11ª Parte

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Fiquei mais uma semana no hospital em observação e nada mais de ruim me aconteceu. Bem, só não conseguia me apegar ao sono novamente. Não era pelo tempo que eu dormira que vinha a afetar meu sono, era pelo medo de sonhar. Sonhar com eles longe de mim, acenando adeus enquanto o anjo os carregava para Deus. Tive que ficar sobre o comando dos calmantes e quando retornei para casa, me vi apegado com a solidão, e com perguntas que vinha a minha mente:

"Como foi que realmente aconteceu?". – Eu não sabia o que acontecera. Quando ainda estava internada recebi visitas da psiquiatra do hospital e me perguntava se tinha bebido veneno que pudesse ter matado meus filhos. Respondi diversas vezes que não me lembrava de ter tentado um aborto. Não conseguia me lembrar muito dessa parte, mas uma coisa era certa, eu não havia tentando interromper o procedimento da minha gravidez. Não era assassina! Talvez fosse por isso que os comportamentos de meus pais mudaram tanto depois desse triste episódio comigo. Eles evitavam me olhar nos olhos e não chamavam a minha atenção quando fazia algo que eles não gostavam. Era como se eu fosse um fantasma vagando pela casa, escondendo no canto escuro do quarto, evitando conversar com parentes e amigos. No meu quarto encontrei meu caderno de perguntas e respostas, aquela brincadeira de escrever aquilo que quer saber dos gostos dos outros. Folheei algumas páginas do caderno. Levei a mão ao coração quando li Gustavo Ferreira. Como estaria ele agora? Talvez me visitasse quando estava inconsciente, ou talvez chegasse a dizer que era o pai dos gêmeos e que os dariam os nomes de Augusto e Tiago. Li algumas perguntas que escrevi para ele responder:

Diretor de cinema que mais admira?

R: Neil Burger.

Número da sorte?

R: Não sou de acreditar na sorte, mas na capacidade, porque é ela que faz a gente vencer.

Qual é o seu esporte preferido?

R: Além de transar (Risos), Jogar futebol!

Que animal mais gosta?

R: Cavalo.

Qual a profissão dos seus pais?

R: Meu pai é advogado, e minha mãe é farmacêutica.

Quando li "farmacêutica" senti meu rosto arder novamente e recordei daquilo que havia me esquecido. Da surra que levei de Gustavo, do seu arrependimento, da sua ajuda com o vidrinho de comprimidos!

Sim, foi isso que me fez passar mal naquela madrugada, onde senti a dor da morte me rondar e fui parar no hospital. Aquele comprimido era para parar a dor dos ferimentos que Gustavo havia me causado e não para me levar à porta da morte e levar nossos filhos para o cemitério. Eu fiquei chocada com aquilo, será que Gustavo pegara algum remédio errado e me dera pensando que seria para tirar a dor? Tinha que descobrir antes o que era aquele comprimido - tinha que encontrá-lo e pesquisá-lo. Onde estaria ele agora? Procurei-o por debaixo da minha cama e dentro do meu armário. Não estava no meu quarto, fui para o quarto dos meus pais e procurei sem fazer barulho pelo vidrinho e encontrei-o dentro da gaveta do guarda-roupa, enrolado num lencinho vermelho. Saí com o coração batendo forte, iria sair pela primeira vez depois do retorno do hospital. Passei pelo corredor frio e virei à direita, entrei na cozinha silenciosa como uma sombra. Meu pai nunca foi de ler o jornal enquanto minha mãe mal disfarçada cortava batata na pia. Ouvi a voz de meu pai por detrás do jornal aberto:

- Para onde vai, Carol?

- Dar uma volta. Tomar um ar fresco. – respondi olhando pela porta aberta da cozinha, onde a rua me esperava, e a farmácia também.

- Não quer que eu ou seu pai a acompanhe, Carol? – agora era a voz da minha mãe, fazendo barulho com a faca cortando as batatas em fatias. Nem sequer ousou a olhar para mim, era como se eu fosse algo de queimar os olhos de quem me olhassem.

- Não precisa. Prometo que não vou matar ninguém pela rua. – disse saindo, escutando as minhas costas a fungada do choro controlado a tempo pela minha covarde mãezinha injusta.

Por onde eu quisesse andar era vigiada por olhares e dedos indicando a mim. Às vezes parava e olhava para as vizinhas curiosas e as desafiavam, perguntando o que elas queriam saber de mim. Estressava facilmente e chegava dizer que vi a cara de Satã aborrecido porque falei que o inferno era um bom lugar, porque fedia menos do que as suas casas! Algumas eram senhoras evangélicas que exclamavam frases como: "Está amarrada e queimada!" -, e eu desafiava debochando:

"Eu ainda não, mas você? Olha que seu marido está te traindo. Está amarradinho em outra". -, confesso que aquelas senhoras nunca mais me olharam tortas. Enfim cheguei a uma farmácia onde uma amiga da minha prima trabalhava como balconista, e ela era super gente fina. Marcela era seu nome, era gorda e não conseguia viver sem balas de chocolates no bolso.

- Sua prima me contou o que te aconteceu... sinto muito pelos bebês.

- Obrigada. – e tirei do bolso o vidrinho de comprimidos e mostrei a ela. – Não poderia ajudar a descobrir que tipo de medicamento é esse?

Marcela olhou, e olhou e pegou o vidrinho e foi para a salinha ao fundo perguntar ao farmacêutico. Ela havia chegado cerca de três minutos depois com o vidrinho em mãos e com a resposta também:

- Olha Carol, não sei de onde tirou isso... mas isso é muito perigoso.

- É contra alguma indicação? – perguntei sentindo suar as mãos.

Marcela me olhou desconfiada e respondeu:

- É contra pós-menstruação e gravidez. Um comprimido desse para quem estiver com essas indicações pode causar a morte de quem o tomar e dos fetos também, podendo até não matar, mas com muitas possibilidades da criança nascer com problemas mentais. – ela avaliou-me bem e arriscou: - Foi isso, não foi? Você tomou desses comprimidos e não sabia o que era não é? Onde foi que você encontrou isso?

Eu não queria ficar ali explicando como aconteceu. Estava bastante nervosa e confusa. Rapidamente peguei o vidrinho de volta com um conselho de Marcela:

- Se livra disso, Carol, se alguém te pegar com isso, terá mais encrenca que pode imaginar...




Carol fenomenal - COMPLETO NA AMAZONOnde histórias criam vida. Descubra agora