O Rei Dragão - parte 7: Abelha

347 37 0
                                    

Um Guarda em terra recuou a tempo de escapar de uma investida do Espinheiro, galopou o mais distante possível da planta até alcançar o Chefe.

- Estão todos mortos, Chefe! As lendas são verdade, o Espinheiro é a morte!

Caça Escalpos sobre seu maesel bípede tinha uma visão privilegiada dos acontecimentos e mantinha-se imóvel, sem querer acreditar. O Guarda orientou seu maesel para andar de costas e encaixar a cauda articulada na pata traseira do maesel do Chefe sem ferí-lo com o ferrão. O gigante deu um passo para trás e o ar do lugar onde estivera parado foi rasgado por um espinho pontiagudo.

- Eles esconderam duas crianças esse tempo todo! – urrou o Chefe - Duas!

- Agora o problema está resolvido, essa planta fez o trabalho por nós!

- Ela rasgou cada um dos meus lá no alto, mas os fugitivos apenas caíram e estavam vivos!

- O que pensa ser o resultado de uma queda sobre essa coisa?

- Não me convence! Uma daquelas meninas me encarou durante a queda, quantas colheitas se passaram com aquela família rindo das minhas inspeções? Eu quero ter certeza de que essa garota foi eliminada! E qualquer outra! Voltem a Tendas e revirem tudo, façam o mesmo por toda Dhomini-Dorijan!

- E o senhor, Chefe?

- Eu vou atravessar o Espinheiro.

Porém o Espinheiro encerrou o movimento voltando a sua aparência pétrea de planta morta. Até a poeira acumulada corroborava para duvidar se aqueles momentos de horror realmente ocorreram. A lança de Caça Escalpos partiu na primeira tentativa, o maesel gigante feriu as patas e o homem socou e chutou esgotando as energias. Apoiou as mãos nos joelhos e respirou profundamente, teria que narrar esse insucesso à Rainha.

***

Amanheceu e a luz de Taor atravessou os vãos entre as folhas e espinhos para lançar alguma luz dentro do Espinheiro. Ali floresciam enormes rosas de todas as cores, insetos começavam a jornada de tarefas diárias, havia muita vida ali. O maesel alado bateu os cascos no chão incomodado com o calor e a vibração fez Eduardo retornar do desmaio que emendara em sono. Teria que enfrentar a realidade, morreu na queda e Pedra Branca lançara-o ao limbo, onde aguardaria o dia que a Divindade julgaria entre trazê-lo para junto dos bem-aventurados ou apagar no esquecimento. Vozes conhecidas o fizeram compreender que sobreviveu a queda, pois Sabrina e Beatriz eram boas demais para o limbo. Estavam todos vivos, cercados por uma planta gigantesca e assassina. O que as meninas estariam fazendo?

Conversando justamente com o maesel que atrapalhou a fuga.

- Ele vai acordar, tá bem?

- É... é só o Feitiço da Rosa!

Ficou comovido e chocado ao mesmo tempo. O Guarda caído de um modo estranho no chão, obviamente morto, velado pelo maesel com Sabrina e Beatriz consolando-o. Lembrou-se dos Avós mortos e pensou em como responderia as perguntas das meninas sobre a ausência do casal, todos ali estavam de luto. Antes de resolver essa questão havia um perigo bem mais grave ameaçando-os, já que se livraram dos Guardas e o próprio Espinheiro parecia poupá-los, por enquanto. Duas feras enormes, antinaturais e treinadas para "caçar escalpos" estavam entre ele e as gêmeas. Ao roubar o maesel alado mal pensou no que faria dele, agora tinha um problema.

- O Eduardo já levantou, daqui a pouquinho ele levanta também, tá?

-Magrelas, venham devagar aqui para perto...

- A gente tentou, mas ele não quer andar!

-Beatriz, vem aqui e me deixa ver a sua perna, Bina, você também! – Apenas Sabrina não obedeceu.

- Vamos procurar água pra limpar a perna da Bê. – insistiu, e achou melhor encerrar o assuntou – O homem morreu.

Elas conheciam basicamente o conceito de morte, com insetos domésticos, animais pequenos e histórias contadas em casa, mas uma pessoa morta tão perto assim era novidade, tanto que precisou segurar Beatriz para que ela não voltasse para o velório do guarda. Caminhou o mais suave que pôde e tirou Sabrina do lugar em que estava abraçada ao animal. Elas só perguntaram "O que vamos fazer? Ele vai ficar sozinho e triste ali? Cadê a Bisa e o Biso?"

O maesel alado deitou tranquilo, pareceu ter descoberto que bater as asas produzia um vento refrescante.

- Seu Bisavô saberia dizer o que misturaram pra fazer esses bichos, aquele todo branco acho que é um bode, vi um bode uma vez numa viagem com seu Biso, e está misturado com alguma ave e acho que também uma cobra ou lagarto, talvez. Do outro não faço a mínima ideia. São maesel, o Consenso faz eles porque nós perseguimos os dragões e eles foram embora de Dhomini-Dorijan.

- A barrigona dele parece uma bundinha de abelha! – apontou Sabrina.

Indescritivelmente maravilhoso ainda conseguir ouvi-las rindo nessa situação.

- Acho que o Biso foi ficar com os dragões, a Bisa também... – concluiu Beatriz.

- E Bê, se os dragões foram embora de Dhomini-Dorijan, cadê a Bisa?

- No mesmo lugar que Pedra Branca, o céu. – ela respondeu. – Ele é dragão e tá lá.

- Se a gente sabia, falava pra Bisa levar o homem antes dele morrer, aí ele não morria.

Talvez para resolver o próprio luto Eduardo colocou as meninas sentadas a uma distância "segura" dos animais, procurou algo para servir de ferramenta e encontrou uma pedra chata. Raspou o solo e abriu uma cova do tamanho do Guarda, mesmo temendo uma reação violenta do maesel. Revistou o corpo e pegou algumas coisas que julgou úteis, depois arrastou o homem para o buraco e jogou a terra por cima. O animal limitou-se a observar com uma expressão que parecia compreender que enterrar era a atitude correta. No fim, ergueu o corpo pesado, investigou a cova com a tromba e foi postar-se ao lado das gêmeas.

- Oi, Abelha, quer ficar com a gente?

Com a garganta seca após o esforço e pelo calor característico do Espinheiro, Eduardo foi conferir se o cantil pendurado na sela de Abelha possuía água. Estava vazio, então o maesel alado ficou de pé e deu voos rasantes, dentro dos limites da clareira, finalmente pareceu encontrar o que procurava. Entornou água das folhas de uma bromélia aderida em uma parte do Espinheiro. Primeiro Eduardo provou e teve certeza que era boa, em seguida as gêmeas e Abelha beberam e puderam se lavar razoavelmente.

Estavam vivos, juntos e começando a acreditar que Espinheiro não é a morte. Uma única preocupação, a perna de Beatriz ficou com uma marca feia.

O Rei DragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora