijan e continuou alisado desajeitadamente os cabelos louros acinzentados das meninas chorosas. Tentou chamar de "gemelecas" pra ver se surtia como causa de distração sem resultado, elas queriam Eduardo.

Dorijan fez um biquinho lamentando as crianças recusarem-se responder e garantiu que Eduardo viria logo. E sem quebrar a promessa do príncipe, então o feirante chegou trazendo alimentos para os três. Assim que a gaiola permitiu que ele entrasse as gêmeas voaram no pescoço dele, chorando mais ainda, foi difícil convencê-las a comer. Eduardo também abraçou e beijou Op-Hal muitas vezes, como seus pais fariam se pudessem estar ali. O pequeno menino encontrou uma lagarta peluda na comida e a mastigou com pressa, daí seu apetite para alimentos mais usuais se abriu.

- Quero ir embora! A bisa, Eduardo! – Beatriz pediu sem querer soltar a gola da camisa do rapaz.

- Eu vou levar você comigo, Bê, nós vamos voltar pra nossa casa! Não chora, fica bem...

Sabrina, com olheiras devido a péssima noite, observava assustada.

- E você também! – puxou Sabrina para seu abraço largo – Magrelas...

***

Os caras da Guarda Real, diziam que no fundo Trácota era de coração mole e isso bem podia ser verdade. Ele havia treinado para tornar-se indiferente, enquanto uma parte dele tinha grande preocupação com as pessoas. Na 1ª. I.G.C, não passava de um jovem em fase de treinamento, com a mesma idade Mauro já era efetivado na Guarda Real e aterrorizava as estradas de Amirtréia. Trácota ingressou no limite da idade de aceitação. Na 2ª. I.G.C. já contava como um Guarda, porém não executou nenhuma criança, no máximo parentes revoltados. Embora adorasse lutar, tirar vidas o incomodava, quando tinha de fazê-lo, recordava-se que seu pai e outros parentes foram mortos sem piedade durante a Guerra Civil. Se tivesse encontrado Sabrina e Beatriz em Tendas, provavelmente o pior teria acontecido, por isso manteve-se quieto, admirando as três últimas crianças de uma geração inteira, já que entendera que Dorijan nunca foi exatamente uma criança.

- Era o que a Alis tentou explicar... – Eva chegou de mansinho debruçando o peso do seu corpo sobre o dele.

- O que? – Trácota, distraído, perdeu o comentário.

- Elas são um grande milagre, não temos direito de fazer mal algum a elas.

- Eu vou lutar dessa vez, mas pra mim chega. Quero retornar pr'as minhas terras e formar uma família.

Eva acertou os óculos no dorso do nariz e coçou os cabelos curtos. Sorriu ao beliscar o queixo coberto com uma bela barba loira:

- Isso é uma confidência ou um pedido?

- Tanto faz, se for com você melhor ainda, porque me deixa louco, mas se não quiser dividir esse sonho comigo – deu de ombros – tanto faz, eu pego qualquer uma. Quero uma família: casa, mulher, filhos. Semear pra encher a casa onde eu cresci com a mesma confusão de gente se esbarrando que era antigamente.

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