26ª Parte

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Aquele homem era mais estranho do que o ruivo contador de história. Estava numa roupa social, de terno e gravata. Não fazia a barba pelo menos um ano de tão grande que estava. Era esquisito o seu jeito de se sentar ao meu lado na cama e tomar as minhas mãos como se eu fosse a melhor coisa em sua vida.

Não foi tão diferente do outro. Ele também chorou!

- Oh... minha querida Madalena... senti uma terrível angustia quando soube...

Nossa quanta gente maluca e desinformada que existi nesse mundo!

- Acho que o senhor... o senhor entrou no quarto errado...

Ele levantou minhas mãos e beijou-as.

- Não, não entrei não... sou eu, Carol... O Mendonça.

Tirei minhas mãos e discretamente limpei-as no lençol por estar cheia de baba.

- Desculpe... mas o senhor é meu avó?

O sorriso do velho era amarelo e então rindo me respondeu:

- Sou mais do que seu avô, minha anjinha. E quando você se recuperar dessa, vou te tirar dessa sua aventura e seremos sempre felizes, pois não posso viver sem você...

Agora sim eu estava perdida! Aquele velho não era maluco igual ao moço ruivo, era pior, era um velho tarado! Tratei logo em fingir estar com bastante sono e bochechei e aos poucos fui fechando os olhos e dormi falsamente. Ainda pude ouvi-lo:

- Durma mesmo, princesinha, e sonhe comigo... até breve quando eu voltar.

Assim que ele saiu do quarto apertei a campainha acima da cabeceira do leito, e a enfermeira apressada entrou.

- O que aconteceu?

- Nem queira saber, chame imediatamente o doutor! Quero ir agora mesmo pra clínica!

Não consegui convencê-lo a me deixar ir pra clínica naquele mesmo dia e tive que esperar pelos dois longos dias que ainda me restavam pela frente. Tomei banho e jantei.

O meu médico pediu que pusesse uma televisão no meu quarto, assim eu teria o que me distrair durante os restantes dos dias seguintes.

De manhã acordei preocupada. Não era por muito imaginar que teria outras visitas, mas, ao verificar que realmente havia feito xixi na cama. Quando a enfermeira descobriu, caiu na risada e fez um comentário que aquilo significaria que eu estava perto de me apaixonar por alguém, e que logo entraria na fase da menstruação e que teria uma crise de raiva e nasceriam pintas pretas nas minhas nádegas. Não acreditei e nem por isso deixei de rir também. Aquela enfermeira estava se tornando minha primeira amiga depois de perder a memória. Tomei banho novamente com ajuda da Matilde, a enfermeira alegre e risonha. Tomei meu café da manhã e assisti desenho, olhando sempre no relógio na parede na espera da nova visita. Não que eu estava querendo receber, mas como não podia evitar queria que terminasse o mais cedo possível.

Almocei e de sobremesa comi uns bombons recheados que a enfermeira Matilde trouxera assoviando dentro de uma cesta enfeitada por lindas flores. Havia um cartãozinho escrito o meu nome e depois Eu te amo. Virei o cartãozinho à procura do remetente e não encontrei.

- Quem me mandou?

- Me desculpe, mas ele pediu segredo. E prometi que não falaria – respondeu ela meio misteriosa, sorrindo como se podia imaginar.

- Quero saber! Por favor... – comecei a implorar. Ela recolheu o meu prato e roubou um bombom da minha cesta e caminhou até a porta. Parou e sorriu.

- Me desculpe querida, mas não posso dizer por que o ruivo me pediu pra não te contar... então não insista, não vou lhe dizer.

Passei a metade da tarde relendo aquelas três palavras no cartãozinho e me descobri atraída por aquele sujeito estranho e encantador. Para mim era um estranho, mas pra ele eu era a pessoa mais conhecida. Fiquei relembrando do toque de sua mão no meu rosto, e dos aviõezinhos de mingau... torci que ele retornasse novamente e eu perguntaria mais sobre o meu passado, sobre eu e ele...

Quando a porta do quarto se abriu, eu olhei pra trás com esperança de que fosse ele, mas não era ele, e sim ela. Uma estranha mulher, bem vestida, usando um lindo vestido azul-elétrico e com um colar de perolas brilhosas envolta do pescoço se aproximou ao lado da cama e ficou em pé por alguns segundos. Ela me olhava carinhosamente, como se eu fosse sua melhor amiga, como se fosse à única que a pudesse compreender nesse mundo. Sabia que vinham lágrimas depois, mas não houve quando resolveu se sentar na cadeira ao meu lado.

- Bem, talvez não seja uma boa ideia de te desejar uma boa tarde, não é mesmo, Carrol? – perguntou ela, numa voz sensual e com um sotaque francês. A mulher tinha cabelos louros encaracolados e pude perceber que ela usava tinta para esconder os fios de cabelos brancos, mas fora isso era uma bela senhora destinada a enfrentar o procedimento da velhice a qualquer preço.

- Como você se chama? – perguntei.

- Depende, não é mesmo? – retrucou ela num olhar penetrante, cheio de ocultismo. Arrepiei-me todinha, mas fingi não ter sido afetada pelo susto repentino que tive e desviei meu olhar pra televisão onde passava um filme na sessão da tarde. Notei que ela deslizava suas unhas vermelhas sobre o fino lençol da cama e recuei minha perna incomodada. Ela percebeu minha reação e abaixou a cabeça rindo e depois olhou pro filme também. Ficamos olhando um bom tempo uma cena de romance entre um homem e uma mulher. Quando desgrudei da atenção do filme percebi que por poucos minutos havia me esquecido completamente que havia aquela mulher ali, sentada na cadeira ao meu lado. Nossa ela também estava em prantos! Agora só faltava Matilde e o doutor Moura chorar e só assim poderíamos fundar um clube dos chorosos.

- Esse filme me trás maravilhosas recordações...

Ela enxugava as lágrimas que desfazia sua maquiagem no lençol da minha cama. Tive sorte de que o velho tarado do Mendonça não ter tido a mesma ideia de usar o meu lençol como lencinho de nariz.

- ... como foi tão mágico aquele dia, não é mesmo?

Aquela repentina sensação de medo me invadiu até a alma e nem pensei direito no que estava fazendo, só lembro de ter me levantada rapidamente da cama e arrastar aquele ferro suspendendo os litros de soro presos aos meus braços em direção ao banheiro.

- C-com licença... p-preciso usar a privada, q-quero dizer o banheiro! – e fechei a porta, passando o trinco nela. Fiquei sentada no vaso sem vontade de usá-lo, com muito medo de retornar ao quarto e encarar aquela estranha "mulher". Esperei meia hora e espiei pelo buraco da fechadura. Droga! Ela ainda estava ali, assistindo o filme. Escutei a voz da enfermeira Matilde perguntando onde eu estava pra aquela mulher, e ela respondeu em voz alta:

- Está no banheiro. Já faz mais de meia-hora. Deve estar com diarreia.

Diarreia é a merda isso sim! Ouvi batidas na porta e a voz de Matilde em bom som:

- Carolzinha querida? Tá com muita dor de barriga, é? – nossa que mico estava passando ali, escondida dentro do banheiro.

- N-não... já está passando...

- Quer que eu chame o doutor Félix Moura?

- De jeito nenhum! – gritei descontroladamente. – Quero dizer, não precisa, já está passando...!

- Tem papel higiênico o suficiente aí? – gritou ela de trás da porta.

Tem o suficiente pra tampar sua boca! – já ia gritar quando resisti e respondi um sim senhora! Bem rispidamente.

Só saí do banheiro quando o filme terminou e a mulher esquisitona pôde deixar o meu quarto. Enfim usara quase um rolo de papel inteiro, não limpando a bunda, mas o suor da cara de pura vergonha e nervosismo que passei.



Carol fenomenal - COMPLETO NA AMAZONOnde histórias criam vida. Descubra agora