O Rei Dragão - parte 16: Uma Lápide no Jardim

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Será que ela quererá,

Será que ela quer,

Será que o meu sonho influi,

Será que meu plano é bom,

Será que é no tom,

Será que ele se conclui?

Mesmo para quem já viu muitas coisas exóticas, a casa da família de Op-Hal pareceria incrível, para as meninas que conheciam tão pouco, era inimaginável e totalmente empolgante. Escondida entre outras árvores jovens, a árvore era larguíssima, torta, escura e cascuda, obviamente morta, parecia ter sido maior que o teto do Espinheiro, que em seu desenvolvimento a tombara e agora o tronco apartado jazia perto de suas antigas raízes. A porta e janelas de madeira foram feitas de recortes da própria árvore um trabalho belíssimo de marcenaria.

Op-Hal puxou a blusa para cima do nariz e abriu a porta, de dentro da casa saiu um cheiro de podridão praticamente insuportável.

- Vem ver, gemelequentas! – Op-Hal riu feliz de ter para quem mostrar sua casa.

Outra vez assustadas, as meninas tossiam e apertavam o nariz, nem cogitaram fugir, a curiosidade as dominava, chegaram no portal e foram distinguindo as formas a medida que a visão adaptou-se a penumbra. Alguns móveis de madeira, uma corda pendurada no alto, logo abaixo, no chão um amontoado de ossos e uma veste de brocado. Afastaram-se da porta e Beatriz que copiou o truque de Op-Hal com a camisa retomou o fôlego antes de Sabrina, que sofria com ânsias.

- Aquele era o meu pai e essa é minha mãe. – apresentou Op-Hal.

Apontou uma pedra no chão e leu o nome escrito:

- Me-ni-a, Mênia! É minha mãe, isso aqui é a lápide dela. Vem ver onde eu durmo!

Dirigiu-se para o tronco derrubado e afastou os musgos na entrada. No jeito que a árvore tombou, a copa espatifou no solo e a outra metade foi amortecida por árvores vizinhas, que com o tempo ajustaram-se sob seu peso, mantendo um declive. Precisaram saltar para entrar no tronco, primeiro ele, que puxou Beatriz com Sabrina ajudando por baixo, e esta subiu por último também com uma mãozinha dele. Na sombra do tronco vazio, outra porta, essa bem rústica.

- Cuidado para não escorregar.

Alertou o garoto, pois, sua cabana era aquilo: o tronco oco e inclinado. Contudo, a despeito da estranheza do formato, ao abrir a porta, as gêmeas vislumbraram o que entendiam por um lar.

***

Mênia correu para o terceiro esconderijo e Eduardo gritou, desta vez ainda mais perto:

- Hoje é o dia que eu vejo você, vem cá e não se esconda!

Mênia prendeu a respiração, mesmo assim, parecendo adivinhar sua localização ele deu outros passos na direção onde ela estava.

- Nunca me fez mal, deixa eu agradecer...

A meia distância dos dois humanos, o maesel branco vagarosamente dirigia-se na mesma direção da fuga de Mênia. Sem delatar a posição exata da mulher sequer uma vez, servia como um sinalizador para Eduardo caçar. O maesel estacionara e Mênia, olhando bem, percebeu que ele parecia entender a situação e indeciso de que partido tomar, os acompanhava e esperava o resultado. Os olhares da mulher e da criatura se cruzaram e caso Eduardo tivesse também olhado nesse exato instante a teria descoberto. Em sequência, o maesel fixou a visão adiante, como fazia ao apontar bromélias cheias d'água e o rapaz passou direto por Mênia agachada entre a vegetação. Finalmente ela pôde avaliar o adversário, jovem, com cabelo, pele e olhos em variações mínimas da cor parda, não era muito másculo e calculou que teria condições de encarar uma briga com ele.

- É para lá? Muito bem, Coisa, obrigado! – disse, e o jeito exasperado dele misturado com seu sorriso característico sempre arreganhando demais os dentes a desencorajaram do confronto.

Deixou-o seguir em frente, sumindo na clareira das bananeiras. De lá propagou sua voz:

- Até ajudou a tratar meu animal e a criança! Faz-me sentir mal desse jeito! Parece que estou perseguindo!

Criança. A palavra despertou uma possibilidade em seus pensamentos. As meninas que Susso mencionou não estavam por ali. Nem Op-Hal. Conhecia bem o filho, o que ele andou fazendo todas essas noites? Óbvio. Permitiu o estresse se tornar força e saiu correndo de volta para casa, procurando chegar a tempo de impedir que o marido cometesse um ato terrível.

Eduardo percebeu o movimento e enxergou um vulto correndo, fugindo. Disparou atrás e recomeçaram o jogo de esconde-esconde, mais acelerado que antes, pois Mênia estava desesperada para chegar em casa. Acima deles, voando baixo, o maesel branco ia sereno.

***

Dentro da cabana de Op-Hal tudo parecia perfeitamente no lugar, até porque tudo era pregado no chão para não deslizar no sentido do desnível, nas paredes foram perfurados respiradouros e entradas de luz que a camuflagem escondia pelo lado externo. Assim, razoavelmente iluminada, fresca e tão bem organizada quanto a Bisa faria, o lugar conquistou as gêmeas.

O menino começou a procurar a mãe, apesar das proporções mínimas, o construtor soube fazer algumas subdivisões, a sala e a cozinha conjuntas, o quartinho do Op-Hal servia de biblioteca também – e foi a primeira vez que as gêmeas viram livros, tantos livros! – e o quarto dos pais que integrava a despensa. Enfiou o rosto pela fresta do quarto do casal sem resposta, porém, de outro ponto da casa veio a voz do pai.

- Op-Hal! Pensei que estivesse com sua mãe.

Ele desceu de um tipo banco pregado alto na parede como uma prateleira, onde tinham o hábito de recostar para ler, pois incidia ali um facho de luz através de um respiradouro. E exclamou:

- O que saiu do ovo de Taor!*5 Quem são essas meninas?

- Elas são germeas, são iguais. Viu?

- Vi sim, e vi outras coisas também, desde de que combinamos que as regras mudariam, você tem desobedecido, Op-Hal. Pior! Não apenas desobedecido, se meteu a investigar por aí também. Deixamos você sair escondido nas noites para distrair-se e olhe o que arrumou.

As gêmeas estavam abraçadas pressentindo que o pai do menino desaprovou a visita.

- A gente não precisa ter medo delas!

- Agora você especula assuntos de adultos, ahn? Quando soube que não estávamos apenas nós aqui? – pausou e diante das expressões das crianças mudou o tom do discurso bruscamente – E que lindas visitantes!

O que saiu do ovo de Taor!*5 – Expressão popular de Dhomini-Dorijan, tem sentido de espanto, surpresa.


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