Capítulo 4

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Bruno's POV

Fui recepcionado por Manoella na Casa de Rayana.
Mal entrei no salão, e ela já se aproximava de mim, mais do que eu desejava.
- Ora, você por aqui de novo. Parece meio tenso.
- Impressão sua. - Falei educadamente.
- Impressão ou não, eu adoraria ajudá-lo hoje.
- Hoje não, Manoella. Vou deixá-la descansando de ontem à noite.
- Não se preocupe, já estou mais do que descansada. - Sorriu.
Não prestei atenção ao que ela falava.
- Você viu Anne?
- Você é mesmo obcecado pela Ninha, hein? Queria ontem, quer hoje...
- Ninha?
- Desculpe, é como a chamamos fora do trabalho. Anne está indisposta hoje. Não vai descer pro salão.
- E por que não? O que há com ela?
- Ela só não está bem. Deve ser dor de cabeça.
Merda. Aquela era a segunda vez que eu ia àquele lugar com um interesse, e a segunda vez que não conseguia alcançá-lo. Fiquei frustrado, pensava que aquela noite seria relaxante e prazerosa. Eu precisava relaxar, o dia havia sido duro.
É claro que eu poderia escolher qualquer uma das meninas livres naquele salão. Mas eu simplesmente não queria. Queria Anne, mas sempre havia algo impossibilitando o nosso encontro.
- Ok, Manoella. - Comecei, esfregando a testa com os dedos. - Obrigado pela informação.
- Não quer ficar com outra pessoa?
- Não. - Eu já estava saindo.
- Não quer beber nada? - Ela gritou, já distante.
- Hoje não. - Disse, entrando no Volvo e dando a partida.
Deixei-a onde estava, olhando uma última vez pelo retrovisor para ver Manoella parada à porta da Casa enquanto um pedestre despreocupado entrava na rua.
Virei a esquina, desejando minha cama mais do que tudo no mundo.
- Duda?
- Ah, graças a Deus! Estava preocupada! Onde está?
- Em casa. Duda, minhas reuniões..
- Isso! Tem cinco cavalheiros já esperando na sua sala há uma hora!
- Você vai fazer essas reuniões.
- O quê?
- Você me ouviu. Vai fazer as reuniões no meu lugar. Não estou com disposição pra ir até aí.
Ela ficou em silêncio por algum tempo.
- Senhor Coolin, eu sou apenas...
- Uma secretária, eu sei. Mas, no momento, eu estou te dando o poder de decidir tudo por mim. Nós dois sabemos que você toma conta dessa empresa muito melhor do que eu. Consequentemente, sabe melhor do que eu o que é bom ou ruim pra ela.
- Mas...
- Estou contando com você, Duda. Eu sei que vai se sair bem.
Ela hesitou.
- Tudo bem. Eu vou fazer o meu melhor.
- Obrigado.
E desligou.
Eram 10h da manhã, e eu ainda estava na cama.
Merda. Estava entrando em depressão de novo. Minha falta de ânimo tinha melhorado nos últimos dias, mas parecia voltar com força total.
Eu ficaria naquela cama o dia inteiro. Talvez ligasse a TV, quando cansasse de olhar para o teto. Talvez dormisse de novo. Não importava. Só sabia que não queria me levantar.
Mas a fome chegou com mais rapidez do que eu pensava. Cozinhei alguma coisa com queijo e presunto e fui comer na cama, assistindo ao noticiário. O dia havia sido incrivelmente monótono. Vazio. Duas, três, cinco horas se passavam sem que eu fizesse absolutamente nada.
Resolvi checar meus e-mails para ler alguns contratos e adiantar um pouco do trabalho que me esperava no dia seguinte. Um dos e-mails era de Duda, dizendo que as reuniões haviam corrido bem, e que grande parte dos problemas estavam se resolvendo.
- Santa Duda. - Murmurei.
Li nove ou dez contratos sem muito interesse, com a esperança de que a noite chegasse. Mesmo sem interesse, perdi a noção do tempo e a noite chegou. Quando dei por mim, já eram 23:30h.
E, como uma criança prestes a viajar para o Pólo Norte no Natal, eu me vesti para ir à Casa de Rayana.
Cheguei ao recinto, o ambiente um pouco mais lotado do que o normal.
Claro, essa era a hora que mais clientes iam se divertir.
Caminhei pelo salão, procurando por Anne. Ao invés disso, encontrei Rayana, próxima ao bar.
- Olá. - Acenei.
- Bruno, querido! Onde esteve ontem? Por que não veio?
Eu tinha vindo, mas a única pessoa a me ver foi Manoella. Como não queria dar muitas explicações, menti.
- Estava muito ocupado ontem.
- Fico feliz que não esteja hoje. Já escolheu sua acompanhante?
- Anne. Onde ela está?
- Ah, Anne já está com um cliente...
- MAS QUE MERDA!
Rayana me olhou com curiosidade. Tentei me recompor, passando a mão nos cabelos.
- Também vai ficar a noite inteira com esse?
- Não, ela já deve estar descendo. Mais uns cinco ou dez minutos.
- Vou esperá-la então. E, Rayana, se ela tiver algum esquema de agendamento, me coloque como o próximo da fila pra ela. - Pelo amor de Deus, que dificuldade era ficar com aquela garota!
- Ela é tão boa assim? - Rayana perguntou, surpresa.
Não respondi. Pedi uma dose de whisky e bebi, sem prestar atenção em mais ninguém.
- Ah, ali está. O cliente dela já saiu do quarto.
Vi um homem de meia idade, grande. Metade forte, metade gordo, e um pouco suado. Tive realmente pena de Anne O homem veio em nossa direção. Alcançando-nos, dirigiu-se à Rayana e falou com uma voz animada:
- Minha cara, que maravilha você tem ali. A boquinha dessa é um paraíso. - E, olhando para mim, sorriu, já indo embora.
Senti uma raiva quente borbulhando dentro de mim como leite fervendo. Raiva daquele homem, raiva do seu sorrisinho amarelo, raiva por saber que Anne teve que aturá-lo.
- Mais um whisky. - Ordenei à menina do bar.
- Chay, daqui a pouco Anne vai descer. Vou tomar conta dos outros clientes. Não vai sentir a minha falta, não é?
- Não, Rayana. Fique à vontade. - Falei, dando um gole na dose de bebida que acabava de ser posta à minha frente enquanto via Rayana se afastar, me deixando sozinho no meio do salão.
Analisei silenciosamente os homens daquele ambiente. Anne havia me dito que atendia dez clientes por noite.
Dez clientes do tipo do homem que tinha acabado de sair? Ou dez clientes do meu tipo?
E por que eu achava que ele e eu éramos diferentes em algo? Nós dois pagávamos por sexo. Nós dois éramos patéticos e infelizes. Comíamos garotas de programa porque era fácil, porque o dinheiro ajudava. Porque fugíamos da vida medíocre que levávamos, sem amor, sem ninguém...
Senti uma mão fraca me tocar no ombro direito e, virando-me, encontrei Anne.
A primeira coisa que notei foi duas marcas em cada canto da sua boca.
Dois hematomas vermelhos, que chegavam até suas bochechas. Depois reparei nas olheiras. Reparei também que ela tinha um corte em uma das maçãs do rosto. Embora o corte não fosse profundo, contrastava visivelmente com o tom da sua pele.
Seus cabelos, agora molhados do provável banho que havia tomado, estavam soltos, mas mesmo assim consegui ver muitas marcas em seu pescoço, em maior número e mais escuras que da última vez que a havia visto.
Ela vestia uma blusa verde de manga até os pulsos, uma calça jeans e um sapato qualquer. Ainda assim, algumas marcas eram visíveis também nas costas de suas mãos, o que me fazia acreditar que havia muito mais por debaixo daquelas roupas.
Mas que merda é essa?
Pela primeira vez, Anne falou antes de mim:
- Eu estou livre... - Ela deu um passo a frente, olhando em meus olhos.
Senti o conhecido cheiro de amêndoas misturado com shampoo e pasta de dente.
Continuava fitando seu pescoço, meus olhos iam dali para os cantos de sua boca.
O que diabos havia acontecido com ela?
E então me dei conta do que ela tinha acabado de dizer:
Como assim "estou livre"?
Ela estava se oferencendo para mim? Olhei em seus olhos de chocolate, ela me encarava de volta com intensidade. Como se pedisse que eu a escolhesse.
- Eu não tenho nenhum cliente agora. Estou livre, se você quiser ficar comigo. - Repetiu.
Sim: Ela estava se oferecendo para mim. E cada palavra que ela pronunciava soava como um pedido. Seus olhos estavam tristes, mas esperançosos.
Até o modo como se oferecia era diferente do de uma puta.
Lembrei de Manoella e pude constatar a diferença gritante entre as duas.
- Oi, Anne. Está com receio de que alguém desse salão te escolha?
Ela olhou em volta, um pouco acuada.
- Não... É que eu pensei que você quisesse... - Ela hesitou, parecendo sem graça - Você já está de saída?
- Não, cheguei há quinze minutos. Estava esperando por você, já que estava ocupada.
- Ah, sim. - Ela sorriu um pouco, parecendo quase aliviada. - Eu... não estou, agora.
Fitei-a por alguns segundos sem dizer nada.
- Ótimo. - Concluí depois de um bom tempo - Cinco minutos?
- Cinco minutos. - E, dizendo isso, se afastou de mim, rumo às escadas que davam para o corredor com os quartos da Casa.

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