22 -Coração Azul

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Papai pegou um enorme livro de capa preta e o colocou nas minhas mãos. Senti o peso do livro e era como se cada palavra que estivesse ali dentro pesasse algo. "Profecias" estava escrito em dourado na capa.

- De tempos em tempos alguma profecia nova surge. Neste livro estão todas as profecias de Fantasiverden. É dever da Família Real manter esse livro sob proteção e garantir que algumas dessas profecias não se realizem. – explicou papai fazendo eu me sentar em um sofá duro e abrindo o livro em uma página. – Há uma profecia sobre o seu coração. Na verdade, sobre o Coração Azul. Você não é a única que nasceu com a magia do Coração Azul. Durante os séculos existiram dois Corações Azuis. Para nascer alguém com esse dom, é necessário que os outros Corações estejam mortos. E não é necessário fazer parte da Família Real para ter esse dom. Houve uma camponesa que foi morta por vampiros e uma duquesa que foi assassinada por Ambika.

Absorvi as palavras de papai enquanto meus dedos passavam sobre as palavras gravadas em sangue na página do livro. Meus olhos passaram por um trecho da Profecia que fez meu coração desejar parar de bater.

"Como ingrediente final, um coração puro e batendo, contendo o poder de conquista e admiração. Um Coração Azul com o poder de dominar magias e mundos, sem ele, todas as dimensões são livres."

Minhas mãos tremeram e fechei o livro com força. Estavam falando do meu coração. Fechei os olhos controlando o ataque de pânico que estava perto da superfície e respirei fundo.

- Ambika precisa do seu coração batendo para realizar a Profecia. – papai tirou o livro do meu colo e colocou sua mão sobre a minha. – Era por isso que não queríamos contar a você. É complicado estar no centro do alvo.

- O que vamos fazer? – perguntei baixinho, tentando controlar o tremor da minha voz.

- Ambika precisa chegar a você antes de qualquer coisa. E ela não vai chegar. – afirmou tia Bea agarrando minha mão. – Vamos proteger você.

- E quem vai proteger vocês?

- Sabemos nos cuidar. – respondeu Guilherme com um sorriso convencido. – Essa guerra não vai chegar aos portões do castelo.

- Como pode ter certeza disso? – perguntei levantando do sofá. – Eu não sei se consigo lidar com tudo isso.

- Você não precisa lidar com nada. Deixe isso conosco. – Guilherme agarrou meus ombros e abaixou a cabeça até que seus olhos ficarem no mesmo nível que os meus. – Eu sou seu Protetor, nada vai acontecer com você. Ambika precisa passar por cima de mim e da sua família antes de chegar ao seu coração.

- Isso é o que assusta. – murmurei encarando de verdade aqueles olhos escuros pela primeira vez depois daquela noite no quarto dele.

- Tudo vai ficar bem. – garantiu passando uma mão pelo meu rosto.

As mãos de Guilherme desceram pelos meus ombros até alcançaram minhas mãos e aquela descarga de energia que sempre acontecia quando ele me tocava percorreu meu corpo fazendo com que eu estremesse e perdesse o controle das minhas lágrimas. Eu podia estar brigada com papai por causa de Damen e com Guilherme por causa dele mesmo, podia não me dar bem com a minha prima e não conhecer todo mundo que estava naquela sala, mas eu não queria que nada acontecesse com eles por minha causa.

Eu não queria ser a causadora final do Apocalipse em Fantasiverden e nas outras dimensões.

Não era possível que todos simplesmente marchassem em direção a um Apocalipse porque eu havia nascido amaldiçoada com um coração que era a chave para a destruição. Não era justo que pessoas que não tinham nada a ver com a minha vida tivessem que sofrer simplesmente porque meu coração ainda estava batendo. Tinha que ter outro jeito.

- Se... – comecei a falar e respirei fundo. – Se meu coração vai continuar batendo dentro do meu peito, eu quero estar na linha de frente para que ele continue desse jeito.

- Você está falando de lutar se chegarmos a esse ponto? – perguntou papai saindo do sofá.

- Estou falando de fazer o necessário para que meu coração não chegue batendo nas mãos de Ambika. – afirmei sabendo que isso era muito mais do que apenas erguer uma espada para me defender. Eu estava dispostas a parar meu coração se isso fosse necessário.

- Você não precisa se envolver nisso. Sabemos o que fazer para que Ambika não chegue a você. – garantiu Tia Bea.

- É o meu coração que ela quer. Eu já estou envolvida.

- É perigoso.

- É perigoso para todos vocês também. Não vou deixar vocês morrerem sem tentar de tudo antes.

- Ninguém vai morrer. – falou papai respirando fundo. – Eu prometi para sua mãe que manteria você segura.

- Nunca vou estar segura de verdade até que meu coração pare de bater, não é? Eu não vou fazer ele parar de bater, mas vou lutar para que continue batendo dentro do meu peito.

- Ela está certa. Vitor. – interveio Tia Bea antes que papai pudesse falar algo. – O coração é dela, ninguém melhor que ela mesma para protegê-lo.

Papai encarou Tia Bea por alguns segundos como se uma conversa silenciosa se passasse entre eles e então virou na minha direção. Ele respirou fundo e ergueu os olhos para os céus.

- Que o Destino nos proteja, então. – murmurou derrotado.

Lentamente, a sala começou a ser esvaziada. Guardas e capitães começaram a sair em direção aos seus postos de trabalho. A Família Real foi saindo um por um, todos passando ao meu lado e tocando meu ombro antes de me deixar a sós com meu Protetor.

Encarei as mãos de Guilherme firmes na minha e senti meu pulso acelerar. Minha mente não estava conseguindo absorver toda a informação sobre guerras, morte, luta e meu coração ser o alvo e o causador de tudo isso.

- Ei! – chamou Guilherme pressionando os dedos contra os meus. – Olhe para mim.

Ergui os olhos sabendo que não queria realmente olhar dentro dos olhos dele. Havia turbulências demais naquele mar negro que eram suas íris e eu não estava apta a lidar com tudo aquilo no momento. Porém, mesmo sem querer, meus olhos viajaram das nossas mãos em direção aos seus olhos e ficaram presos em toda aquela tempestade que eu não sabia como lidar.

- Nada, nem ninguém, vai chegar até você. – falou com firmeza. – Eu posso não ser a pessoa que você mais gosta nesse momento, mas pode ter certeza, de que nada vai me impedir de manter você segura.

- Você é meu Protetor, eu já entendi isso. Sei que pularia na frente de uma bala para manter meu coração batendo. – falei desejando criar a distância que estava familiarizada entre nós.

- Não estou falando como seu Protetor, Alicia. Eu pularia na frente de uma bala por você mesmo que eu não fosse seu Protetor. – ele apertou minhas mãos e seus olhos prenderam os meus mais fundo ainda na turbulência. – E não digo isso porque você é minha princesa também.

Deixei as palavras dele atravessarem meu corpo e senti um estremecimento ao redor do coração. O que isso significava? Por alguns segundos, acreditei que havia imaginado aquelas palavras, que nada havia saído dos lábios de Guilherme, mas quando os lábios dele tocaram minha testa, eu soube que cada palavra daquilo tinha um significado enorme. Eu só não sabia o que era.

- Você me ensina lutar? – perguntei quando ele se afastou.

- Achei que você estava aprendendo com o bruxo. – comentou com um sorriso irônico.

- E estou. – concordei cruzando os braços. Estávamos de volta ao nosso estado normal. – Mas seria bom aulas extras.

- Tudo bem. Se você quer dificultar meu trabalho se colocando em risco, é melhor que você ao menos saiba o que está fazendo.

Coração AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora