O Rei Dragão - parte 13: Reza-a-Taor e Polegarinas

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  • Dedicado a Eduardo Menezes
                                    

Apesar de ser mais jovem que muitos de seus liderados, Mutemuia teve que aprender a superá-los no quesito sagacidade e nunca levar em conta o nível de aparato tecnológico de que dispunham os Conselheiros como um recurso inerte. Eles se superavam constantemente, sobretudo em recursos de espionagem. Já planejava esse momento ao convidar Alis para a sala de banhos e confiar-lhe uma ordem soprada baixinho enquanto banhavam-se sob uma fonte barulhenta.

Trancou-se em seus aposentos, trocou a vistosa capa vermelha por uma ocre, comum, e cobriu o rosto. Saiu discretamente, trancou a porta pelo lado de fora e escapuliu pelos corredores menos utilizados da Casa de Rohr. Quase alcançava a área externa sem ser percebida e foi parada com um grito:

- Ei, vo você! Estou ta testando as propriedades de algumas ervas de mato, vá lá fora e traga uma quantidade generosa de pa polegarinas! - Mutemuia sorriu sob o disfarce, pois reconheceu a voz do garoto tímido que assistiu a sua palestra, afinal, não era tão tímido ao tratar com um subalterno.

- Atenda ao pedido do Notívago! - reforçou um guardião.

Numa reverência sutil, abaixou para apanhar um balde no canto e rumou para o pátio.

O pátio era muito largo tomava quase toda a frente da Casa, porém Mutemuia estava na deserta extremidade esquerda porque essa última abertura tinha função de direcionar caminho para as hortas e outros pequenos cultivos, sendo pouco usada após a abertura de uma saída na cozinha para o mesmo destino. Pela emoção do risco prosseguiu no caminho e recuou para a lateral da Casa. Foi à horta em busca das polegarinas, foi vista de longe por alguns guardiões, daí fez a coleta e voltou pelo mesmo caminho, sem suscitar suspeitas, ao dobrar a esquina formada pela fachada lateral e a frente do prédio acelerou o passo e pôs-se bem rente a cerca viva até perceber o ponto onde havia uma falha e atravessou.

Do outro lado da cerca havia um terreno de mato baixo, depois árvores espaçadas e finalmente o campo de flores. Muitas vezes questionou os Conselheiros sobre a finalidade de um terreno grande destinado a plantio tão fútil e ouviu uma enxurrada de discursos sobre a analogia entre o movimento das reza-a-Taor e as placas captadoras de energia taórica. Por fim, acatava e pedia a anunciação da próxima pauta. Enfim, o campo mostrara-se mais interessante devido os comentários pinçados entre a garotada, sobre encontros românticos testemunhados apenas pelas reza-a-Taor. Ao terminar a contagem de passos marcando as coordenadas do ponto de encontro combinado, a Administradora encontrava-se no meio da plantação, cercada de plantas com comprimento comparável à altura de sua cintura em pose ereta. Sentou no chão e esperou.

***

O único lugar na Casa de Rohr onde Caça Escalpos sentia conforto era junto à janela de Alis, na Governança. Ficava voltada para pequenos morros meia laranja que, apesar de serem menores, lembravam-lhe a cadeia de montanhas do povoado Urapei, onde se encontrava a vila onde nasceu.

Tradicionalmente, os melhores cargos da Casa Real honravam os dônios*, descendentes dos reis do passado, membros da realeza, porém achando-se valiosos demais para derramar o próprio sangue em vão, recorriam aos moradores de pequenas vilas para os tornarem seus guerreiros. Na adolescência, Mauro achava insuportável a calmaria de sua região em Urapei e enxergou na oportunidade de integrar a Guarda Real a chance de escapar, tornou-se um tipo valentão e arredio. Ao saber do recrutamento que ocorria numa vila vizinha, chegou propositalmente atrasado, encontrou um grupo de jovens de diversas partes do povoado que também vieram tentar a sorte. Estavam enfileirados de dorsos nus, ridiculamente aprumados tentando impressionar os seletores. Mauro já desceu o morro sem camisa, fez uma saudação breve e formal aos Guardas - como se estivesse habituado a conviver com eles - e postou numa extremidade da fileira de candidatos. Longe de ser o mais alto ou forte, ao passar olhava os rivais no fundo dos olhos de modo tão intimidador que os outros se encolhiam. Isso antecipou o resultado da busca, os seletores encontraram o que desejavam, e Mauro sequer procurou os familiares para dizer adeus.

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