O Rei Dragão - parte 6: Espinheiro

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That's me in the corner

That's me in the spotlight

Losing my religion

Quatro maesel estavam parados na rua, Eduardo pensou que precisaria lutar com o Guarda que montava um deles, mas ele nem se moveu. Montaram o único alado e o maesel disparou indiferente aos novos montadores. Alcançaram o fim da ladeira de sua casa quando Caça Escalpos surgiu no portão e alertou os Guardas que tinham um fugitivo e duas crianças proibidas escapando no animal de Levi, um dos Guardas mortos. O maesel de Caça Escalpos possuía pelagem longa e tigrada, era musculoso como seu montador e mais alto que os outros. Abaixou-se para facilitar a montaria, reconhecendo a dificuldade do humano. Quando o Chefe lhe indicou o que caçar, foi facilmente ultrapassado pelo animal montado por um homem morto.

Eduardo decidiu que voar os exporia perigosamente e tentou esconder-se usando a seu favor o melhor conhecimento dos caminhos de Tendas que os Guardas. Naquela noite de inspeção a agressividade deles foi além do normal e desejava lutar contra eles até a morte, se fosse necessário, para vingar os Avós. Então quem cuidaria de Sabrina e Beatriz? Protegê-las foi o recado embutido na última fala do avô. E sobretudo uma promessa que fizera.

Embora preso à cama, seu avô antevia as coisas, conseguiu adivinhar que a Guarda Real viera com uma segunda intenção. De algum modo o velho sabia que Eduardo se envolveu com o culto a Rosa Púrpura e por isso os Guardas exterminariam a família inteira. Nos baques violentos dos passos do maesel as meninas chacoalhavam e choravam de medo, puxou-as mais junto de si e sussurrou "Perdão, me perdoem".

Suas suspeitas foram reforçadas pelas colunas de fumaça que começaram a subir. Pela localização só poderiam ser as casas dos membros do culto sendo incendiadas. Sua primeira ideia havia sido esconder-se na casa da amiga Elnora, ao ver a cena montada pelos Guardas precisou puxar bruscamente as amarras do maesel para que ele mudasse de rumo. Os Guardas zombavam de Elnora e seus familiares pendurados na viga do teto enquanto as chamas lambiam tudo.

- Cadê a Rosa, feirante? Alguma de suas heresias poderão tirá-la do fogo?

- Vush, vush, vush! – um deles recurvou o corpo todo e fazia esse som com as bochechas ao mesmo tempo que agitava os braços em mímica de um dragão – Oh, lamento, ela enviou um cuspidor de fogo em sua defesa e deu nisso!

Eduardo desejou recuar sem ser flagrado, porém foi denunciado pelo som dos cascos do maesel, então os Guardas saltaram sobre seus animais para perseguí-lo. Atiçou o animal para acelerar ainda mais e olhava para trás para conferir a distância dos perseguidores quando numa esquina ressurgiu o maesel que estava diante de sua casa correndo como um alucinando. Gritos de alguns Guardas sinalizavam a posição de Eduardo ao restante do grupo e o cerco foi se fechando, sem opções, seguiu para campo aberto.

Com o pouco que a Guarda conhecia das vias de Tendas ao menos as entradas e saídas usuais do lugarejo eles dominavam e posicionaram-se para impedir a fuga, e caso Eduardo voasse, alguns já sobrevoavam procurando-os. Mesmo enfrentando a Guarda Real e fugindo com duas crianças proibidas montados num animal roubado, Eduardo ainda não havia esgotado sua dose de ousadia naquela noite.

As terras de Tendas não foram rejeitadas para agricultura à toa, o outro povoado especializado em comércio, Porto Seco, localizava-se num nó de estradas algo bem mais proveitoso para essa atividade. Historicamente, Tendas foi fundada por uma "sobra" de pessoas excluídas de outros lugares, que sem melhores perspectivas iniciaram ali o trabalho de buscar e redistribuir mercadorias por Dhomini-Dorijan. O maior defeito da geografia local, o Espinheiro, uma formação vegetal intransponível, cujas lendas impregnadas no consciente coletivo impediam que qualquer um se aproximasse dali.

E justamente essa direção Eduardo tomou e no limite do povoado os Guardas estacaram sem coragem de galopar no terreno entre Tendas e o Espinheiro.

- O que fazem parados aqui? O animal de Vicente é meu soldado mais obstinado? – Caça Escalpos berrou e fez seu maesel erguer-se como bípede batendo as patas no peito encouraçado – Avancem! Queremos os escalpos!

- Caça aos escalpos! – berraram o lema do grupo.

Quando invadiram o terreno faltava pouquíssimo para o maesel de Eduardo ser pego pelo perseguidor e chegou o momento de usar as asas. Puxou uma correia curta amarrada na cabeça do animal, forçando-o a inclinar a cabeça para o alto, esse sinal era o comando de voo. Ele deu um impulso abriu as asas começou a ganhar altitude e um solavanco novamente puxou-os para baixo. O maesel perseguidor deu um salto e finalmente conseguiu cravar as garras em seu alvo. O maesel alado era grande o suficiente para carregar um homem adulto, o outro maesel consideravelmente maior cravara as garras das patas dianteiras no traseiro do outro e pendurado, sacudia-se para desequilibrar o voo. Nisso, levava fortes pancadas do chocalho na ponta da cauda do maesel alado. A família estava no meio da medição de forças entre duas poderosas criaturas, pois o outro não desistia de ganhar o céu.

Voavam num zigue zaque e Eduardo olhou para baixo, estavam sobre o Espinheiro, e os galhos pareciam despertar e agitar-se. Impossibilitado de ser veloz, o maesel voador foi cercado por outros maesel alados e seus montadores ordenaram ao animal de Levi que pousasse. Um verde escamoso de asas rosadas chicoteou com a língua comprida a perna de Beatriz, e um galho do Espinheiro ergueu-se e despedaçou tanto o animal quanto seu montador no ar. O Espinheiro iniciou uma luta contra aqueles que desafiaram aproximar-se demais, movia seus galhos largos como um torso humano, cheio de espinhos assassinos. E a planta estraçalhava quem conseguisse agarrar. Para todos os lados, espinhos pontiagudos causavam pânico e todos perderam a noção de qual conflito os trouxeram ali, todos precisavam urgentemente sair do Espinheiro se quisessem viver.

Os gritos e guinchos só aumentavam o terror na noite, Eduardo não tinha controle do animal, a planta investiu ameaçadoramente e o medo fez o maesel atrapalhar-se no seu dom natural. Despencaram em queda livre sobre o Espinheiro.


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