O Rei Dragão - parte 12: Mênia

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Descontando o tempo que ficou doente, Beatriz teve menos tempo para adaptar-se ao Espinheiro do que Eduardo e Sabrina. Nesse período, Eduardo improvisou um acampamento e se a menina estava deitada na antiga cama improvisada com pétalas, ele a colocou ali para banhar-se com os raios matutinos de Taor.

Para ela parecia um milagre a vida ao ar livre, o cheiro das rosas incomparavelmente melhor ao da fossa escura onde se escondia, às vezes. O buraco era fundo e escuro e teria bastante medo se Sabrina não estivesse lá.

Beatriz olhou adiante, Eduardo reforçava a cabana improvisada, o Biso e a Bisa continuavam no céu, o guarda enterrado como sempre, enquanto Sabrina, Abelha e o maesel voador não estavam à vista, portanto, circulavam por aí. Nunca tinha ficado tão distante da irmã, ia perguntar sobre ela para Eduardo, que foi mais rápido e perguntou antes:

- Oi, Beatriz, que bom ver você de pé! Quer alguma coisa?

- Não...

- Deixa eu ver sua perna?

O aspecto havia melhorado, a pele numa coloração normal parecia apenas um tanto fina ainda, precisava de mais alguns dias e estaria perfeita outra vez. Estavam terminando de enfaixar quando alguma coisa pesada caiu rolando com Beatriz no chão: era Sabrina.

-Bê! Você tá bonita!

Beatriz ainda vestia as roupas sujas e rasgadas da fuga, o cabelo descabelado amarrado sem jeito por Eduardo, e esse era o mesmo aspecto de Sabrina que, além disso, estava sujíssima das andanças pelo terreno que foi permitido. "Tenho que dar uma limpeza geral em vocês!" Eduardo sentenciou.

- Depois! Deixa eu levar a Bê para passear com a Abelha.

Eduardo olhou para Abelha que já vinha atender o chamado de Sabrina, o bicho se mostrara um excelente babá, era manso e parecia entender como brincar com crianças, servia de bebê, castelo, cavalo, o que precisassem. Por isso permitiu, e Sabrina logo montou nas costas de Abelha, enquanto Beatriz que ainda não montara esse maesel precisou de ajuda. Como o bicho acostumara-se a abaixar para ser montado pela garotinha, nem foi preciso que Eduardo colocasse Beatriz sobre a Abelha, foi Sabrina quem acomodou a irmã.

E partiram.

***

Há alguns dias um pequeno número de Guardas qualificados por Caça Escalpos para entrar no Espinheiro aguardava no terreno onde os que sobreviveram ao ataque da planta testemunharam seus colegas morrerem. Logo em seguida vieram os Guardiões do Consenso, que primeiro ocuparam-se de organizar seu acampamento separadamente, então um clima amistoso não necessitou ser simulado. Movidos pela natural curiosidade humana, os Guardas vasculhavam os Guardiões com olhares à distância.

- Já viram ela?

- Ainda não, acho que é aquela ali.

- Aquilo é um homem! – o grupinho desandou de rir.

- É mulher, observe que a capa marca o contorno de quadris! – o rapaz ainda insistiu.

Outro comentou:

- Fica difícil identificar com essa capa cobrindo da cabeça aos pés, mas acho que não, essa pessoa é mais baixa que a Alis.

O guardião em questão instalava um taore num equipamento que parecia uma gaiola de engrenagens com duas alças dos lados, e assim que o taore liberou energia, as tais alças revelaram articulações. O guardião encaixou um bastonete de carvão em cada extremidade e imediatamente o aparelho começou a desenhar a visão do Espinheiro ali em frente.

Um guardião com inconfundíveis proporções masculinas veio conferir o bom funcionamento do aparelho, a figura que os guardas observavam escorregou o capuz para trás para fazer seu relatório e era mesmo uma garota, mas não Alis.

- Linda! E qual sua opinião sobre os quadris do outro anh? – o Guarda que acertara sobre ser um corpo feminino zombou dos colegas.

- No Consenso tem muitas mulheres.

- Que inveja. – disse Fidélix, o engraçadinho do grupo e eles riram novamente. – Dizem que os Guardiões não usam nada por baixo dessas capas compridas, só sandálias. Só que a última coisa que parecem são pessoas que fizeram voto de pobreza, ao menos em minha opinião.

- Realmente. Cadê o Chefe?

- Deve estar com o comandante deles passando o planejamento, como eles a chamam... Administradora?

Um tipo um tanto mais inteligente que a média consertou:

- Não! Guardadas as devidas proporções a Administradora equivaleria a nossa Rainha, improvável que esteja aqui. No máximo deve ter vindo um Pensador ou Honrado.

- Falando nisso, será que o Nízor taí? – Levou um tapa na cabeça antes de concluir a pergunta.

O tipo intelectual se retirou e Fidélix ralhou com o colega:

- Isso é pergunta que se faça perto do Nicanor? A irmã dele morreu naquele ano, durante o massacre na Casa de Rohr!

***

Mênia julgou-se sortuda por acordar antes do marido, pois Op-Hal saiu às escondidas durante o dia, contrariando o trato feito com os pais. Sem dúvida a culpa recairia sobre ela se algo lhe acontecesse. Desde a última vez que o Espinheiro acordou e chegaram os novos moradores, a vida em casa tornara-se uma rotina de tensão. Seu companheiro disse para confinar Op-Hal até que tudo se resolvesse e ela não aceitou que a única criança sobrevivente ao massacre do ano do dragão, tivesse podada a liberdade que o cerco do Espinheiro proporcionava. Amava-o demais e se negava a vontade do homem que acolheu a criança como se fosse seu filho, era por acreditar que o pior já passara naquele ano, e depois daquilo qualquer outra dificuldade poderia ser superada.

Pois não contava com a desobediência do menino, onde estaria agora? Em nenhum lugar da casa, constatou. Saiu e começou a escalar a larga árvore recurvada que servia de moradia para a família. Desajeitada pela falta de prática e meio pesada, subir foi um exercício difícil no começo. Aos poucos o uso dos músculos reativou certas memórias e Mênia atingiu o topo. Lá do alto, onde a árvore encerrava o prolongamento dos galhos, Op-Hal costumava saltar para um braço do Espinheiro e perambular fazendo galhos e espinhos de passarela e degraus. Se lá de baixo a artimanha parecia temerária, aqui do alto Mênia decidiu ser uma proeza mortal, proibiria o garoto de fazer isso novamente.

Então, pulou da árvore para a roseira gigante.

Sem a mesma habilidade de Op-Hal, Mênia não conseguiu se equilibrar.

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