O Rei Dragão - parte 38: Taori

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- Eduardo, - Rosa respondeu sem abrir a porta – amizade não é nosso destino. Em condições normais, sequer teríamos nos conhecido. No máximo quem sabe, admirar seu porte durante poucos instantes quando me levassem a conhecer como vive a plebe. Só.

O feirante encarou os nós da madeira com seriedade.

- Os valores mudaram. Princesa, aqui dá tudo no mesmo, seu título nobre, os calos das minhas mãos, grandes merdas! Eu posso pedir, mas não vou implorar a sua atenção.

Eduardo sentiu a vibração do soco que Rosa desferiu do outro lado.

- Independe de avidez é questão de circunstâncias. É livre, por acaso? Está preso às meninas, como eu tenho responsabilidades com Dorijan. Não podemos ter distrações, já aprendemos como a vida pode virar de cabeça para baixo e qualquer coisa que prometermos ao outro será invalidado. Hoje é o sexto aniversário do meu filho, há seis anos eu acordei sem mensurar o compromisso que selaria a partir de então. Mesmo assim eu quero festejar, pois ele foi a melhor coisa que aconteceu comigo, e se pudesse escolher indubitavelmente preferiria ficar aqui com ele. Também vou pedir uma única vez: fiquem conosco, na segurança e conforto desse palácio.

- Vou começar a organizar a festa, as crianças estão animadas. Cansei de discutir com você.

A madeira arrastou suavemente pelo piso de mármore.

Eduardo e Rosa ficaram segurando cada um seu lado do portal, pareciam separados por um cristal. Sem discutir, pararam tudo para olhar sem cerimônia as formas, covinhas, cílios, músculos, a soma de todos os detalhes no outro que tornavam a atração mais dramática.

O feirante recuou alguns passos antes de se virar para sair, "como indica o protocolo ao lidar com a realeza".

***

Sentada em seu lugar na Sala da Cúpula do Consenso, Mutemuia observando a agressividade de Bistiene pensou por um breve instante que a Pensadora se daria bem como Guardiã ou Honrada. A senhora de cabelos roxos mesmo desconhecendo todo o teor da pauta a ser discutida já incutia na cabeça dos outros Pensadores uma série de reclamações a serem apresentadas. Mesmo os mais experientes do que Bistiene inclinavam a cabeça de lado e encaravam Mutemuia com olhos de fendas. "Visivelmente irritados, sabe lá Taor com o quê. É, o veneno da velha é bom."

Logo a Administradora mudou de ideia, a ira insensata de Bistiene era manipulável. Tanta falácia escondia uma mulher imprudente, convenceu-se também de que não daria boa Guardiã ou Honrada coisa alguma, ela morreria precipitadamente em campo. Decidiu isso avaliando Maria, líder dos Honrados, uma mulher gordíssima que precisava de uma bengala para ajudar a arrastar seu sobrepeso pela Casa, topete alto pintado de preto, óculos encaixado numa cara de quem chupou limão. Viam e ouviam-na falando sozinha pela Casa. Em público mantinha-se quieta, como estava ali de mãos apoiadas na bengala aguardando o início da reunião. Ninguém deveria subestimar Maria, a Honrada era listada como uma das dez mentes mais privilegiadas que formaram-se na Casa de Rohr. Atrás dela os Honrados alvoroçados comentavam fofocas da festa e especulações sobre o motivo da convocação, enquanto Maria aguardava serena.

Se Maria emperrasse o plano, tudo daria errado, e ela antipatizava com Mutemuia por três motivos. O primeiro e óbvio, foi ter sido preterida para o cargo de Administradora em função de uma de suas Honradas, bem mais jovem pelo simples motivo de interessar mais uma conexão com Sargos do que com Teupos. Segundo e bem recente devia-se a possível sobrevivência de uma criança em Tendas ter sido apontada como resultado de alguma falha no plano de cerceamento, projetado principalmente por Maria. Nesta fase de desprivilegio veio o terceiro motivo, a escolha do Honrado Leonardo Máximo para a missão ter sido nomeada por Alis, e ele indicou as Guardiãs Marília, Eva e Pérola. Nada sequer passou pela mesa de Maria para dar-lhe satisfação e ela ficou assumidamente irritada com o desdém.

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