Capítulo 20

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Bruno's POV
Flashback On.

Ela não sabia de nada. 
Não fazia a menor ideia do que havia acontecido comigo, mas eu sequer poderia culpá-la. Também não poderia culpá-la se ela me odiasse agora, se tivesse tanto nojo e raiva de mim que quisesse se manter afastada. No final das contas, eu pedi por isso, porque agi como um cafajeste.
Eu poderia aceitar quase qualquer coisa, mas teria que fazer com que ela acreditasse que esse tempo em que nós estivemos separados foi muito mais difícil para mim do que ela imaginava. Não porque eu queria ter meu momento de mártir, mas porque ela precisava saber o mal que a falta dela me fazia.
Ao sair da Casa de Rayana no dia em que havia visto Anne pela última vez, tentei convencer a mim mesmo que manteria distância dela “para o meu próprio bem”. Obviamente, aquilo se mostrou uma ideia tão imbecil que, sem exagero algum, quase me matou. 
A primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi abrir duas das minhas melhores garrafas de whisky e simplesmente acabar com elas. A culpa de ter feito o que tinha acabado de fazer e a dor que eu sentia como consequência das minhas decisões foi o que me convenceu de que encher a cara quase a ponto de entrar em coma alcoólico talvez fosse uma boa saída. 
A tarefa de lidar com o desespero que minhas atitudes trouxeram mostrou-se difícil, então, como o perfeito covarde que eu sempre fui, me refugiei em várias doses. 
Foi só no dia seguinte, vítima de uma ressaca que beirava à sensação da morte, que eu me dei conta de que a brilhante ideia de usar o álcool para esquecer meus problemas não tinha sido tão boa assim. 
Duda ligou algumas vezes para o meu celular, talvez querendo saber o motivo que fez o chefe de uma empresa não ir para o trabalho em plena terça-feira ensolarada. 
Não me importei com as chamadas e me permiti afundar na tristeza de um ex-bêbado com dores de cabeça durante todo o dia.
Para fugir das lamentações, esquecendo da estupidez em que se resumia a minha decisão de usar duas garrafas de whisky como remédio para problemas sentimentais, repeti o erro outra vez, fazendo com que o final daquele dia se tornasse esquecido no teor alcoólico em excesso que circulava em meu sangue, mais uma vez. 
Não era totalmente estupidez. Na verdade, eu não me importava com o que estava fazendo. Por isso, e por saber que aquilo me fazia esquecer dos problemas, mesmo que me castigasse depois, me permiti usar esse remédio com uma maior frequência. Dia após dia, até completar uma semana. 
Duda me ligava diariamente, talvez querendo saber se eu finalmente havia morrido. Atendi uma chamada sua na quarta, apenas dizendo algo como “não vou trabalhar, problemas pessoais” e desligando depois. 
Esse deve ter sido o motivo pelo qual ela decidiu não ir atrás de mim até a minha casa, e eu não sabia se aquilo era bom ou ruim.
Seria bom porque eu não teria que aturar ninguém. Não que eu tivesse que “aturar” Duda, é claro, ela era minha amiga e quase sempre muito bem vinda, mas naquele momento eu não estava com cabeça para quem quer que fosse. 
Eu sabia que ela me perguntaria o que aconteceu, e sabia que ela exigiria os mínimos detalhes de mim, como todas as mulheres resolvem fazer quando se dispõem a escutar. Mas falar sobre aquilo doeria muito, porque só pensar já era doloroso. Eu teria que lidar com aquilo sozinho, já que havia tomado aquela decisão sem a ajuda de ninguém. 
Eu precisava ser forte e não encher a cabeça dos outros com os meus problemas. 
Ainda assim, eu sentia a falta dela, porque embora eu não quisesse falar sobre o que estava acontecendo comigo, ela era possivelmente minha única válvula de escape, a única pessoa com a qual eu poderia dividir um pouco do meu sofrimento. Mesmo que isso significasse contar a ela aquela história desde o início, e mesmo que eu tivesse quase certeza de que ela me odiaria por não seguir seus conselhos, talvez fosse bom desabafar com alguém.
Desabafar tudo aquilo que eu sentia. 
Toda aquela mistura de coisas que já estavam me deixando enjoado. A vontade de correr novamente para Anne e abraçá-la sem o menor cuidado, pedindo desculpas por tudo o que eu havia dito. Uma dor dilacerante por saber que ela não me perdoaria, por saber que eu provavelmente havia a machucado. A saudade agora crescente em não vê-la conforme os dias iam se passando, sem saber se ela estava bem.
Estávamos no sábado quando recebi uma outra ligação de Duda. Depois de alguns segundos pensando se deveria ou não atender, finalmente peguei o telefone e respondi. 
– Alô. 
– Obrigada por atender, agora sei que você ainda tem braços. O que diabos está acontecendo? 
– Eu já disse, problemas pessoais. 
– Eu entendi essa parte. Quero saber o que especificamente. 
– Nada que você possa me ajudar. 
– Me conte e eu decido se posso ou não te ajudar. 
– Eu não quero te contar. 
– Por que não? Eu sou sua amiga! 
– Não é nada importante. 
– Bruno, eu não insistiria se não soubesse que era algo importante, e você sabe disso. O que quer que seja, tem uma importância relevante, já que consegue te colocar bêbado às dez da manhã. 
– Por que acha que estou… 
– Sua voz está arrastada. Por favor, me conte. Eu posso tentar te ajudar. 
– Me dá um tempo, Eduarda. Eu só preciso ficar sozinho. 
– Até quando? Você já está há uma semana sem trabalhar. Quantas mais precisa? 
Minha vontade era responder que o número de semanas que eu precisava para me recuperar era diretamente proporcional ao número de semanas que eu precisaria para esquecer Anne. Mas isso só traria discussões que eu estava tentando em evitar. 
– Não sei até quando. Nunca fiz muita diferença nessa empresa, você pode tomar meu lugar em um piscar de olhos. Por que está tão preocupada com isso? Banque a chefe e seja feliz. 
– Não seja imbecil, estou preocupada com você, e não com o seu trabalho! 
– Não é o que parece. Você quer mandar em mim o tempo todo, mesmo sendo só minha secretária! Se quer o cargo de patrão, é só pegar. Ele está à disposição. Só não me venha mais tagarelar ordens, porque eu não aguento mais. 
Não esperei que ela respondesse, desligando logo em seguida. Ela ficaria irritada comigo, eu sabia, mas aquela era minha decisão. Afastá-la de mim parecia prudente, evitando com que ela se preocupasse comigo em excesso.
Infelizmente, eu não estava raciocinando direito, e não entendi que estava afastando de mim a única pessoa com a qual eu poderia contar, me deixando completamente sozinho.
Como imaginei, ela não ligou mais. Mais uma semana havia se passado sem que eu saísse do meu apartamento. 
Felizmente, minha cozinha estava bem equipada, e não precisei sair para compras emergenciais, mesmo porque eu não sentia fome. O porteiro já havia ido me visitar, provavelmente querendo se certificar de que meu cadáver não estava apodrecendo no chão do banheiro. Eu não recebia ligações, a não ser algumas avulsas de meus pais. Ouvir a voz deles fez com que um nó em minha garganta quase se desprendesse em um choro, porque eu estava emotivo demais e bêbado demais. 
Senti saudades do tempo em que eu poderia correr para minha mãe e me agarrar às suas pernas, me protegendo de qualquer coisa que me fizesse mal ou me desse medo. Era uma pena que eu tinha que crescer e, com isso, tivesse que assumir responsabilidades e tomar decisões.
Eu sempre tomava decisões, mas ironicamente elas pareciam ser todas erradas. 
Agora, deitado no sofá da sala chorando feito uma criança abandonada, eu começava a imaginar que aquela decisão seria mais uma para a minha coleção de decisões idiotas. 
Isso doía, mas o pior de tudo era que essa decisão, em particular, parecia ser a mais errada de todas.
Se fosse certa, não faria sentido eu estar sofrendo tanto. Não faria sentido me arrepender a cada minuto pelas palavras que eu havia dito, pelas minhas atitudes. Não faria sentido eu querer voltar no tempo e apagar essa parte, como se nunca tivesse existido, fazendo com que agora eu pudesse estar com ela outra vez.
Ela.
Seria para o meu próprio bem me afastar dela, então por que doía tanto? 
Tinha alguma coisa muito errada, e minha mente alcoolizada não podia entender o que era. 
Mais três semanas haviam se passado sem que eu tivesse contato com ninguém. Era engraçado como uma pessoa podia se tornar um vegetal em tão pouco tempo. Bom, seria engraçado se não fosse trágico.
Agora, a culpa de ter falado com Duda daquela maneira também ajudava no meu estado depressivo. Eu sabia que ela estava chateada comigo, eu fui um babaca. Na verdade, era incrível a capacidade que eu tinha de ser babaca com tanta frequência. Era simplesmente maior que eu, e normalmente quando notava o que havia feito, as pessoas já queriam me ver morto. Eu sempre fui meio devagar quanto a isso, o que era um pouco irritante. 
– Talvez eu devesse ligar e pedir desculpas. - Balbuciei para mim mesmo, e ouvir o som da minha voz fez com que eu notasse a ambiguidade naquela frase.
Eu deveria ligar e pedir desculpas. 
Desculpas para Duda.
Perdão para Anne. 
Duas das pessoas aparentemente mais importantes na minha vida estavam magoadas comigo. E a culpa era minha. Eu era um filho da puta. 
Fui arrancado de meus devaneios pelo toque suave do interfone. Se eu bem me lembrava, minhas ordens de informar a quem quer que fosse que eu não estava em casa foram bastante claras ao porteiro e a todas as outras pessoas que andavam pela portaria. 
Tudo bem, eu não atenderia. E me entenderia com Marcos depois. 
Para minha total surpresa, alguns minutos depois a campainha soou com mais intensidade do que o normal, e foi então que pude ouvir vozes discutindo do lado de fora do meu apartamento. Ainda confuso, rumei para a entrada e abri a porta, dando de cara com Duda e o porteiro atrás dela, falando alguma coisa que eu não pude entender. 
– Boa tarde, Bruno Coolin. 
Os dois me encararam por algum momento, como se estivessem vendo uma lesma gigante. 
Finalmente, Marcos falou. 
– Senhor, eu tentei impedi-la de subir, mas ela me ameaçou de morte! 
– Não seja dramático. - Ela falou, debochando. 
– Você disse! “Saia da minha frente, ou esfaqueio você enquanto dorme!” Isso é uma ameaça! 
Duda virou os olhos e pela primeira vez em muito, muito tempo, esbocei um sorriso. Essa era uma das reações involuntárias que ela despertava em mim, e então notei a saudade que sentia dela. 
– Tudo bem, Marcos. Pode ir. E não se preocupe com Duda, ela só é um pouco exagerada de vez em quando. 
– Com licença, senhor. - Ele disse, dando um último olhar desconfiado para ela e entrando no elevador. 
Quando notei, Duda já estava dentro do meu apartamento, deixando sua bolsa e seu casaco em uma das cadeiras perto da entrada. Ao se virar e me encarar, senti a vergonha me tomar completamente. Eu ia me desculpar, ia ter a iniciativa de começar uma conversa civilizada, mas ela foi mais rápida do que eu. 
– Há quanto tempo você não se olha no espelho?
– Ahn? Por quê? 
– Porque você está magro, com olheiras, barbudo e seu cabelo consegue estar mais rebelde do que o normal. 
Havia algum tempo que eu não me olhava no espelho. Talvez uns três dias. E mesmo com aquela descrição tenebrosa da minha aparência, ela continuou ali, me encarando, sem parecer estar com medo do meu estado perturbado.
– Bom, não é como se alguém estivesse reparando nisso. 
– É claro, você se enclausurou. Parece não querer mais contato com outros humanos. 
Não era esse o caso. Eu não estava propositalmente me afastando de qualquer companhia humana. O fato era que os outros eram muito pouco importantes para que eu sequer me importasse em manter distância. 
Esse afastamento veio naturalmente, junto com a minha vontade de espancar a mim mesmo até morrer. 
– Desculpa falar daquele jeito com você. - Comecei, puxando o assunto que estava me incomodando na presença dela - Eu sou um idiota. 
– Isso eu já sei há algum tempo, Bruno. Não me importo com a sua crise de nervos, e sei que aquilo tudo que você disse é balela. Não vim aqui pra isso, mas sim para falar sobre o seu problema. 
A capacidade de Duda de ser tão objetiva me assustava às vezes. Lá estava eu, parecendo um hippie desabrigado com meu pijama azul marinho, e ela debatia sobre o meu “problema” como se fosse algo provavelmente idiota. 
– Você não sabe o que está acontecendo comigo… 
– Claro que eu sei. Você está apaixonado.
Fui pego de surpresa ao ouvir a resposta dela ser dita com uma voz tão banal. Ela devia estar assim tão certa sobre aquilo? 
– Como diabos você sabe disso? 
– Eu sei que a sua família está bem, então seu estado atual só pode ser por causa de uma mulher. Na verdade, é algo bastante intuitivo, pra não dizer óbvio.
Continuei encarando-a como se ela tivesse acabado de fazer uma verdadeira mágica na minha frente. Quando ela cansou da minha cara de surpresa e da minha falta de resposta, deixou-se sentar no sofá logo atrás de si. 
– Tudo bem. Qual é o problema? Ela não se rendeu aos seus encantos? 
Aquela era a hora de decidir. Eu não poderia mais mentir dizendo que suas suposições estavam erradas, já que havia confirmado no mesmo momento. Só me restavam duas opções: Ou eu assentiria, dizendo que no final das contas fui abandonado com uma paixão não correspondida, ou então falaria toda a verdade. 
A primeira opção parecia incrivelmente mais fácil, mas bastou que eu pensasse em considerar a segunda opção que minha boca começou a despejar tudo. 
– Não é isso. Pode ser também, mas creio que isso seja o de menos, por mais irônico que possa parecer. Eu simplesmente não posso ficar com ela, porque… Nós somos muito diferentes, nossas vidas são quase opostas. Ela… 
– O que você sente é retribuído? 
– Não. 
– Você já deixou claro pra ela que sente algo por ela? 
– Não… 
– Então como sabe que ela não gosta de você? Ela é comprometida? 
– Eu não posso ficar com ela. 
– Porque está tão certo disso? 
– Ela é uma garota de programa. 
Silêncio.
Um silêncio profundo e constrangedor. 
– A garota que você está apaixonado? 
– É. 
– A garota que você está apaixonado é uma prostituta?
– É.
Mais silêncio.
Eu poderia contar nos dedos as situações em que vi Duda sem reação. Por isso, vê-la daquela forma agora só fazia com que um desespero crescente se apoderasse de mim aos poucos. Eu sabia que minha situação não era trivial, mas seu silêncio era automaticamente captado pelo meu cérebro como uma indicação de gravidade. Era mais grave do que eu imaginava, porque se ela não tinha nada para me dizer, se não tinha nenhum conselho ou palavra para confortar…
Bom, então eu estava mesmo na merda. 
Depois de um longo e insuportável silêncio, ela falou outra vez. 
– Isso é… Inesperado. 
Eu não sabia que tipo de resposta esperar dela, mas sabia que tipo de resposta queria ouvir. Eu queria ouvir que talvez eu devesse me entregar àquilo. 
Talvez devesse dar uma chance a mim, e também à Anne, para que isso pudesse dar certo. Talvez a próxima coisa que eu queria mesmo ouvir fosse Duda gargalhando como uma adolescente com a animação da recém descoberta paixonite aguda da qual seu melhor amigo estava sofrendo. 
Mas além de ser adulta, séria e inteligente, ela era uma mãe de família. Estava simplesmente fora de questão ouvi-la dizer que talvez uma garota de programa fosse uma boa escolha, porque elas estavam em posições diametralmente opostas: Duda era o tipo de mulher que construía uma família e baseava-se na confiança, no amor e na integridade para mantê-la. 
Anne era exatamente o tipo de mulher que ajudava a destruir tudo isso.
– Pensei que você tivesse parado de ir nesses lugares… Pensei que tivesse te convencido… 
– Eu tinha parado… Mas uma noite eu fui… 
Duda continuou me encarando, como se me desse permissão para prosseguir. 
– Eu a vi pela primeira vez naquela noite. Ela parecia ser só mais uma menina daquele lugar, e apenas o jeito um pouco diferente me chamou a atenção. Na verdade, era o que eu achava, mas desde aquele dia eu tinha notado algo a mais nela. Mesmo que não tenha me dado conta, ela mexeu comigo, e na época eu não sabia disso. Hoje eu consigo ver o estrago que ela fez na minha vida. Duda, eu não queria gostar dela. Juro por Deus que tentei com todas as forças não sentir o que eu sinto, juro que tentei me afastar, mas quanto mais eu ficava longe dela e negava o que estava acontecendo, mais eu me via amarrado a ela. Eu sei que deveria ter tomado a iniciativa de sumir assim que notei ter algo diferente no que eu sentia por ela. Achava que era só algum tipo de sentimento protetor, mas não imaginava que fosse se tornar isso. Eu sei que errei em me deixar levar, mas eu gostava da companhia dela. Eu devia ter notado que a partir do momento em que aquilo passou a não ser só tesão, havia algo de muito errado. Eu sei que fui estúpido outra vez, mas… Ela é adorável. Ela é diferente, é linda, é doce… Não parece ser o que é. E eu sei que estou me iludindo com isso tudo, sei que ela só estava fazendo o papel dela, mas acho que ela gosta da minha companhia também. Ela me disse que gostava… 
– Ela é uma prostituta, Bruno. O que te faz pensar que todo esse tempo ela não estava atrás do seu dinheiro? 
Eu sabia que ela estava pensando aquilo, assim como eu. Se já havia acontecido com uma mulher no passado, uma mulher que aparentemente se encaixava na mesma “posição” de Duda, e não Anne, as chances dessa mesma estratégia ser utilizada como forma de sedução e posterior golpe do baú por uma garota de programa poderiam ser ainda maiores. 
E enquanto meu lado racional insistia em manter essa dúvida pertinente viva dentro de mim, meu lado romântico, esquecido por tanto tempo, insistia em me fazer pensar que talvez, talvez ela tivesse falado a verdade quando disse que me queria por perto. Quando disse que eu havia sido a melhor coisa que havia acontecido na vida dela.
Eu estava falhando outra vez. 
Estava me rendendo à inocência, à estupidez, e outra vez cometia o erro que me fez tanto mal há algum tempo atrás. Eu não era forte o suficiente para cair de novo, por isso sabia que precisava resistir a qualquer ideia tentadora. Mas não havia como negar que era igualmente fraco para conseguir manter aquela situação como estava: Eu não conseguia esquecê-la, não conseguia deixar de querê-la, não conseguia arrancá-la de mim. 
Eu permiti que ela entrasse na minha vida com uma força desconhecida, e só agora, tentando afastá-la, eu sabia a intensidade dessa força.
– Eduarda… - Comecei, me sentindo ser invadido por aquela conhecida tristeza que me fazia companhia por todo esse tempo - Eu não sei mais o que fazer. Simplesmente não sei. Eu tentei não gostar dela, mas não tem como… Não tem como não gostar… 
Ela continuou olhando para mim, agora com um inconfundível traço de pena em sua expressão, e eu sabia que ela não me daria conselhos os quais eu quisesse ouvir. Eu sabia que ela pensava igual a mim, sabia que ela achava que o melhor para mim, no momento, era continuar longe de Anne. Mas não era. 
– Eu não sei o que falar, Bruno… Simplesmente não posso te ajudar. 
Eu não esperava que ela pudesse. Na verdade, o único motivo pelo qual eu queria Duda por perto era para poder finalmente desabafar com alguém todas essas coisas que me atormentavam. 
Como imaginei, me senti mais leve por todas as confissões feitas, embora estivesse um pouco mais machucado do que antes, tanto por tocar nesse assunto como por ter certeza que Duda não tinha nada para me dizer.
Não poder contar com seus conselhos me deixava um pouco sem rumo, porque não havia nenhuma situação difícil sequer em minha vida à qual ela não estivesse ligada, me dando conselhos ou me passando sermões. 
A diferença era que, agora, o assunto era um pouco mais delicado. Ao mesmo tempo que eu sabia que ela também achava que eu deveria me afastar de Anne, eu sabia que ela não falaria isso com todas as letras, porque ela tinha ciência de que iria me machucar. Assim, não restava nada a ela além de não tomar partido, o que só fazia com que meu desespero tomasse proporções maiores. 
A olhei sem saber o que dizer, esperando, por um milagre, que Duda resolvesse mudar de ideia e me mandar ir atrás dela. Mas ela não faria isso. 
– Volte para o escritório. Eu sei que é a última coisa que você quer, mas talvez isso ajude. Ocupe-se. Minha mãe costumava dizer que uma cabeça vazia é a oficina do diabo.
– Eu não consigo… 
– Consegue. Você vinha sendo um diretor muito melhor nos últimos tempos. Sei que consegue assumir esse papel outra vez. 
– Não consigo, Duda. Não consigo me concentrar em nada. Nunca me senti tão perdido assim… 
– Nem com Lauren? 
Eu sabia o que ela estava fazendo. Ela estava usando a tática do choque, onde, me lembrando de todas as merdas do meu passado e das tristezas que eu passei, faria com que eu imediatamente notasse que aquilo pelo que passava agora não era assim tão ruim.
Mas ela não entendia. 
– Não. Nem com ela. 
Duda mudou de postura imediatamente, me encarando com uma expressão de surpresa, enquanto procurava alguma coisa para dizer. Só agora ela parecia começar a entender que aquilo tudo não era exagero meu, e que eu podia mesmo estar falando bastante sério.
– Eu não imaginava que fosse algo assim tão forte. 
– Nunca pensei que alguém poderia fazer mais mal a você do que Lauren… 
– A Ninha não me fez mal. 
– A Ninha do seu sonho? 
Lembrei do dia em que, ainda dormindo, havia deixado escapar o nome dela dos meus sonhos, despertando a curiosidade de Duda.
– É. 
– Há quanto tempo você está… Interessado nela? 
– Eu não sei… - Comecei, escondendo o rosto nas mãos - Não sei por quanto tempo escondi de mim mesmo toda essa merda… Não sei se foi no primeiro dia ou no último… 
Eu estava a ponto de começar a chorar. De novo. E ter Duda ao meu lado, servindo de colo, era quase irresistível. Ainda assim, tentei manter o pouco de força que ainda tinha em mim e mantive minha postura, não parecendo nada mais além de um homem preocupado.
Por dentro, eu estava desesperado, quase enlouquecendo. Mesmo longe, mesmo depois de três semanas, ela ainda conseguia ter aquele tipo de poder sobre mim. Um poder que eu não conseguia negar, e bastava lembrar dela que de repente nada mais parecia ser tão importante.
Isso estava me matando, talvez no sentido literal da palavra.
Eu já não sabia há quanto tempo não fazia uma refeição decente. Minha aparência deveria estar lembrando algum tipo de homem das cavernas, e minhas noites andavam extremamente mal dormidas. Quando conseguia dormir, todos os sonhos que me atormentavam contavam com a presença dela, e era frustrante saber que mesmo que aquilo me fizesse mal, ainda assim eu deitaria noite após noite esperando sonhar com ela outra vez.
Tê-la comigo, mesmo que somente dentro dos meus pensamentos, era consolador. As manhãs tornavam-se tristes quando eu notava que tudo não passava de um sonho, mas ainda assim, os poucos minutos em que podia desfrutar de sua companhia irreal valiam a pena. O problema era que eu estava começando a me acostumar com sua lembrança, o que ia diretamente contra meu objetivo principal: Sobreviver sem ela.
E conforme o tempo passava, essa tarefa parecia se tornar mais difícil.
Duda havia me convencido a tentar voltar para o escritório. Não porque eu fazia alguma falta, já que ela era muito mais competente do que eu para administrar os negócios, mas para o meu próprio bem. Depois de uma conversa que poderia ser considerada apenas como um desabafo e lamentações, finalmente concordei com ela no ponto de que talvez eu tivesse mesmo que me ocupar com mais coisas - o máximo possível - para que minha cabeça não achasse tempo livre que pudesse preencher com lembranças dela e preocupações sobre o fato de ela estar bem e feliz. 
Agora, já fazia mais de um mês que eu estava longe de Anne. Eu sentia a sensação de dor, de perda e de vazio tentar me dominar lentamente, e eu estava quase cedendo. Não havia forças para afastar toda aquela ausência de vida, porque ela não estava comigo. Mesmo assim, lá estava eu, comparecendo a reuniões com Duda ao meu lado, enquanto fingia prestar atenção nos gráficos e nos números de alguma coisa.
Normalmente, eu não sabia que terno estava usando. Já havia esquecido minha mania de mexer nos cabelos para penteá-los. Saía de casa sem passar perfume, e só fazia a barba diante de ameaças de morte de Duda. Eu não me importava com muitas coisas, porque praticamente nada fazia sentido. Praticamente nada era importante.
Eu não conseguia esquecê-la. Era desesperante, era enlouquecedor, mas eu não conseguia esquecê-la. Nenhum dia. Um minuto sequer. Ela sempre, sempre estava comigo. Fosse em reuniões, na hora do almoço, quando ia me deitar, dirigindo ou tomando banho. Estivesse eu sozinho ou acompanhado, bêbado ou não. Não era como uma lembrança qualquer, a qual eu poderia escolher se pensava ou não. A presença dela dentro da minha cabeça já havia se tornado uma pequena parte de mim. Era como respirar. Uma pequena parte que me mantinha vivo, que me mantinha de pé. 
Dois meses sem vê-la. 
Eu estava ruindo. Aquilo já estava insuportável, intolerável. Era impossível viver daquele jeito, e de alguma forma, chegar até ali parecia ter sido sorte. Conseguir viver sem ela era um milagre.
Duda fingia que tudo estava saindo conforme o planejado, mas eu a conhecia o suficiente para saber que ela estava preocupada comigo. Talvez meu estado estivesse mostrando uma depressão tão profunda que ela temia me ver enlouquecendo ou cometendo suicídio no final das contas. Por isso, não estranhei quando fui presenteado por ela com uma semana de folga, para “me distrair e esquecer dos problemas”.
Tendo mais tempo livre, era claro que as coisas piorariam consideravelmente.
Por isso, aquela semana foi o início da pior fase daquele rompimento. Aproveitando minha fraqueza, me permiti baixar a guarda e simplesmente pensar nela sem culpa quando sua lembrança vinha até mim. Os primeiros dias foram mais fáceis, porque eu não tinha que ficar lutando contra mim mesmo para tentar arrancar a imagem dela da minha cabeça. Mas ao final da semana, meus pensamentos já estavam tão tomados pela lembrança dela que eu me sentia exausto, e agora que havia permitido que ela invadisse minha mente com tanta frequência e com tanta facilidade, não havia mais como tentar afastá-la outra vez.
Ao final de uma semana, eu não consegui voltar para o trabalho.
Duda voltou a me ligar, e não insistiu quando confessei que não poderia sair de casa e fazer qualquer coisa que fosse. Talvez porque eu tenha implorado para que ela me deixasse em paz, mas ainda assim, eu continuava recebendo ligações diárias dela. Quando comecei a não atendê-las, ela se contentou em falar comigo três ou quatro vezes por semana.
Os dias passavam devagar. Eu não tinha nada para fazer, e se tivesse, não faria. Minha falta de vontade em qualquer coisa agora estaria tomando proporções preocupantes, se eu estivesse me importando. Meu estoque de miojo e sopas prontas estava acabando, já que eram as poucas coisas práticas e rápidas de preparar, quando eu me dispunha a comer algo. Mais cinco garrafas de whisky da minha coleção haviam sido consumidas em pouco tempo. Minha tv não era ligada há décadas, e o único motivo que fazia com que eu carregasse a bateria do meu celular, ao ver que ela havia acabado, era saber que se Duda não tivesse mais como se comunicar comigo, ela provavelmente arrombaria a porta do meu apartamento me xingando de nomes inadequados.
Três meses. 
Fazia três meses desde que havia visto Anne pela última vez. Três meses desde que havia sentido aquele perfume, que havia falado aquelas coisas, que a havia humilhado na frente de todos os clientes daquela casa. Aquela era a última imagem que ela pôde guardar de mim, um idiota insensível e estúpido, egoísta e covarde.
Eu era um covarde.
Eu estava me matando, e tudo porque não tinha coragem de assumir que precisava tanto dela. Não tinha coragem de assumir que ela simplesmente me tinha nas mãos, tinha medo do fato de que ela poderia fazer qualquer coisa comigo.
Qualquer coisa.
Meus pensamentos eram dela. Minha alegria pertencia a ela. Minha vontade de fazer qualquer coisa tinha ido embora com ela. Ela comandava a minha vida inteira, e sequer sabia disso.
Ela não fazia ideia. 
– Bruno?
Olhei em volta um pouco surpreso e me dei conta de que estava na sala do meu apartamento, enquanto Duda me encarava de pé à minha frente. Pela sua expressão, aquele chamado não havia sido o primeiro. Nem o segundo. 
– Sim? 
– A porta estava aberta. Então eu entrei.
Há quantos dias minha porta devia estar destrancada? 
– Ah. 
Ela continuou me encarando, cheia de dúvidas.
– Vim fazer uma visita, já que não consigo falar com você. 
Eu já havia desconectado há muito tempo o telefone da tomada, e não fazia ideia de onde estaria meu celular naquele momento. Talvez jogado em algum canto, desligado, enquanto arquivava provavelmente umas oitenta ligações de Duda. 
– Ah… Oi. 
– Oi. - Ela falou, analisando minha expressão como se tentasse se convencer de que eu ainda estava vivo. Eu não respondi, encarando-a de volta sem me preocupar em parecer saudável ou consciente.
Duda suspirou, me olhando com tanta pena que chegava a ser humilhante. 
– Onde sua cabeça está?
Minha cabeça está com ela. 
– Eu só estava um pouco distraído. 
Ela me olhou profundamente, enquanto me analisava. 
– Você estava pensando nela, não é? 
É claro que eu estava pensando nela. Eu sempre pensava nela. Não havia um minuto sequer em que eu não estivesse pensando nela. 
– O que você quer aqui? 
– Eu quero falar sobre isso. 
Encarei-a sem vida, enquanto esperava que ela se explicasse.
– Bruno… Você está…
Morto. 
Eu estava morto. Não havia uma gota de vida sequer em mim. 
– Eu sei como estou. 
– Eu nunca te vi assim. Por que você não reage? 
– Porque eu não consigo. 
Ela continuou me olhando, mas agora vestia sua postura séria e decidida, como se estivesse prestes a dar uma ordem. 
– Ouça o que vou te dizer, e não ouse me interromper. 
– Edua… 
– Você queria ficar com ela, não queria? 
Ainda havia alguma dúvida quanto àquilo? 
– Não queria? - Ela reforçou a voz, deixando claro que aquela não era uma pergunta retórica. 
– Sim. 
– Tudo bem. Você sabe que, se ficasse com ela, teria que esconder toda a verdade da sua família e dos seus amigos. Para poupar tanto você mesmo quanto ela. Não é? 
– Sim. 
– E sabe que teria que andar sempre receoso com o fato de que ela poderia encontrar, a qualquer momento, um cliente antigo no meio da rua. E você, estando ao lado dela, teria que assumir o compromisso. 
– Eu sei… 
– Além disso, você teria que superar o fato de ela ter pertencido a tantos outros homens, e que se vendia para todos eles. 
– Eu… Sei disso… - Fechei os olhos, tentando esquecer a vontade de chorar que estava quase me dominando. 
Por que ela estava fazendo aquilo? Por que estava me torturando daquele jeito?
– E no final das contas, ela poderia estar interessada só no seu dinheiro. A partir do momento em que você confiasse nela e desse a ela o que ela queria, haveria a possibilidade de você nunca mais vê-la. Assim como foi com Lauren. 
Abri os olhos novamente e a encarei, sem dizer nada. Ela estava numerando toda a merda pela qual eu passaria se ficasse com Anne. 
Eu sabia de tudo aquilo, então por que ela estava reforçando cada um desses pontos? 
– Agora, me diga uma última coisa: Dito tudo isso, todo o sofrimento pelo qual você poderia passar… Em algum momento você deixou de ter certeza de que era isso o que você queria? 
– Não. - Minha imediata resposta saiu com tanta convicção que eu mesmo me assustei - Se esse fosse o preço a ser pago para tê-la, eu pagaria. 
Então eu entendi. Eu entendi o que era aquilo, o motivo pelo qual ela estava falando aquelas coisas. Não era tortura, não era crueldade. Duda não estava tentando me fazer sofrer, apenas queria que eu enxergasse o óbvio.
Não havia como ficar sem ela.
Não adiantava me torturar tentando esquecê-la, não adiantava fingir para mim mesmo que conseguiria viver sem ela. Não adiantava ficar longe dela, porque cedo ou tarde eu acabaria tendo que voltar para ela outra vez, assim como nas outras vezes em que havia tentado me afastar. Era simples assim.
Eu tinha que estar com ela. Eu não a esqueceria. Eu me imaginei ao lado dela, passando por todas as dificuldades possíveis, e em momento algum enquanto Duda me fazia aquelas perguntas eu pensei que seria mesmo melhor ficar sem ela.
Não seria melhor. Seria como estava sendo. Seria um inferno.
Esses pensamentos demoraram menos de um segundo para pipocar dentro de minha cabeça, e a resposta de Duda foi igualmente imediata. 
– Então, Bruno, sugiro que você vá logo atrás dela.
Foi de repente, mas o sopro de vida que eu senti não poderia ser descrito. Era como se meu estado semi-vegetativo nunca tivesse existido. Era como se eu pudesse sair dali imediatamente, indo de encontro a ela correndo mesmo. Era uma esperança tão grande se apoderando de mim que a primeira vontade que eu tive foi rir histérica e descontroladamente. Meu corpo começou a tremer, não conseguindo lidar direito com aquela descarga forte de emoções que me tomavam, e talvez eu pudesse ter algum problema sério do coração. 
– É… Eu vou… Eu vou… 
– Primeiro, você vai se acalmar. 
– Estou calmo… Eu tenho que ir… 
– Bruno! 
Ela falou com a voz um pouco mais alta, mas não chegou a me assustar. Encarei-a porque estava confuso, e não sabia o que fazer primeiro.
– Você tem que se acalmar. - Ela repetiu, me olhando nos olhos. 
– Eu estou bem! 
– Você não está bem! Está todo vermelho! 
Merda. Minha pressão devia ter subido muito rápido. 
– Eu não vou ficar aqui e bancar a sua babá, minha filha está com febre em casa, me esperando. Só vim aqui porque, se você acabasse se matando, eu teria que viver com essa culpa para sempre. Faça o que você tem que fazer para tentar ficar melhor. Eu espero do fundo do meu coração que você não se decepcione. Sei que você está ansioso, mas por favor, tente controlar seus nervos antes de sair por essa porta. Eu não quero que você acabe enfiando o carro em um poste. 
– Ok. - Fechei os olhos, tentando me controlar, enquanto andava em círculos em volta do sofá em que ela estava sentada. 
– Ok. 
Duda se encaminhou para a porta, e eu pude sentir sua relutância em me deixar sozinho, como se estivesse com medo que eu fizesse alguma besteira. 
– Espero que sua filha fique boa. - Falei, enquanto ela já abria a porta. 
– Deve ser só uma virose. Ela vai ficar boa. 
– Duda… - Comecei, antes que ela fosse embora - Obrigado. 
Ela me encarou com aquele olhar angelical, e então eu tive certeza que sua visita tinha sido algum tipo de missão divina. Ela havia aberto meus olhos, mesmo estando completamente contra à situação, e eu devia, mais uma vez, minha vida a ela. 
Sem notar, eu havia percorrido a pequena distância entre nós e, agora, estava a abraçando com tanta força que podia estar machucando. Mas ela não reclamou, e ao invés disso, retribuiu o abraço, como se fosse uma mãe confortando um filho. 
– Não me agradeça ainda. Eu não sei se isso vai acabar bem. 
Duda afrouxou nosso abraço e me deu um beijo no rosto, saindo logo em seguida e fechando a porta atrás de si, me deixando completamente sozinho outra vez, da mesma forma que estive durante todo esse tempo.
Mas agora era diferente. 
Eu tinha um objetivo claro: Encontrar Anne e não permitir que ela fosse embora da minha vida de novo.
Talvez fosse prudente se eu tivesse ficado um pouco mais de tempo dentro do carro, testando minha respiração e esperando que a vontade de vomitar melhorasse um pouco. 
Infelizmente, o desespero em encontrar Anne de novo e falar com ela me fez estacionar o Volvo na rua de trás, já deserta àquela hora, e caminhar já com alguma pressa para a entrada principal da Casa de Rayana. 
Talvez eu devesse ter dado um pouco mais de tempo a mim mesmo para pensar em algo para falar. Estar cara a cara com ela outra vez, depois de mais de três meses, não seria trivial. Eu sabia que não teria reação alguma, então teria que esperar que ela começasse a me agredir para me mexer e finalmente dirigir a palavra a ela.
Eu estava particularmente orgulhoso de mim mesmo, por ter conseguido ficar em casa por mais de 30 minutos antes de correr para procurá-la.
Tomei um banho e troquei de roupa, finalmente deixando de agir em um tipo de piloto automático. Estava bastante consciente de minha aparência quando me analisei no espelho, mostrando um Bruno bem mais magro e com olheiras. Fiquei grato comigo mesmo por ter feito a barba três dias antes, o que fazia com que eu não parecesse um neandertal, embora também não estivesse com a melhor cara do mundo. 
Agora, caminhando nervosamente pela calçada vazia, podia sentir as batidas do meu coração mais rápidas a cada passo. Eu não sabia o que esperar, mas só a sensação de estar me aproximando dela me fazia mal e bem ao mesmo tempo.
Mal porque eu lembrava do que tinha feito a ela, e agora teria que encará-la.
Bem porque, independente de ser apedrejado, estar com ela curaria muitas das minhas feridas. 
Ao entrar na casa, meu enjoo conseguiu se intensificar ainda mais, porque havia algum tempo que eu não entrava naquele lugar, e estar ali agora me trazia muitas lembranças. Meu nervosismo, embora estivesse agora chegando a me fazer mal, não foi suficiente para me fazer desistir do que eu tinha em mente. Eu simplesmente precisava encontrá-la o mais rápido possível.
O lugar já estava cheio àquela hora. 
Pelo que eu consegui me lembrar, nada havia mudado ali. A música ainda tocava suave ao fundo, a iluminação ainda era fraca e aconchegante. Algumas meninas ainda andavam entre os homens servindo bebidas, e outras se divertiam nos colos de clientes. 
Mas nenhuma delas era a pessoa que eu procurava.
Andei sem tentar me esconder pelos cantos, enquanto procurava por ela no meio do salão. Não saberia dizer se alguém havia percebido minha presença ali, mas também não me importava. Ela não estava lá, e quando me dei conta disso, me concentrei em procurar uma outra pessoa: Rayana. 
Não foi difícil encontrá-la. Ela estava, como sempre, sendo bajulada por clientes antigos, que sempre rodeavam-na enquanto estivessem sozinhos. Ela, como de costume, tentava rir de suas piadas e parecer simpática e receptiva, enquanto escolhia discretamente a próxima companhia de cada um.
Por isso, notei que a peguei de surpresa quando cheguei até ela, abrindo caminho e interrompendo, sem nenhuma educação, o assunto.
– Onde ela está? 
Rayana me encarou um pouco surpresa pela minha aparição repentina, e vi o sorriso falso que ela mantinha no rosto se esvair aos poucos. 
– Onde ela está? - Repeti, não querendo perder mais tempo.
Finalmente, ela pediu licença aos homens que a rodeavam e rumou para a cozinha, sem se dar ao trabalho de me chamar para acompanhá-la, já que ela sabia que eu iria. 
Ao chegarmos no lugar um pouco mais silencioso que o resto da casa, ela me encarou e falou. 
– Ela foi embora. 
Fiquei imóvel, sem reação alguma, enquanto aquela informação entrava na minha cabeça. 
Ela havia ido embora? Simplesmente partido? Para onde? E por quê? 
– Ela… - Comecei. 
– Foi embora. - Rayana completou, objetivamente - Não trabalha mais aqui há um mês, mais ou menos. 
Fiquei em silêncio por um bom tempo, tentando lidar com aquele fato. 
Eu não esperava por aquilo. Esperava encontrá-la irada comigo, talvez indiferente ou triste. Talvez trancada em seu quarto com algum cliente, mas não aquilo. Realmente não esperava por aquilo. 
– Pra onde? - Finalmente falei, sentindo agora um crescente desespero me dominar rapidamente. 
– Não sei. Ela não avisou. Simplesmente arrumou as malas e saiu.
Ela havia partido, e eu não sabia para onde. Ela estava em qualquer lugar agora, qualquer lugar do mundo. 
– Como você não sabe pra onde ela foi? Como deixou que ela fosse embora sem saber pra onde ela iria? - O desespero fez com que minha voz soasse um pouco mais alta e autoritária do que o normal. 
– Ela não é mais criança, Bruno. Não precisa de uma babá. 
– Mas você devia saber… - Gritei, já completamente desesperado.
Ela continuou me encarando com um semblante calmo, o que me deixou ainda mais irritado. 
Não era possível que ela não entendesse a gravidade da situação! Não era possível que ela não sentisse aquele medo que eu estava sentindo agora. Ela podia estar em qualquer lugar do mundo! Onde eu a encontraria? 
– O celular dela! - Falei, tendo um estalo de brilhantismo repentinamente - O número, me dá o número dela! 
– Não adianta. Depois que ela foi embora, eu e outras meninas tentamos falar com ela pra saber onde ela estava, mas nunca conseguimos completar uma ligação. Está sempre desligado. 
– Não me interessa! Me dá o celular dela!

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