O Rei Dragão - parte 23: Cães de Caça

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- Susso!

- Mênia, mantenha a calma, como da outra vez! Sabem onde estamos virão direto para cá então melhor ficarem aqui, enquanto eu vou olhar quem veio. Só espera aqui escondida.

- Eduardo, fica na entrada da cabana, pois aquela árvore – apontou a casa da frente – foi a principal atração do parque botânico que existiu aqui, eles virão para cá, certamente. Se não escutar barulho de cães estarão contando apenas com os próprios sentidos e capacidade de raciocínio lógico. Aceitarão a cena armada ali e partir. No entanto se cães latirem, localizarão sinais de nossa ocupação em qualquer lugar. Teremos que subir e nos esconder no alto do Espinheiro.

Os homens saíram e Eduardo ficou na porta ao passo que Silvio se embrenhou no mato. Menos hábil que o filho, Silvio também dominava a habilidade de usar o Espinheiro como passarela, do alto foi distante o suficiente para ouvir latidos. Voltou rápido apontando para cima teriam que escalar ou seriam pegos pelos cães.

- Mas elas nunca subiram uma árvore na vida, nem eu sei direito!

- Sabem, não sabem meninas? O Op-Hal ensinou, vamos.

Começaram a subir e Silvio tinha razão, a convivência com o menino deixou as gêmeas menos bobinhas. Op-Hal foi ajudando Sabrina, Silvio conduzia Beatriz e Mênia mostrava os melhores pontos de apoio ao rapaz.

No lugar de onde Mênia pulara, a mulher sentiu medo de precisar fazer isso outra vez, mas passaram direto. Os caminhos no Espinheiro abriam-se, a luminosidade aumentou e os galhos serpenteavam, mas ao toque deles, magicamente esperava inerte ser usado como degrau.

Eduardo comentou.

- Não está nos atacando!

- Eu sei, meu plano de fuga baseia-se nisso.

- Em que?

-Que o Espinheiro nos quer vivos!

***

A planta permitia-os passar com visível relutância. Na frente Caça Escalpos relembrava: se mantivessem juntos até que ultrapassassem a capa inicial, o interior seria menos denso.

Ao finalmente vislumbrar o interior do Espinheiro o grupo admirou a beleza natural do entorno. Por dentro o Espinheiro era um bosque onírico protegido por uma roseira de proporções gigantes. Marília quebrou o silêncio:

- É bastante diferente do que eu esperava, esse lugar é lindo!

Caça Escalpos autorizou que se soltassem e os galhos pareciam enlouquecidos de vontade de rasgá-los. Fidélix sem seu bom humor habitual explodiu com o Chefe.

- O que está acontecendo? Decidiu desertar e nos arrastou junto? O que você pôs na cabeça dele, Alis?

Ao proferir esse nome o Chefe lhe derrubou com um soco direto no rosto.

- Desertores ou não quem lidera aqui sou eu! Me seguiram até aqui e farão exatamente o que eu mandar, sem discussões. Ou alguém vai ousar me enfrentar?

Os Guardas rangeram os dentes, apertaram os pulsos e pararam por aí, não eram tão inconsequentes assim. Afinal, se Caça Escalpos estava do lado do Consenso era seis contra quatro e ele era o portador da relíquia que os permitiria sair.

- Isso. Leonardo Máximo, pode soltar os cães.

Os bichos de focinho comprido e corpo esguio saíram fuçando por todo lado.

Cícero perguntou baixinho a Nicanor:

- Pra que isso?

Antes que respondesse Eva riu incrédula.

- Você não sabe? Cães são excelentes farejadores deram a eles coisas do fugitivo de Tendas para cheirar assim o localizarão onde quer que tenha se escondido aqui.

- E viemos para ficar seguindo eles enquanto fazem o serviço? – Cícero quis saber.

- Não, - respondeu o Chefe – teremos nosso próprio alvo. Temos fortes indícios que Silvio, Líder Comum de Tendas escondeu-se aqui, foram encontrados escritos e desenhos dele sobre o Espinheiro, com muitas referências a árvore central do Parque Botânico Real que ficava aqui, vamos lá pegar ele.

Os cães encontraram alguma coisa e Leonardo Máximo chamou para conferirem. Andaram até a clareira da cabana feita por Eduardo, investigaram os escombros destruídos pela chuva.

- Procurem sinais das meninas! –disse o Chefe.

Pérola e Eva conversaram entre si:

- Eu não creio que ele nos fará procurar uma alucinação.

- Nem eu, que ridículo.

- O que disse? – Alis ficou transtornada.

- Que nunca houve criança nenhuma!

Marília conseguiu conter Alis:

- Entenda, usaram veneno de dragão nele, foi sorte não ter morrido, essas meninas podem ser fruto de uma alucinação. Estudamos sobre a famíia, o idoso vivia acamado, os pais do rapaz morreram um seguido ao outro ainda na infância dele. O próprio Eduardo ao que investigamos nas vizinhanças nunca teve um relacionamento. De onde vieram essas crianças?

- Vocês estavam lá, não vão defender o Chefe?

Alis interrogou Trácota e os outros em tom acusatório. Em outra ocasião, talvez até mentiriam para corroborar uma afirmação de Mauro. A admiração incondicional havia se abalado, ficaram quietos.

- Aqui! Não preciso dos testemunhos de ninguém! Já viram isso?

Caça Escalpos ergueu as asas de dragão feitas com folhas, eram um adereço comum de usar em crianças nos antigos festivais de colheitas.

- Isso encerra as dúvidas?

Leonardo Máximo rapidamente deu-as para os cães cheirarem.

- Vamos seguí-los. – disse.

Os Guardas foram os últimos a sair da clareira, Rato percebeu um objeto estranho no chão, abaixou, apanhou discretamente e enfiou nas roupas. Baixo e magrelo, Rato era ágil e de movimentos sutis, foi um mero ladrão até a adolescência quando o Chefe admitira-o na Guarda pois sabia a utilidade desses atributos. Foi cochichar com Nicanor:

- Acho que tenho um trunfo. Encontrei um papel com algo escrito, você sabe ler?

- Não, apenas sei reconhecer uma ou outra letra, juntar já me complica... Tudo o que eu sei vem de nunca perder uma oportunidade de assistir uma palestra de Líder Comum, onde quer que fôssemos. Coisa que quase ninguém faz!

- Porque beber e levantar saias é bem mais divertido! Seguinte: vou guardar isso, mostro pra você na primeira oportunidade, se não for servir para a gente, também não adiantaremos o trampo desses traidores!

***

A subida foi milagrosamente muito mais rápida do que Silvio poderia presumir com seu enorme talento para cálculos. Próximos de conquistar o exterior, Sabrina disse "Opa!" e começou a descer novamente.

Desesperado Eduardo tentava empurrá-la pelos pés e pelo bumbum para continuar no sentido da liberdade.

- Não! Eu esqueci a Abelha!

O Espinheiro pareceu captar o desentendimento e ficou agitado de um modo assustador. Isso ficou claro quando Mênia conseguiu agarrar a menina que se debatia.

- Olha quem vem ali em baixo!

Susso apontou e viram o maesel branco com a cauda enrolada na parte mais estreita da circunferência de Abelha que subia desajeitadamente e com sua obstinação única.

- Viu querida! Sobe para abrir espaço para passagem dos maesel. – Silvio convenceu-a.

Ouviram os cães se aproximando.

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