25ª Parte

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Não sabia o que estava acontecendo direito comigo por que depois disso comecei comprimir fortemente as mãos nos meus ouvidos para abafar as vozes da minha mente, e comecei a girar. Quando era menina, costumava rodar tampando os ouvidos quando mamãe brigava comigo de longe. Era um escape que eu utilizava. Naquele momento eu fazia igual, mas era em vão. Podia jurar que via as velhas vizinhas girando em volta de mim apontando o dedo e me acusando: "Puta aidética! Assassina dos filhos! Meretriz de Satã!" – e foi aí que cai e senti a cabeça bater no asfalto. Foi uma forte dor e apenas emiti um gemido distante e senti o sangue esvair pelos fios dos meus cabelos. Abri meus olhos e o que pude ver era bastantes pernas fazendo circulo sobre mim no chão. Ninguém me ajudava a se levantar e então comecei a rir baixinho mencionando onde estaria o respeito daqueles homens e as caridades daquelas mulheres de "Deus" que não me socorriam. Fechei os olhos e vislumbrei a imagem do Pastor Mendonça pregando a palavra do bom samaritano que socorrera o judeu ferido. Será que ele me socorreria se me encontrasse desmaiada com a roupa em que estava sob olhares de várias pessoas? Escutei uma voz advertindo uma mulher:

- Não toque querida, pode estar drogada...

Depois uma voz ao longe pedindo passagem e abri os olhos e levei-os a altura onde pude ver as pessoas abrindo caminho a um homem, foi aí que senti vergonha e me encolhi no asfalto, tentando tampar com as mãos as minhas partes íntimas que já estavam cobertas.

- Não papai, vá embora, por favor! Estou nua, nua, não veja, por favor! – e comecei agitar os braços para afastar suas mãos que me tentavam por em seu colo.

Eu não tinha coragem de olhá-lo nos olhos e sentia sendo carregada nos seus braços.

- Não me toque papai... estou nua, não me olhe, pelo amor de Deus...! – senti uma voz preocupante, mas ao mesmo tempo protetora que me falava:

- Não se preocupe, você não está nua e tudo vai acabar bem, eu prometo.

Não escutei mais nada depois disso.

Não estava conhecendo o lugar onde estava, nem a cama onde estava deitada, e nem porque estava com soro preso nos braços. Uma mulher de uniforme branco entrou no quarto e abriu a janela; nem reparara se eu estava acordada ou dormindo e da janela aberta eu podia ver a claridade do céu. A enfermeira se virou e me notou, sorriu pra mim e se aproximou ao meu leito. Curvou e abriu meus olhos ainda mais, e pôs a palma de sua mão sob minha testa.

- Espere um minutinho, o doutor quer ver você. – eu não entendia o porquê queria me ver, aliás, eu não entendia nem quem era eu naquele momento. Depois de algum tempo um homem baixo e fora do físico entrou acompanhado por a mesma mulher que me examinara.

- Bom dia senhorita! – eu olhei pra ele preocupada e apenas assenti um sim com um movimento de cabeça que latejou de dor quando forcei o movimento.

O doutor sorriu pra mim e disse:

- Vai levar alguns dias para parar de sentir a dor, pois o ferimento foi fundo e nada menos que doze pontos... – do que ele estava falando meu Deus do céu?... – e graças a Deus você não precisou de transfusão de sangue, por que seria sério se precisasse. Seu sangue é do tipo igual pérolas negras em conchas; difícil de se achar.

O que significava aquilo de pérolas e sangue?

Eu havia perdido a memória. Não tinha ideia de quem eu era e também não sabia que caminhos o destino iria me conduzir de volta à realidade.

- Você está com fome? Quer comer alguma coisa? – perguntou ele pra mim e então concordei respondendo em voz mesmo, com medo de que ele continuasse com histórias de pérolas e sangues novamente, e também porque doía quando balançava a cabeça. A enfermeira saiu e trouxe uma bandeja com uma tigela. O doutor punha a tigela numa mesinha que ficava por cima de mim e com sua ajuda eu sentei na cama. Deu a colher pra mim e pediu:

- Você não se importa que eu deixe um colega seu acompanhar o seu desjejum?

Foi ele que te socorreu e passou a madrugada todinha aqui no hospital por sua causa.

Sussurrei um "não" e ele saiu com a enfermeira e entrou um homem com um ar de cansaço e de alivio misturados nos seus olhos azuis vivos que se desmancharam em lágrimas quando me viu. Ele se aproximou e puxou uma cadeira e sentou. Fiquei encarando aquele rosto até perguntar em voz bastante fraca:

- Por que está chorando?

- De alegria em te ver, Carol – e aquele sujeito estranho passou a mão delicadamente em meu rosto.

- Me chamo Carol?

- Sim, Carol... você não se lembra do que te aconteceu ontem a noite?

- O que aconteceu ontem à noite? Por que estou aqui? E quem é você?

Ele se levantou e pegou a tigela numa mão e a outra arrancou a colher de minha mão; mergulhou a colher no mingau e tirou um amarelo cremoso de cheiro de baunilha.

Assoprou e levou a colher cheia a minha boca, abri e comi.

- Posso lhe contar uma história enquanto você come?

Agora sim havia percebido onde estava, ou melhor, com quem estava naquele momento. Ele era pirado da cabeça, queria contar uma história pra mim?! Por um segundo pensei em chamar o doutor e desfazer o engano, pois, se alguém precisasse estar naquele leito tomando soro e sendo examinado era ele e não eu. Mas respondi que sim.

- Havia no mundo dos sonhos uma realidade inaceitável, onde colocaria o sonho em divisão entre a realidade, mas o sonho tinha tudo que sonhara e não aceitava a realidade querer acabar com seus sonhos. O sonho tentou impedir que a realidade mostrasse que além do sonho havia felicidades mais significativas e que o sonho ia terminar num pesadelo. O sonho e a realidade eram opostos e queriam vencer do seu modo um ao outro. O sonho terminara mesmo um dia e se tornara um pesadelo e a realidade desaparecera...

O que aquele maluco dissera não batia coisa com coisa. Enquanto eu comia, tentava manter os olhos fixo na janela aberta. Sua voz cortara os meus pensamentos:

... e você acredita que esse sonho se tornou em realidade?

Será que era para eu responder? O que diria afinal? Tinha que arriscar e arrisquei:

- Sim, acho.

À tarde fui levada ao banheiro e a enfermeira me ajudara a tomar banho, ainda estava ligada aos soros nos meus braços. Enquanto me ajudava a vestir a roupa do hospital, perguntei preocupada:

- Aquele sujeito ruivo vai vim me visitar hoje novamente?

Ela penteava meus cabelos com uma escova.

- Não. Ele já fora pra casa descansar... mas terá, acho, mais uma visita daqui a pouco.

Fiquei um pouco aliviada, mesmo tendo um pequeno desapontamento ao saber que mais alguém viria me ver.

- Quanto tempo tenho que ficar aqui ainda?

Ela segurava o espelho a minha frente e olhava ela através dele.

- Acho que uns três dias e depois será encaminhada a uma clínica grande, onde poderá sair para passear e conversar com outras pessoas... – eu a interrompi.

- Porque tenho que conversar com pessoas que nem conheço?

- É por esse motivo mesmo que você tem que conversar, porque você precisa se adaptar novamente ao mundo em que você pertencia e essas pessoas que vem te visitar são seus amigos. Quer passar um batom pra ficar mais bonita?




Carol fenomenal - COMPLETO NA AMAZONOnde histórias criam vida. Descubra agora