Capítulo 1 - Um

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As luzes da boate já eram normais para mim. Não me causavam náuseas e nem tontura, não mais. O uniforme totalmente vulgar se tornou, também, algo cotidiano. O que, para mim, não era nenhum orgulho. Apenas o reflexo das péssimas condições em que eu me encontrava. Ficar repetindo que tudo tem sua hora e um proposito ajudava a levar dia após dia sem surtar.

Esta noite eu estava com uma badeja em mãos e com um sorriso safado nos lábios, fazia parte do pacote desagradável do meu trabalho. Normalmente eu ficava sob os palcos esfregando-me em um cano de aço, ou algum metal prata e brilhante que eu não sei, com certeza, o nome. O clima na boate estava estranho naquele dia. Algumas diziam que era uma festinha particular, mas era uma informação precipitada e certamente errônea. Eu reconhecia alguns dos homens ali, que visitavam regularmente o lugar, eles colocavam as esposas dentro do bolso e mentiam sobre seu paradeiro, alegando uma reunião de última hora ou algo do tipo.

Observei o lugar atentamente, eu odiava tudo ali e era notório. Meus olhos curiosos pairaram em uma das mesas, não havia nenhum rosto familiar ali. O que era estranho, considerando a fidelidade de cada homem que se propunha a frequentar aquele lugar. Minutos depois exigiram minha presença na mesma. Dei de ombros, convencendo-me de que não seria nada demais, e preparei o espirito para as cantadas que, para mim, eram ofensas. O cheiro abominável de bebida e suor que emanava facilmente das peles asquerosas já começara a embrulhar meu estomago. A mesa era composta por homens extremamente bem vestidos. Chutei a idade do mais novo beirando os 23 anos e o mais velho que havia passado dos 40 há um bom tempo. Algo não tão comum por aqui, homens jovens e bem vestidos. Havia três pessoas na mesa. O rapaz mais novo tinha olhos azuis e o rosto delicado, com feições leves e amigáveis. Cabelo, apesar das luzes coloridas no teto da boate, era possível ver o tom do louro de seus fios bem cuidados. Tinha o cabelo curto e com um corte que custaria um mês de trabalho meu. Ao seu lado esquerdo estava sentado um homem, aparentemente, um pouco mais velho. Seus traços eram parecidos com o do loiro, mas seu cabelo esbanjava um brilhoso tom de preto natural assim como sua sobrancelha e sua barba recém feita. Seus olhos eram azuis intensos, beirando o cinza. Fiquei alguns segundos apenas olhando seus olhos, que me prendiam de uma maneira indesejável e repentina. Ele usava um terno preto com a camisa social, também, preta, mas sem a presença de uma gravata. Ele tinha o olhar fixo em mim, como se me conhecesse de algum lugar, observava todos os detalhes do meu rosto. Uma sensação estranha me tomou, fazendo com que arrepios contínuos me invadissem. Apesar de todo odor desagradável do local eu pude sentir seu perfume penetrar fortemente minhas narinas e naquele momento se tornou meu cheiro preferido. Encarei o homem mais velho, magro e usava o terno completo com a gravata afrouxada. Era nítido seu incomodo em estar ali. Seu cabelo, apesar de loiro, já estava perdendo a cor, dando origem à um branco. O verde de seus olhos era escuro e intenso, assim como a folha de uma rosa. O mesmo me olhou por alguns segundos e esboçou um leve sorriso, um que aparentava existir nostalgia. Coloquei o cabelo atrás da orelha discretamente e servi as bebidas. O rapaz de cabelos negros e olhos azuis segurou em minha mão me fazendo encara-lo com surpresa. Meu instinto básico de me afastar falhou miseravelmente. Seus olhos, por mais julgadores que pareciam, me prenderam.

-Qual seu nome? – Ele disse firme, o mesmo não tirava a carranca do rosto dando-lhe um ar de mistério, o que o deixava extremamente sexy. Sua mandíbula estava contraída e seus olhos cerrados, ele parecia tenso com toda aquela situação. Era nítido que ele esperava uma resposta.

-Lola. – Eu disse, ríspida, puxando minha mão grosseiramente.

Quando me tocavam, sem permissão, eu sentia uma repulsa absurda, o que dessa vez não aconteceu, mas o incomodo havia sido instalado. Dei as costas rapidamente e voltei para o bar, mas não consegui evitar observá-los de longe, discretamente. Ele, em especial, havia conquistado minha atenção curiosamente, era como se ele fosse um enigma tentador. Fiquei olhando e percebi que eles conversavam entre si cuidadosamente, parecia sigiloso. Percebi olhadas discretas do rapaz loiro em minha direção, o que me deixava ainda mais intrigada.

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