O Rei Dragão - parte 45: Em Silêncio

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Foi bom, nós fizemos história

Pra ficar na memória

E nos acompanhar

Sobretudo a ausência dos intentinos não surtiu saudades em Alis, o coração sim, era estranho não possuí-lo para bater de acordo com suas emoções. Sem pulmões, sem ossos, sem corpo. Alis sentiu leveza, porém nenhuma sensação de liberdade. Voluntariava-se a continuar presa à Terra de Amirtréia, ancorada numa paixão terrena.

Alis poderia prosseguir sem culpa se Pedra Branca não tivesse lhe soprado ao ouvido, nos últimos momentos. Ele veio, discretamente, e lhe garantiu "um bom lugar", mostrou a Eternidade, brilhante e maravilhosa, uma dimensão diferenciada desse mundo turbulento a qual Caça Escalpos não conquistara o direito de desfrutar. Sendo assim, então esse paraíso já não serviria para Alis.

- O que posso fazer para salvar a alma de Mauro? – ela perguntou ao dragão.

"Convencê-lo a duelar novamente comigo", sussurrou Pedra Branca que se Alis convencesse Mauro a aceitar a proposta de Dorijan, ao sobrevir a morte do Chefe, então o dragão nivelaria o casal num mesmo plano do pós-vida. Depois de tudo, finalmente juntos.

Então encarou os olhos do dragão e desvendou o segredo dele, "Caça Escalpos o vencerá sem dificuldade, dragão", desdenhou e assentiu que concondava com a proposta. Fechado o trato, sentia-se exausta e apoiou a face de lado no chão prestes a descansar, depois tantos dias insone. Ao longe, viu as botas de Caça Escalpos andando de lá para cá enquanto discutia os termos de rendição da filha e do neto. Alis morreu sem Mauro perceber.

Enquanto se adaptava a ser etérea, Alis escutou o Chefe chamar seu nome. Gostaria de lançar-se no pescoço dele e cobri-lo de beijos, como já fizera tantas vezes enquanto Mauro segurava seu falecido corpo e chamava por ela. Findos anos dedicados a sonhara, deparava-se com um futuro despedaçado, e ainda havia tanto para ser dito... A História atropelara a história dos dois e os fatos coletivamente memoráveis sobreviriam a uma simples intimidade de casal. Contudo, o mundo passara para Alis, a única coisa que fazia diferença era garantir a Mauro um lugar melhor, quando viesse para este lado também. Concentrou-se em todo ódio que Caça Escalpos portava desde que nascera sem razão alguma e que encontrara seu foco no desejo de lutar com dragões, e que o adversário fosse preferencialmente Pedra Branca. "Lute, mais uma vez, Chefe. Faça aquilo que o Rei Dorijan diz."

Inconscientemente, Mauro captou essas vibrações, pois por um momento, pensou em desistir e ir embora dali em nome do último pedido de Alis. Mas, contrariando a si mesmo, o Chefe disse:

- Aquela menina ali, foi aquela a que me encarou durante a queda no Espinheiro. Eu jurei que a pegaria, essa é minha exigência para lutar ao lado dos draconianos.

Mauro mal terminou de pronunciar sua exigência e Eduardo reagiu enlouquecido de raiva... como um verdadeiro pai. Alis sentiu um pouco de inveja, pois passou pela vida sem tornar-se mãe de ninguém, nem ao menos nutriu um sentimento forte por uma criança como aqueles pais ali, lutando desesperadamente. Era um vínculo diferente de qualquer outro tipo de relacionamento, sem dúvida o mais forte. "Pais são capazes de adorar os filhos mais obstinadamente do que fiéis a Divindade", concluiu. Quando o Chefe aceitou o desafio de Op-Hal, os corações de Mênia e Silvio partiram-se tão violentamente que Alis pôde sentir em ondas a dor deles. Teria inclusive chorado, se ainda tivesse lágrimas.

Dorijan, Caça Escalpos, Silvio, Mênia e Eduardo discutiram bastante e após gritos, ameaças e palavrões cheios de ira, entraram em acordo. Como o desafio de Op-Hal não podia ser desfeito, Mauro concordou esperar que o menino completasse mínimos dezesseis anos, então haveria um embate justo entre um jovem vigoroso e um velho experiente. Durante esse período Beatriz seria prisioneira de Mauro, com plena garantia de proteção, para o caso de precisar "devolvê-la". Logicamente, Eduardo jamais cogitaria dezesseis anos de espera para reaver sua menina então aceitou a proposta de Dorijan de lutar ao lado dos draconianos em troca da chance de acertar as próprias contas com Caça Escalpos no final da guerra.

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