O Rei Dragão - parte 4: Chefe Caça Escalpos

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Desde que iniciaram suas atividades os membros do Consenso realizam suas atividades na Casa de Rohr, um prédio coberto de heras, ervas e flores, todo revestido de mármore branco por dentro. Alis, mensageira da Guarda Real, fez esforço para parecer segura ao cruzar o pátio da Casa de Rohr e anunciar aos Guardiões do Consenso que uma missão viera trazer um paciente, conforme as instruções do acordo entre realeza e Consenso. Metodicamente uma porta larga foi aberta então Alis e um Conselheiro da Casa puseram-se na posição de testemunhar a entrega da criatura.

Caça Escalpos se aproximou para conferir a entrega e lançou sobre Alis o tipo certo de olhar que a fazia sentir fisgadas de volúpia. A paixão pelo Chefe levou Alis a um descuido fatal, a criatura pôs uma pata para fora da peça de proteção e a empurrou. Sem equilíbrio, a mulher pisou na camada de pedra branca do chão da parte interna Casa, antes que consertasse o erro um dos Guardas já a segurava pelo braço.

- Nunca desonre as regras de uma Casa que sirva à Realeza! – disse Caça Escalpos.

- A menos que contrarie a vontade da Realeza! – ela completou.

- Os que pisam esse chão passam a pertencer ao lugar, para a finalidade que o Consenso apontar. Meus votos de boa sorte no teste de aptidão dos Conselheiros, nem preciso esclarecer o que acontece aos reprovados, ou preciso?

- Desculpe, Chefe.

Ele tentou fazer uma expressão solidária, como tal sentimento nunca foi de seu feitio, ficou parecendo um rascunho de "tentar ser". Então Caça Escalpos, sem pisar o mármore branco debruçou sobre a caixa e auxiliou a criatura a recolher sua pata de volta para dentro da peça. Alis ouviu um ronronar que parecia um agradecimento pela cortesia. A maldita criatura a empurrara propositalmente! Compreendeu a armadilha em que caíra e reprimiu o choro de mulher traída. Recomposta, puxou a peça para o interior da Casa de Rohr. Antes de fechar a porta, o Conselheiro arrancou o brasão da Guarda Real costurado na roupa de Alis e atirou para o Chefe. Ela nem olhou para trás.

O pequeno grupo seguiu em silêncio enquanto empurravam a maca e assim que a visão de Alis acostumou à brancura total surpreendeu-se com o sistema de iluminação do lugar. Canos incandescentes da espessura do braço de uma criança, ligados a pequenos motores alimentados por taores.

Por dentro da Casa de Rohr, assim que atravessavam o hall de entrada recoberto de mármore, via-se que o prédio era aberto por dentro e adornado com um jardim bem cuidado. Então, os corredores dos quatro pavimentos desenhavam quadrados entorno do interior aberto da construção, que era o jardim. Seguiram para direita, subiram ao segundo pavimento e Alis inalou o cheiro característico dos lugares onde doentes e feridos são recolhidos para tratamento. Tentou desviar o pensamento, sua vida na Guarda Real acabara. No segundo pavimento viraram a esquerda e Alis apenas seguia o caminho e oferecia sua força para ajudar a empurrar a pesada carga, mesmo sobre rodas. Uma figura de capuz vermelho surgiu no corredor e sua voz feminina e musical respondeu a pergunta não feita.

- Alis, bem vinda à Casa de Rohr, sede do Consenso! Vislumbre a luminosidade nesse espaço fechado! A quantidade de taores usadas apenas nessa passagem poderia atender as necessidades de toda Dhomini-Dorijan durante três anos. Aqui, experimentará abundância de recursos, e de saberes. – pousou a mão num afundamento da peça de proteção com o exato contorno de seus dedos, então a caixa desarmou revelando o corpo grotesco sobre a maca. – Infelizmente, pessoas não duram tanto, chegou ao fim da vida recentemente o responsável por acompanhar a estadia desses queridos visitantes, garantindo ser aquele mesmo que deu entrada conosco. Pedimos um substituto e Mauro a escolheu pessoalmente, isso quase me garante que é confiável.

A mulher descobriu a cabeça e Alis calculou que aparentariam ter a mesma idade se não fosse denunciada a experiência de muitas eras no olhar de Mutemuia. Sua cabeça tinha o cabelo raspado rentíssimo ao couro, o rosto tinha proporções elegantes, olhos negros e repuxados, a pele levemente bronzeada e maçãs do rosto altas e coradas. Ali mesmo, sem aviso algum, Mutemuia iniciou o teste de aptidão enfiando um pequeno cogumelo na boca de Alis, no contato com a saliva ele se dissolveu formando espuma. Os pensamentos dela embaralharam, mas o treino de soldado sobreveio sobre o entorpecimento e lembrou-se de manter contato visual com a criatura. A iniciada cambaleou na direção do corpo cinza e um Conselheiro a ergueu e empilhou sobre o outro corpo na maca para levar para dentro da Sala de Intervenções Invasivas.

Tudo virou um borrão branco com vultos impossíveis de distinguir, menos a criatura, que parecia ser a única coisa real naquele momento. Deitaram uma ao lado da outra e novamente a voz musical foi ouvida:

- Ele dorme, relaxe também, leve sua mente para outro lugar...

O corpo de Alis sentiu o toque de finos lençóis, olhou para o lado e o tecido estendia-se como o mar e o recuo da onda revelou um lindo monte, um dos ombros de Caça Escalpos. Em nenhum instante ficaram a sós, adiante do homem era visível um contorno escuro e disforme. Isso a fez entender que a visão não era real, era alguém numa missão e nunca poderia distrair-se. Não possuía esse direito. Alis instintivamente focou a criatura até a alucinação desaparecer.

- Muito bem, menina, muito bem. Agora pertence ao Consenso. – Mutemuia parabenizou.

***

- Nunca serão dragões, Chefe, por que ainda experimentam? – perguntou um dos Guardas da Rainha.

Caça Escalpos agarrou o pé do homem e o puxou de cima do maesel*1, depois ajoelhou sobre seu tórax.

- Experimentam para que tenha o luxo de cavalgar seu maesel, aprenda a dar valor ao trabalho do Consenso. Estamos a três dias e quatro noites da inspeção no povoado de Tendas, e acabo de escalar o seu serviço, a comitiva sairá do Pátio Real assim que Pedra Branca ficar solitário no alto. Esteja lá!

A pequena tropa partiu no ritmo dos passos dos animais, no fim da fileira um deles parecia triste pela falta de seu montador. No pátio da Casa de Rohr, o Guarda murmurou antes de começar a caminhada:

- Aquilo que trouxemos não é um maesel.

Maesel*1 – comparáveis às quimeras de nosso universo, os maesel contituem-se de partes de animais variados, o mencionado nesse capítulo, por exemplo, é elefante+cavalo+canguru, enquanto o de Caça Escalpos é touro+gorila+tigre. Os maesel são a montaria da Guarda Real, mais facilmente adestráveis, porém com maior força física que os animais de que derivam.

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