O Rei Dragão - parte 49: Ressurreição

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Dorijan, enquanto esteve no acampamento centauro, meditou por um longo tempo antes de rumar para o palácio. Lançou memórias, invocações, preces, tudo o que podia fazer para acender um rastilho de magia draconiana que os antigos dragões pudessem pressentir e retornar, finalmente chegara o tempo de acordá-los. Ansiava pela companhia de seus iguais, principalmente depois de deixar o Palácio de Elise, sentia-se terrivelmente só e estranho. Sempre preferiu a companhia de familiares para sentir-se feliz e aquela roda de interesses em volta de Rúbia parecia odiosa.

Observava Tairone com admiração, os centauros podiam ter orgulho de um representante que discernia com sabedoria entre o que deveria desapegar-se e quais valores jamais abandonar. Dorijan colocava família no topo das prioridades quando era vivo, Tairone também compartilhava esse sentimento. Mesmo cheios de afeto, não fugiam de suas obrigações com a sociedade e enfrentavam corajosamente a guerra próxima. Por isso ambos representavam o equilíbrio entre razão e emoção.

A mente do dragão atingiu o grau de poder comunicar-se com Tairone, como um fantasma-dragão voou com as asas negras sobre a muralha, passou pelos Conselheiros e buscou o centauro. Sussurrou somente:

- Ao fulgir da Mãe Taor.

Voltou ao corpo de menino, abriu os olhos e esperançoso de que fosse a última vez, encarou-se num espelho. Estava pronto para reunir os dois títulos de Rei em Amirtréia. Dissipou um pouco da energia excessiva ao físico rudimentar empurrando as portas com força. Atravessou os corredores do palácio o mais rápido que pôde, com pressa de chegar a própria cerimônia de coroação.

***

Os sonsos membros da família real, tolhidos de horas de sono, abafavam no peito a indignação pela escolha de Dorijan como sucessor. Ingênuos ou simplesmente pouco inteligentes, ainda não compreendiam a matemática que deu à aberração autointitulada Rei Dragão, o cargo máximo da sociedade humana. Concordavam que as escolhas do príncipe para ornar o evento serviam para ofender todo o esforço despendido no sentido contrário a estadia dele no palácio.

Empregados medrosos que nunca haviam entrado na Sala do Trono vieram abrir as janelas, permitindo ao vento da madrugada trazer frescor. Limparam cada cantinho e decoraram com rosas negras. Os lampiões foram trocados por luminárias taóricas desfazendo a ironia da maior captadora de energia taórica recusar essa fonte. Objetos de artes saíram dos porões e vieram embelezar o ambiente. Os empregados começaram a aparentar um certo ânimo, como se a vida estivesse retornando ao palácio.

Quase concluído o serviço um singelo pedido de Dorijan tinha gerado espanto e insegurança:

- Tragam meu antigo retrato.

Correram para consultar a Rainha, pois no retrato solicitado constava uma imagem comemorativa do Rei Dorijan, um belo dragão negro, e de seu futuro assassino, o orgulhoso Rei Dhomini. Os Reis posaram para o artista nas vésperas de partirem rumo ao trágico acontecimento no palácio da Rainha Gil.

- Aprendam a obedecer seu próximo soberano. – ela disse.

O retrato foi instalado numa parede, bem destacado e favorecido pela iluminação. Dorijan pôs-se diante da figura e admirou longamente a beleza que irradiava quando era um poeta inocente, sem a corrupção humana misturada em seu corpo, tomando a alma perturbada. Suspirou longamente com a mão no centro do peito, onde ficava a escama do sacrifício.

- Você gosta? – consultou uma lacaia, que tremeu de susto com a abordagem direta e concordou sem pensar. – Está bem.

Voltou assobiando aos seus aposentos, trancado lá se preparou sozinho usando as coisas que requisitou numa detalhada lista de exigências tipicamente humana. O Rei Dragão foi o último a se apresentar para a cerimônia, os velhos escribas da torre mal conseguiam manter erguidas as cabecinhas de tanto sono, pareciam pombinhos sonolentos, pelo modo que se encolheram nas vestes cerimoniais.

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