46 - Assuntos pessoais

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Segundos depois de sentir meu corpo sendo arrastado sobre a terra úmida e de não conseguir ouvir nada mais que o som insuportável produzido misteriosamente, perdi a consciência. Não sei quanto tempo fiquei no espaço silencioso e neutro que vira nossa mente quando não estamos mais controlando-a, mas recebi flashes de árvores passando por mim, de mãos segurando firme meus braços e de ouvir o sussurro da voz de alguém.

Quando, finalmente, retornei a mim, eu não sabia onde estava. Minha cabeça doía, meu corpo latejava com leves arranhões e podia sentir algo pegajoso começando a secar nas minhas orelhas. Abri os olhos para o nada, porque era exatamente isso que estavam envolta de mim: nada. Não havia um chão de verdade e nem paredes, móveis pareciam nunca ter existido. Eu não sabia onde estava e não sabia quem havia feito aquilo, mas tinha o pressentimento de que algo ruim estava por vir.

Olhei ao redor buscando qualquer coisa que pudesse me ajudar. Eu sabia que estava presa naquela prisão esquisita que eu não saberia dizer como foi feita, mas era evidente que eu não sairia dali facilmente. Levei os dedos até minhas orelhas e constatei que o liquido, que fazia meu cabelo grudar nas minhas orelhas e pescoço, era sangue. O som insuportável do apito devia ter causado isso antes que eu apagasse de vez.

Vasculhei minha mente por feitiços que pudesse me ajudar a entender o que estava acontecendo ali ou pudesse me libertar, porém o lugar parecia ser protegido contra magia. Não consegui produzir nem uma centelha de fogo.

Não havia muito o que fazer. Eu estava sem magia. Sem saber onde estava. Sem ninguém. E principalmente, começando a suspeitar que dependia apenas da minha sorte para continuar viva. E isso, querido leitor, não era uma coisa boa. Minha sorte não funcionava como a das outras pessoas, ela era basicamente inexistente.

Resistir. Era essa a palavra que me vinha em mente quando pensava na situação em que estava. Resistir era a única coisa que eu podia fazer. Manter-me viva até que alguém me encontrasse. Damen estava comigo, ele me encontraria. Mas estaria Damen bem? Ele parecia estar sendo tão afetado quanto eu quando o som começou. Damen estaria em segurança no castelo ou havia sido arrastado junto comigo?

- Damen! – gritei para o vazio. – Damen!

No fundo, eu sabia que era inútil e que não haveria resposta nenhuma, mas gritar por Damen era melhor do que ficar sentada esperando pelo destino.

Uma pequena fagulha dentro do meu corpo esperava por ouvir meu nome ser repetido pela voz melodiosa do bruxo. Eu esperava que ele estivesse por perto, era mais fácil controlar meu medo se houvesse mais alguém comigo.

Enquanto caminhava pelo espaço vazio percebi que meus pés estavam descalços e que não havia nada cobrindo meu corpo. Eu estava mais do que presa ali, eu estava exposta por completo. Aquilo era ridículo! Qual a necessidade de me deixar sem roupas? Não havia uma explicação lógica para isso. Quem quer que fosse – e meu instinto indicava que eu sabia quem era a responsável – não tinha motivos para me deixar nua além a humilhação.

- Pelo amor de Deus! – murmurei indignada começando a tatear a procura de qualquer lugar que pudesse escapar.

Não sei quanto tempo fiquei ali, tateando por tudo naquele imenso nada a procura de qualquer coisa, porém, chegou um momento que minha mente conseguiu vencer minha determinação e me deixei levar até o chão, abraçando os joelhos. Eu estava ferrada. Não havia outra palavra para isso. Eu estava muito, muito ferrada. Se estivesse realmente presa por quem eu achava que havia me prendido, não seria tão fácil me encontrar. Havia muito mais que apenas o meu coração na jogada naquele momento. Havia algo muito mais precioso. Vingança.

Assim que a palavra vingança ecoou pela minha mente, a imagem lívida de Ambika surgiu a minha frente. Senti um arrepiou percorrer meu corpo e meu coração disparou. Ela estava vestida de preto, com o rosto mais pálido que o normal, sua boca formava uma linha reta e seus olhos estavam injetados de uma forma que eu nunca achei ser possível. Ela estava com ódio. Raiva não chegava perto de descrever o que eu via naqueles olhos violetas. Era ódio na forma mais pura que existe. Era um ódio selvagem. Um ódio de alguém que não tem mais nada a perder na vida.

Coração AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora