17ª Parte

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Passado: 


O primeiro nome que registrei na minha agenda foi o de Gustavo. Ele não foi meu cliente, mas talvez o responsável por eu estar aqui hoje. A culpa é mais minha do que dele, então não tenho mais raiva dele. Estava eufórica deitada na minha cama com as pernas no ar entre cruzada uma com a outra e com a ponta da caneta suspendida nos lábios vermelhos de batom. A agenda aberta na primeira página. Estava pensando no que escreveria a seguir e depois resolvi preencher aquela página com uma prece. Inventei durante o aniversário que meus pais encabulados prepararam para mim naquele fim de tarde. Havia um bolo pequeno em forma de coração e duas velinhas numéricas acesas. Meus pais não esqueceram das bexigas também em formatos de corações que flutuava por terem sidas enchidas com ar quente. Mamãe ligou o som na cozinha, coisa que nunca fez antes e tão pouco me permitia ligá-lo na sala e escutar Cyndi Lauper e Madona. Foi à coisa mais estranha que eu já tinha presenciado. Meus pais ao lado da geladeira cantando "feliz aniversário" e eu ali parada atrás da mesa enfeitada, segurando uma bexiga presa a um barbante, os ouvindo entoarem a canção célebre na maior depressão que podia existir:

Parabéns pra você... nesta data querida...

Parabéns pra mim, que cheguei ser hoje a filha perdida,

Muitas felicidades... e muitos anos de vida...

Gozo de prazer sendo a prostituta mais preferida...

É pique, é pique, é pique – é pique – é pique...

É sexo! É sexo! É sexo todo dia...

É hora, é hora, é hora – é hora – é hora...

É hora de eu dormir agora

Rá... tim... bum...

Boa de prazer.

Carol


Fiquei excitada e maravilhada com os versos trocados da canção. Apaguei logo aquelas velinhas acesas e cortei o primeiro pedaço de bolo e saí às pressas da cozinha com o bolo na boca, subi correndo as escadas imaginando como teria ficado as caras dos meus pais sozinhos na cozinha ao som de Madona. O bolo estava delicioso, mas sabia que tinha sido comprado na padaria do Sr. Pedro, o confeiteiro especial de mamãe. Tentei me acalmar para lembrar dos versos que surgiram poucos minutos atrás enquanto ouvia a canção dos parabéns mais tristes da minha vida. Rapidamente arranquei uma folha do meu caderno de perguntas e respostas e rascunhei. Havia terminado o esboço da minha prece que faria sempre quando fosse dormir depois de fazer sexo com um cliente. Seria minha oração da sorte.

Peguei a caneta e comecei escrever delicadamente para não errar na caligrafia. Odeio passar corretivo. E não queria minha agenda com corretivo! Ficou assim meu recitativo que faria toda às vezes quando fosse dormir depois de uma noite de sexo:

Parabéns pra mim, que cheguei ser hoje a filha perdida.

Gozo de prazer sendo a prostituta mais preferida...

É sexo! É sexo! É sexo todo dia...

É hora de eu dormir agora.

Boa de prazer,

Carol.

Guardei a minha agenda com carinho, como se fosse um diário onde estavam registrados os meus melhores momentos com os meus clientes. Debaixo do travesseiro eu o guardei e percebendo o cansaço permanente não demorei a pegar no sono.

Acho que tive um sonho bem interessante hoje à noite. Mas só lembro de poucos detalhes, e sei que estava num grande salão de luzes sobre candelabros ao teto. Havia no meu sonho um piano e eu estava num lindo vestido de cor creme-amarelo. Estava descalça naquele piso reluzente. Logo as luzes desapareceram e escutei ao meio da escuridão o piano tocar uma suave melodia. Eu corria a cegas para chegar ao piano e encontrar quem o estava tocando. Gritava desesperada agitando meus braços para encontrá-lo. A escuridão estava me assustando. Corria e corria em várias direções, mas, não conseguia barrar no instrumento musical e só me colidia com as paredes. Acordei. Bem, digo que foi interessante porque fazia tempo que só sonhava com coisas do passado, como com Gustavo e com meus filhos mal formados. Agora aquele sonho era bastante curioso, eu nunca tive medo da escuridão antes. Eu fiquei a manhã toda perambulando com o meu sonho, pois sentia que existiam muitos detalhes curiosos que estivera ali comigo, no salão escuro que naquele momento não percebi. O que era que estava acontecendo comigo, afinal? Era possível você sonhar com algo que não percebera no sonho e depois de acordada descobrisse o que era? Eu não podia estar fugindo daquela forma na escuridão, e tão aflita para encontrar o pianista. Eu não estava correndo por causa da escuridão, isso tinha certeza, só não tinha certeza do que estava correndo...

Naquela mesma manhã vi os dois presentes no sofá. Eu havia deixado o começo da minha festa ontem que nem pude perceber que meus pais tinham comprados presentes para mim. Ainda estavam se comportando feitos idiotas, porque eles não podiam simplesmente ter entregados os presentes pessoalmente? Será que estava com vergonha de mim ou de terem agido tão desinteressados depois que eu perdi os gêmeos? Covardes! – rosnei abrindo o pacote azul. Abri. Era a coisa mais linda que havia ganhado em toda minha vida. Não, não podia ter sido meu pai e nem minha mãe que o tivesse comprado. Isso era bem caro. Era um computador portátil, mas conhecido como um notebook, do último tipo. Havia um bilhete no fundo da caixa, abri:

Para você.

Só isso? Estranho... virei o cartãozinho, não tinha mais nada escrito exceto por "Para você". Enigma... peguei o presente vermelho nas mãos. Este estava tão leve que, jurei que não teria nada dentro. Estava enganada, havia um outro cartãozinho. Li:

Me desculpe, eu não podia ter feito aquilo com você jamais. Estava tão cego que só me interessava o prazer e não vi á tempo o erro que cometi.

Peço desculpas e não voltarei a te ver jamais.

Tudo começou comigo, e agora o fim disso cabe a você decidir...






Carol fenomenal - COMPLETO NA AMAZONOnde histórias criam vida. Descubra agora