O Rei Dragão - parte 32: Nicanor

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O homem que assassinou friamente seu irmão e seu pai. Parado diante dele com gotículas da chuva fina que escorria entre ramos do Espinheiro molhando a face abjeta. Nicanor desconhecia o rosto, embora soubesse toda a história. Ele ainda estava no fim da adolescência cinco anos atrás, recordava bem dos fatos que levaram à tragédia. Primeiro chegaram à vila que morava em Urapei, os boatos que a Casa Real ordenara a execução dos menores de um ano na própria família, como o problema não os atingia diretamente, pouco se importaram.

Semanas depois, sombras arredondadas organizaram-se estrategicamente no alto, eram balões imensos, de onde a Guarda Real vigiava as vilas. Por terra veio a cavalaria montada em cavalos e maesel. Justificaram estar no encalço do dragão Pedra Branca, e o povo aceitou. Pediram que todos com capacidade de lutar se apresentassem para receber treinamento, e Nicanor ofereceu os músculos magrelos. Logo descobriu que estava preso para não oferecer resistência quando a Guarda fosse executar seu plano verdadeiro. A garantia plena de segurança foi oferecida às mães de crianças pequenas e grávidas, a base do discurso era que sempre se mantivessem próximas e seriam protegidas pela Guarda da Rainha.

Encobertos na mentira de caça ao dragão, a Guarda pedira doações do arsenal de armas do povo. Sendo relativamente neutros, os urupenhos contavam com poucas facas e um tanto de objetos com potencial de quase machucar. Urapei não era um povoado como Frontir-Mésia, Nova Amirtréia e Porto Seco, recém saídos da Guerra Civil, ou como Sargos, naturalmente combativo.

Portanto, a fase de ajuntar e neutralizar recursos humanos durou algumas semanas para que a mentira convencesse outros povos mais desconfiados. Então, instauraram medidas mais duras: fechamento das fronteiras, embargo aos Líderes Comuns, confisco dos draquéis e redirecionamento desses moradores a zona urbana. O esquema usado aos moradores rurais foi semelhante, as pessoas foram obrigadas a deixar suas terras e ocupar acampamentos organizados pela Guarda. Tudo em nome do medo do terror invisível, o dragão Pedra Branca.

Posteriormente, Nicanor descobriu que essa etapa não foi tão fácil em Sargos, Bordo daTerra e Campos do Jefeté, contudo os insurgentes foram devidamente calados. Demonstrando "boa vontade de evitar desastres maiores enquanto tudo poderia ser feito pacificamente", um mensageiro da Guarda Real avisou que Pedra Branca contava com aliados entre os homens, e que tais colaboradores trariam a desgraça da espécie humana e precisavam ser localizados o quanto antes. Os populares ficaram assustados, desconfiados olhavam para os lados tentando imaginar quais seriam os traidores entre eles.

"Uma geração inteira de sementes ruins crescendo entre nós" disse o mensageiro e por fim sentenciou a morte dos menores de um ano de idade. Já ficara impossível fugir e evitar, alguns medrosos sacrificaram seus pequenos temendo a segurança do resto da prole e pela própria vida. Outros lutaram, espernearam e acabaram morrendo junto com seus bebês. Sem piedade, os pequenos foram tratados como inimigos políticos de alta periculosidade.

Nicanor, o pai, a mãe, duas irmãs menores e o irmãozinho recém-nascido foram parar num desses acampamentos. Os homens ficavam separados das mulheres, eles foram os primeiros a saber da condenação. Nicanor e o pai estavam no final da multidão, quando começou o burburinho de reações a notícia. O pai raciocinou rápido, puxou o garoto discretamente para fora dali, aproveitando a distração dos Guardas espancando os descontentes. Perto de onde estavam encarceradas as mulheres, eles guardavam os tambores com comida, então pai e filho esconderam-se atrás, contando com pouco tempo para localizar a esposa e as crianças, pois os Guardas viriam executar os condenados assim que reconduzissem os homens ao alojamento.

O barracão feito para acomodar as pessoas fora feito às pressas e sem muito luxo, pela fresta entre duas ripas de madeira, Nicanor deu sorte, ou quis a providência divina, de pararem justamente pelo lado de fora que coincidia ao beliche da irmã.

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