O Rei Dragão - parte 39: Senhor das Sombras

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À noite eu podia escutar o sangue em minhas veias

Tão negro e sussurrante como a chuva

Ri-Tha afastou as cortinas para entrar a luz de Taor. Um bronzeado ornava com aparência de saúde o rosto mais belo do continente de Dhomini. Também era importante renovar o ar do cômodo. Desde o incidente com a escama de Córneco mantinha-se ao lado de África, cuidando da amiga.

- Vão belos os dias do novo ano, minha flor! Sente?

Acariciou o rosto de África que não respondeu. Pelo menos passaram uma noite inteira sem crise. Encostou o ouvido no peito da amiga e conferiu satisfeita que não havia chiado. Especialistas em saúde vieram examiná-la nos dias anteriores, aqueles que o Consenso enviava para permanecer na residência do Líder Comum na Vila do Templo da Mãe Taor eram excelentes. Superáveis somente pelos selecionados para atender à soberana Casa Real. Eles diagnosticaram a "morte" repentina de um pulmão, e fraqueza observável no outro. Quanto à inconsciência não chegaram a uma conclusão, talvez fosse consequência do estado debilitado de África. Os Conselheiros avisaram a Sacerdotisa Priore, mãe de Ri-Tha que não poderiam oferecer tratamento efetivo, então orientaram cuidados a ser ministrados evitando o maior sofrimento de África perante o inevitável.

O coração de Ri-Tha recusou o diagnóstico, agarrava-se à doce esperança que, se os dragões realmente voltassem, poderiam reverter a drenagem excessiva de magia. Depois de Nemo e Tairone partirem, manteve guardado o segredo sobre a causa do mal.

- Precisamos ser fortes e esperar, vai dar tudo certo.

***

Contando que faltavam seis dias até o final do prazo dado a Mutemuia para ceder Guardiões, então Tairone sugeriu que eles tirassem o resto do dia para descansar o corpo fatigado da longa viagem entre Bordo da Terra e Tendas. Nemo desenrolou uma esteira no galinheiro alugado e sonhou com seu barco acelerando graças à força motriz de um potente motor construído por ele. Tairone ainda ouvia a discussão com Mutemuia ecoando na cabeça, forçou-se ficar deitado até o corpo doer. Ava partilhava da agitação, levantou e bateu os cascos no chão.

No final da tarde Gael perguntou a Nemo se gostariam de jantar na casa dele, tratava o bordês cordialmente, no entanto, como falaria a um empregado do centauro. A esposa de Gael, ficava sempre bem quieta, tão magrinha que parecia prestes a quebrar quando trazia uma panela de caldo para a mesa. A alimentação patrocinada por Tairone melhorou da sopa rala a um caldo consistente. Deviam estar economizando para o benefício durar mais. Depois da refeição Gael serviu uma bebida destilada que comprou de alguns mésios, crente que oferecer artigos de outro povo de tradição em viagens marítimas agradaria Nemo.

Óbvio que o bordês ficou mal humorado a princípio e entornou o primeiro gole por educação. Os seguintes foram pelo prazer de sentir a embriaguez esfumaçar a razão. Os homens já não diziam frases conexas quando o centauro provou a bebida. "Chorume intragável, se comparado ao bom vinho de Sargos." No final entornou mais álcool que os outros. Relaxado, trôpego, retornou a seu estábulo. Pretendia descansar, porém um zumbido intermitente atrapalhava.

Amaldiçoou o som até gostar de sua companhia irritante. Percebendo bem, distinguiu que havia ondulações sonoras, uma discreta melodia no fundo. Ao concentrar-se na música podia apreciar as notas do alaúde. Esse instrumento musical era o preferido de Tairone, pois África sabia manejar essas cordas. Então, o centauro reconheceu o pezinho que se insinuou para dentro do estábulo, cada parte do corpo que entrou em seguida, o rosto afilado com chamativos olhos escuros. Ela tinha a expressão travessa, os lábios franzidos para manter o segredo fechado na boca.

O segredo que reprovou Tairone num primeiro instante, quando o conheceu. Achou-o sisudo demais para a euforia típica dela. Contudo, um fogo aceso pela presença dele convenceu África do contrário, ela assumiu depois. Era uma alegre noviça do Templo, liberal e fogosa, que conheceu Tairone durante uma visita dele à sua mãe, uma grande sacerdotisa. Os dedos regiam as cordas com habilidade, enquanto pés, cintura, cabelos dançavam.

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