O Rei Dragão - parte 8: Folhas e Ovos

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O primeiro dia no Espinheiro não teve sede, mas houve fome, exceto para os maesel. O alado se virou bem com uns chumaços de grama e mato, Abelha degustou algumas frutinhas penduradas em árvores que pareciam pequeninas comparadas ao Espinheiro, mas, com o mesmo tamanho das árvores que Eduardo conhecia. Por segurança, preferiu esperar se haveria alguma reação com os animais antes de alimentar as gêmeas.

Transferiu o grupo para outra clareira, longe do túmulo do guarda e o resto do dia as pequenas passaram distraídas com o lugar e os animais. Chegaram a pedir para comer as frutas e obedeceram a recomendação de Eduardo, que preferiu não mencionar a possibilidade do envenenamento de Abelha. Sabrina e Beatriz vieram muito pequenas para a casa dos Avós, e para sobreviver precisaram suportar uma vida de sacrifícios e restrições, acostumando-se a resignar e colaborar. Sem culpá-las, ainda reconhecia nelas a causa de seu interesse pela história da condenação de um membro da família real ao exílio devido o desrespeito à figura de Taor e da Divindade. "Como a Rosa fez em seus primeiros dias, será que passou fome como nós?"

Conheceu o culto trabalhando de ajudante na feira, abastecia com cargas o pedalinho para que o marido de Elnora viajasse vendendo e cuidava da tenda que possuíam na feira. O casal era muito simpático e gentil. Um dia, Eduardo recostou num dos sacos para descansar e dormiu.

- Taor no alto, o homem labuta! – Elnora deu um cascudo leve na cabeça do rapaz e estendeu uma bonita fruta.

- Deve ser o feitiço da Rosa. – Eduardo desculpou-se sem jeito.

- Ei! A Rosa faz qualquer outra coisa além do Espinheiro menos dormir

- Ela morreu ainda bebê. O resto é besteira!

- Garoto, explique o que pode ser definido como besteira e responderei se a Rosa classifica-se aí ou não.

Essas conversas evoluíram para a inclusão de Eduardo no culto à Rosa, pois Elnora o considerava uma pessoa de confiança, fora isso, precisavam de pessoas jovens para prosseguir com o conhecimento sobre a Rosa. Para o desapontamento de Elnora, o rapaz recusou-se aprender a ler porque só aumentaria a quantidade de coisas a esconder dos Avós. Nunca assumiu em casa a participação no culto, por outro lado também nunca traiu o segredo da família.

Agora no Espinheiro, pensava nos fatos que explicavam a formação desse lugar "Rosa questionou a decisão da Divindade ao beneficiar Dhomini com o reinado sobre homens, dragões e animais ao invés de Dorijan. Isso equivale a trair a própria família, Rosa uma descendente do primeiro rei humano preferiu a corja das feras, obrigando a própria mãe a usar poderes sobrenaturais que apenas grandes reis possuem e lançar um feitiço de sono, que perdurará até o dia do julgamento. O feitiço da Rainha mostrou-se mais forte que o esperado, Rosa dorme um sono tão profundo quanto a morte e ele impregnou na torre onde foi colocada, condenou toda a terra ao redor transformando um inocente roseiral que havia ali no tenebroso Espinheiro."

- Se Elnora estava certa, em algum lugar você sobrevive e bastante acordada, só tenho que descobrir qual o caminho...

Um barulho à esquerda interrompeu as lembranças e decidiu investigar, foi um baque como se algo caísse. Abelha fez menção de seguí-lo e as meninas de vir atrás de ambos, Eduardo fez sinal de "parar", o animal entendeu e conteve a duplinha. O maesel alado levantou voo e sumiu de vista. Ao chegar ao lugar de onde viera o barulho encontrou apenas uma pedra que não parecia estar em seu posto naquele cenário. Correu de volta para a clareira onde ficaram as meninas. Continuavam bem e ele tranquilizou-se. Olhou ao redor procurando sinal de perigo que não se confirmou. Finalmente foi sentar outra vez para revirar as lembranças em busca de uma informação que direcionasse o que fazer.

Seu coração disparou e o suor pareceu gelo grudado na pele. Encontrou dispostos no lugar onde ele esteve sentado umas folhas e ovos. A maneira como tudo foi organizado, a precisão dos cortes nas folhas deixava claro que não estavam sós.

- Eduardo, olha o maesel branquinho! – Sabrina apontou.

As feridas causadas por Abelha ao pendurar-se nele estavam cobertas com um tipo de creme.

***

- Op-Hal, onde você estava?

- Fui buscar umas bananas, mãe, lembra que disse que não cozinharíamos por um tempo?

- Hum, melhor que lagartas, tomara que tenha parado com essa mania nojenta.

- Cadê o pai?

- Trazendo água. – levantou o menino e deu-lhe um beijo carinhoso, colocou de volta no chão e apontou para a cabana camuflada – Entre, combinamos passar o dia juntinhos em casa, logo vamos brincar e nos divertir! Depois que anoitecer deixo você sair para buscar comida outra vez.

Assim que Op-Hal deixou a mãe sozinha, seu companheiro chegou trazendo cabaças amarradas num galho. Estava sujo de cascas e folhas, o óculos embaçado pelo calor desprendido no esforço.

- Dois homens, cada um com seu maesel e você não vai acreditar trouxeram duas menininhas, quase do mesmo tamanho do Op-Hal. – ele disse limpando o suor da testa.

-Duas? Impossível!

- Nem comece a pensar nisso, temos o Op-Hal para defender, mal conhecemos essas pessoas. Ainda mais com maesel, minha querida, eu conheço seu coração e peço que avalie friamente.

- Eu sei... Se essas pessoas vieram de Tendas podem lembrar...

- Só o fato de terem entrado, nos diz que trazem perigo. O Espinheiro os quer aqui, sabe-se lá por quê? Nenhum foi ferido pela planta, ela os trouxe pelo alto e amorteceu a queda com as rosas, eu vi!

***

Outra clareira e a incômoda sensação de ser observado. "Ovos e folhas, quem fez isso? Alguém chegou a tocar no maesel branco, que não atacou sinalizando ter desconsiderado esse sujeito uma ameaça, lógico." Talvez por isso Eduardo experimentou um dos ovos, depois serviu as meninas. Chegou a provar a folha e o gosto da gosma desprendida por ela era de um amargo insuportável. Comeram também as frutinhas prediletas de Abelha. Um tipo dentre as folhas deixadas foi reconhecida pelo homem, e adentraram o Espinheiro até encontrar bananeiras, pegou um bocado de bananas e seguiu para uma clareira mais espaçosa e iluminada.

Ao anoitecer preparou um leito para as gêmeas com as imensas pétalas das rosas caídas pelo chão e sentou para vigiá-las, nunca poderia dormir sem descobrir quem está por aí. Sabrina pegou logo no sono e Beatriz reclamou da perna. Havia notado a dificuldade da menina para andar e a intensificação do aspecto vermelho na área atingida pelo maesel, parecia uma queimadura. Mantinha a ferida limpa o tempo todo sem economizar da água mais fresca e mesmo assim ela piorou. No mormaço do Espinheiro, ela tremia de frio embora o corpinho estivesse quente.

- Você vai ficar bem, magrela. Fica aqui no meu colo, abraçada comigo vai passar o frio.

Estava preocupado, a região da ferida parecia ferver de tão quente e minava um líquido da pele. No meio da madrugada Beatriz reclamou de sede e Eduardo percebeu que havia acabado a água, deitou a menina dormindo ao lado da irmã e foi mostrar o cantil ao maesel voador, que já aprendera que significava um pedido para indicar água. O bicho levantou voo e Eduardo o seguiu.

Retornou o mais rápido que pôde e dessa vez seu choque foi ainda maior. Ao lado das meninas colocaram folhas e ovos. A perna de Beatriz estava emplastrada com o mesmo creme usado no maesel e enfaixada com folhas de bananeira.


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