Capítulo 11

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◇◇◇◇
Oi, estou pensando seriamente em postar o próximo capítulo hoje ainda. Não vou a aula, e sou ansiosa pra postar os capítulos mais legais. E o próximo é tipo, maravilhoso. O que acham? Posto hoje ou não?
◇◇◇◇


Eu estava no meio da sala na Casa de Rayana, que parecia estar mais cheia do que o normal. 
Não me lembrava como havia ido parado ali, mas não me importava com isso. O ambiente estava estranhamente escuro e frio, sem música, onde só podiam ser ouvidos os sons de gemidos altos e desagradáveis vindos do andar de cima e de conversas baixas - quase sussurros - ao meu redor, como se estivessem contando segredos uns aos outros. 
Comecei a perceber que enquanto falavam, todos olhavam de esguelha para mim. Me perguntei o motivo de ser o assunto que corria por ali, então comecei a me sentir mal. 
O bar estava vazio, sem meninas e sem bebida. Senti falta de uma dose de whisky, e minha boca ficou seca abruptamente. 
Sem opções, me convenci de que o melhor seria subir e encontrar Anne. 
Tão rápido quanto esse pensamento, Rayana surgiu ao meu lado, segurando com força meu antebraço. 
– Ela não está disponível. 
– Como assim não está disponível? - Olhei em volta e pude notar que agora a conversa havia cessado e todos do lugar, clientes e garotas, nos encaravam. 
– Você chegou tarde. Ela já tem um cliente. 
– Não cheguei tarde merda nenhuma! Eu paguei pela semana dela! 
– Ele ofereceu mais dinheiro, portanto ela é dele por agora.
Olhei incrédulo para ela, enquanto tramava um jeito de me esquivar de seu aperto - mesmo que isso resultasse em quebrar o pulso dela - e subir as escadas. 
Como se pudessem ler meus pensamentos, alguns homens se moveram de forma a ficar entre mim e a escada, formando um escudo humano. 
– Que merda é essa? - Falei, já exaltado - Eu paguei primeiro! 
– Ela é um objeto desejado, querido. Entenda… 
– Ela é MINHA! 
– Ela não está a venda! Se quiser, alugue-a, mas não a considere sua! Ela não é, e nunca vai ser! 
– Sua filha da… 
– Por que você demorou? - Uma voz interrompeu meu xingamento. 
A voz que eu conhecia. Que eu procurava, e que nunca na vida desejei com tanta vontade ouvir.
Ergui os olhos e a vi. Ela estava com roupas que eu jamais a havia visto usar. Roupas vulgares, maquiagem pesada e um rosto triste. Embora as cores fortes em seu rosto fossem gritantes, não conseguiam tirar a atenção dos vários machucados que ela tinha na boca, em volta dos olhos e, descendo, por todas as partes do corpo, expostas pela saia indecentemente curta e pelo top quase transparente. 
Uma puta. 
Um objeto, com as marcas de todos os aluguéis ao longo do tempo. 
– Eu esperei por você, mas você não veio. Pensei que você fosse me proteger.
O cenário havia mudado, e agora existíamos só nós dois, ainda em nossas posições, enquanto todos os outros coadjuvantes haviam desaparecido. Fui tomado por uma esperança ao ver que podia caminhar até ela, mas minha alegria durou o tempo necessário para que eu me desse conta de que não conseguia me mover. Tentei falar alguma coisa, mas minha voz também não era audível.
Eu estava impotente, e só podia rezar para que ela pudesse ler meus pensamentos. Mas ela não podia. 
– Você disse que estaria por perto. 
Eu disse… Eu vou estar! 
– Você mentiu pra mim. 
Não menti, eu quero estar! 
– É sua culpa. Eu estou assim por sua culpa. 
Eu vou cuidar de você… Eu vou… 
– Não volte mais aqui. Não quero mais ver você, não quero mais falar com você. Finja que não me conhece, que eu nunca existi. 
Me desesperei, ainda preso no mesmo lugar, tentando por tudo quanto era mais sagrado gritar alguma coisa, qualquer coisa, mas minha voz não me obedecia. 
Ela não podia me jogar para fora da vida dela daquela maneira! Eu não podia ir! Ninha! Por favor… 
Ela se virou e caminhou lentamente para o corredor que dava para os quartos, e eu não pude fazer nada senão olhá-la ir embora. 
Por favor! Por favor… 
– Bruno?
Uma voz aveludada conhecida chamou meu nome, tirando-me lentamente daquele sonho. 
Abri os olhos e vi o rosto de Duda em frente ao meu, me encarando com curiosidade. Aos poucos, me dei conta da dor que sentia no pescoço, proveniente da péssima posição em que me encontrava, com a cabeça apoiada nos braços em cima da mesa de meu escritório. 
– Você cochilou. 
Levantei a cabeça lentamente, ciente que meus músculos gritavam em protesto. 
– Desculpe. Tive uma noite péssima. 
Lembrei-me da noite em questão. Depois de chegar em casa, tomei um banho e me deitei na cama, fazendo toda força que podia para não pensar no que tinha ouvido de Anne. 
Portanto, obviamente foi a única coisa na qual eu pensei durante a noite toda, o que me impediu de ter um sono normal. Eventualmente o início de um sonho começava a nebular minha mente, mas imediatamente era espantado pela lembrança da conversa que tivemos algumas horas antes, ou pela minha imaginação fértil que teimava em pintar, com os mínimos detalhes, o que me fora contado.
Como resultado, passei a noite inteira acordado.
– Você estava resmungando coisas - Duda começou, tentando soar sensível.
Fitei-a um pouco preocupado. Eu não sabia que murmurava enquanto dormia. 
– O que eu disse? 
– Um nome. 
Ótimo. Eu não precisava perguntar, sabia exatamente qual era. 
– Quem é Ninha? - Ela perguntou, ainda me encarando. 
– Ninguém. 
– Mentira. Você parecia preocupado demais pra ela não ser ninguém. - Ela disse com convicção, o que me fez lembrar o motivo pelo qual ela sempre ganhava todas as discussões que aconteciam entre nós. 
– Ok. Ela é uma amiga. Está com problemas. 
Duda me olhou com várias perguntas não ditas, mas que eu consegui captar. Era óbvio que coisas como 
“Quem diabos é essa mulher” e “Onde diabos você a conheceu” estavam passando pela cabeça dela, mas me permiti aproveitar sua santa discrição e ficar em silêncio, já que nada fora me perguntado. 
– Certo. - Ela enfim falou, depois de me analisar um pouco - Vou conhecê-la algum dia?
Essa era uma pergunta intrigante, porque eu não sabia a resposta. Se Duda conhecesse Anne e descobrisse o tipo de relação que eu mantinha com ela, tudo indicava que eu acabaria esfolado vivo.
Se elas se conhecessem e esse pequeno detalhe se mantivesse em segredo, eu tinha uma vaga impressão de que elas provavelmente se tornariam grandes amigas. 
A parte boa era que imaginá-las se dando bem me fazia sentir uma estranha e genuína alegria. A parte ruim era que eu nunca conseguia esconder algo de Duda por muito tempo. 
– Não sei. - Respondi me levantando, enquanto massageava o pescoço na tentativa de diminuir a dor. - Eu não estou legal… 
– Eu notei isso. Vá pra casa, sua aparência está horrível. 
– Não tenho reuniões hoje? - Perguntei, um pouco espantado. 
– Tem, mas eu vou cancelar. Você não está em condições… 
– Não, eu vou. 
Duda me encarou como se eu tivesse acabado de confessar que gostava de ideias nazistas. 
– Eu preciso ocupar minha cabeça com alguma coisa. - Tentei explicar antes que ela pensasse em me internar - Vai ser bom pra mim. Só preciso de um analgésico pro meu pescoço. Ela continuou a me encarar com desconfiança, e eu sabia o motivo. Eu nunca havia preferido ir a reuniões e discutir assuntos da empresa a ir para casa e não fazer nada. Na verdade, sempre foi um castigo exercer meu papel ali, por isso ela estava certa de que, qualquer que fosse o que me afligia, era bastante sério. 
– Você tem certeza? - Ela perguntou, um pouco preocupada.
– Tenho. Só preciso que você vá comigo. Quanto tempo temos antes da primeira reunião? 
– Será daqui a pouco menos de duas horas.
– Ótimo. Então podemos usar esse tempo para você me explicar do que se trata essa reunião. E, por favor, me explique coisas que eu nunca quis saber. 
A essa altura, eu já havia me acostumado com a expressão de surpresa de Duda. Saindo rapidamente de seu pequeno estado de choque, ela se retirou e voltou segundos depois com um copo de água e um analgésico. Agradeci, tomando o remédio oferecido, e fui sentar ao seu lado na poltrona que ficava no lado oposto à minha mesa. 
Eu não queria pensar em nada que me trouxesse dúvidas. Não queria pensar no sonho que tivera, ou de seu significado. Não queria pensar na intensidade do desespero que senti quando achei que eu tivesse que sair da vida dela, ou da tristeza que me dominou ao ouvi-la dizer que não me queria mais por perto. Não queria pensar nela, e em nada que fizesse me lembrar dela.
Não era pensar em Anne que me fazia mal, mas sim não entender o motivo da confusão de sensações em que eu me encontrava todas as vezes que ela aparecia na minha cabeça. 
De fato, pensar nela era bom. Era bom até demais para que fosse considerado saudável. No entanto, ela tinha um estranho poder de fazer com que eu tivesse dúvidas de tudo o que eu sentia depois que a conheci.
Como essa era uma questão que vinha me incomodando mais a cada dia, e como, ao tentar chegar à uma conclusão, eu falhava miseravelmente, decidi tentar não pensar nela, ou pensar o mínimo possível. Infelizmente meu objetivo não era alcançado quando não havia outra coisa com que ocupar minha cabeça, então eu precisaria de Duda nisso. 
Eu precisava de problemas que não exigissem absolutamente nada do meu lado emocional.
O dia ocorreu como esperado. Compareci a quatro reuniões importantes com Duda, e pela primeira vez pude tomar decisões nas quais eu não precisasse que ela interviesse só porque eu podia ter falado uma besteira ou duas.
Antes de cada uma das reuniões, ela me explicou o motivo das discussões, qual eram os objetivos dos clientes e os nossos. Foi até interessante notar que, de certa forma, o trabalho que eu teoricamente fazia por alguns anos não era monótono e desagradável como eu pensava ser, e tive que dar razão às especulações de Duda quando ela dizia que eu só não gostava do que fazia porque nunca havia tentado fazer direito. 
Senti-me um idiota perguntando-a sobre certas coisas que eu obviamente já deveria saber, mas pude contar com o profissionalismo e a amizade dela para esclarecer pontos importantes, até então, negligenciados.
Entretanto, nem meu empenho em não pensar em nada além dos assuntos relativos à empresa conseguiu fazer com que eu não lembrasse, duas ou três vezes, dela. 
– Estou orgulhosa de você. 
Encarei Duda um pouco atordoado, voltando de meus devaneios. Estávamos em minha sala, ela sentava em uma das cadeiras à frente da minha mesa, e eu ocupava meu lugar na poltrona preta de couro. 
– Ah… Obrigado. 
– Suas decisões foram boas. E eu nem precisei me meter. - Ela me encarava, sorrindo. 
– Bom… Acho que prestei mais atenção dessa vez. 
Ela continuou me fitando por algum tempo, então falou. 
– O que está acontecendo com você? 
– Por que está perguntando isso? 
– Porque você muda da água pro vinho de um dia pro outro. Eu chego aqui e te vejo deprimido e cansado do trabalho. No dia seguinte, seu olhar parece ter um brilho de alguém que acabou de descobrir que se apaixonou pela primeira vez. Então, mais um dia e você está a confusão em pessoa. Não sei o que você tem, e não sei quem está fazendo isso, mas você parece perdido. 
Encarei-a sem dizer nada. Eu não tinha o que dizer. Não tinha como justificar meu comportamento estranho durante aqueles dias. E ela estava certa, eu estava perdido. 
– No entanto, - ela interrompeu meus pensamentos - tem vezes que eu olho pra você e me parece que, pela primeira vez depois da sua grande fossa, você está começando a se encontrar outra vez. Que ironia, não é? 
– Minha vida é cheia de ironias, Duda.
Ela sorriu. 
– Tudo bem, Bruno. Não vou forçar a barra. Se e quando você quiser, venha conversar comigo. Eu sou ótima ouvinte, você sabe disso. Talvez eu possa te ajudar, se você me deixar tentar fazer isso. 
Duda se levantou e caminhou elegantemente até a porta. 
– Ah, - disse, se virando novamente para me encarar - amanhã você tem outra festa. Eu te disse isso hoje, mas é sempre bom lembrar. Seria bom se você fosse, mas se realmente não quiser ir… 
– Eu vou. - Apressei-me em falar, antes que pudesse pensar no fato de que eu realmente não queria ir, e de que preferiria estar em um outro lugar amanhã a noite. 
– Tudo bem. Vá pra casa dormir, seus olhos estão péssimos.
Deviam estar. Eu estava péssimo, e temia que o caos que se formava dentro de mim tomasse proporções maiores. Por isso, tão rápido quanto admiti que não era a minha vontade, eu tomei a decisão de deixar minhas necessidades de lado e realmente ir para casa. 
A minha, não a de Rayana.
Acordei na manhã seguinte reinado por um forte mau humor, parte porque eu sabia que meu dia não seria bom, e parte pela noite novamente mal dormida. Despertei algumas vezes de madrugada por culpa de sonhos ruins, e todos eles contavam com a ilustre presença dela. Sonhei com um Pedro sem rosto, que batia tanto nela que a deixava desacordada. 
Outro sonho consistia em uma realidade paralela onde ela parecia não me conhecer, e um terceiro consistia em nós dois fazendo sexo selvagem, na minha cama.
Os três sonhos, de uma forma ou de outra, me apavoraram.
Para minha infelicidade, não tive que comparecer a muitas reuniões ao longo do dia. O que antes era um castigo, agora se mostrava uma forma eficiente de manter meus “fantasmas” um pouco afastados de mim. Ao invés disso, fiquei o dia praticamente todo sentado à minha mesa, lendo e relendo contratos.
Infelizmente, pude constatar que era muito fácil perder o fio de pensamento com simples leituras. 
Por isso, obriguei Duda a ficar do meu lado o dia inteiro, lendo comigo os papéis. Dessa forma, quando sua perspicácia a avisava de que minha cabeça estava muito além das linhas dos contratos à nossa frente, ela me chamava novamente à realidade.
Entretanto, nada disso me distraía do fato de que estava cada vez mais difícil não pensar nela. Conforme o tempo que eu me recusava a lembrar de sua presença aumentava, maior era a dificuldade em não deixá-la invadir minha mente repentinamente.
Eu não poderia fugir dela por muito tempo, e isso estava ficando cada vez mais claro. 
Às 18h fui para casa tomar um banho e me arrumar para a festa a qual iria comparecer. Não tinha como objetivo fechar contratos, mas aparentemente, minha presença era algo importante, segundo Duda me dissera. Dessa forma, em pouco mais de meia hora eu já estava pronto, ainda me perguntando qual seria a melhor opção: sair assim que minha cota de presença fosse suficiente, me livrando daquele castigo o quanto antes, ou permanecer na festa o maior tempo possível, evitando que eu fosse parar em um lugar que eu queria ir, mas que estava tentando não querer. 
Rumei para meu Volvo trajando roupas menos formais do que as que estava acostumado a usar, e pouco tempo depois foi recepcionado por pessoas que eu tinha certeza que nunca havia visto na vida, mas que mesmo assim me chamavam pelo primeiro nome. 
A casa era luxuosa, como todos os lugares em que festas daquele tipo aconteciam. Grande parte das paredes eram de vidro, dando um estilo clean ao ambiente. No fundo, um jazz sem graça tocava, me dando sono e me fazendo lembrar de como odiava o som de saxofones. 
Mulheres em vestidos curtos, decotados e caros passeavam entre os convidados sem nenhum objetivo aparente, bebendo taças de champagne e rindo de piadas idiotas proferidas por velhos ricos e abusados.
Graças a Deus, não demorei a encontrar Duda. 
Corri para seu lado, decidindo que faria o possível para me sentir à vontade e me divertir naquele lugar. 
– Uau, você está um gato!
pessoas, Duda. - Falei, recebendo um sorriso dela em resposta. 
– Algumas pessoas daqui querem te conhecer. Que tal fazer novas amizades? - Ela falou, com um sorriso debochado. 
– Não seja falsa. 
– Vamos lá, eles não são tão ruins.
Pouco tempo depois, fomos convidados a sentar em uma grande mesa redonda onde homens e mulheres discutiam sobre negócios, e imediatamente me perguntei se, caso eu puxasse algum assunto aleatório, como futebol ou música, conseguiríamos manter uma discussão normal. Aparentemente, tudo o que aquelas pessoas pensavam era relacionado a dinheiro, e me senti um pouco mesquinho por tentar entrar no assunto. 
Aceitei uma dose de whisky oferecida pelo garçom. Duda me olhou feio, mas não me parou. 
– Então, Bruno… - Uma mulher de meia idade começou, já bêbada, olhando para mim e me tirando de meus devaneios - Onde está a senhora Coolin? 
Duda pareceu se mexer um pouco em sua cadeira ao meu lado, um pouco desconfortável com aquele assunto. Provavelmente tinha medo que a simples menção àquele assunto me traria toda a depressão pela qual eu consegui passar. Olhei para ela com uma expressão serena, tentando informá-la que eu não me importava em falar sobre aquilo. 
– Não sou casado. 
Ela pareceu espantada. 
– E por que não? Não quer formar uma família? 
– Quero! - Falei imediatamente, e me surpreendi com a verdade em minhas palavras. 
Eu nunca havia sido de pensar muito nisso, mas agora que a questão havia sido colocada à minha frente, pude constatar que a verdade em minha afirmação era incontestável. - Só não achei uma moça ainda. 
Uma amiga da mulher que conversava comigo, também bêbada, se juntou à conversa. 
– Querido, acredite, você pode ter a mulher que quiser. 
– Não acho que possa. - Disse, sorrindo - Quem sabe um dia… 
– Ah, pode sim. - A primeira mulher interrompeu - Olhe só pro seu “pacote”. 
– É mesmo. O pacote completo! 
– Quero dizer, - ela continuou - Você é o dono das Empresas Coolin, não é? 
– Não… Meu pai é, eu só dirijo uma das filiais… 
– Já é dinheiro o suficiente. Filho do dono, vai morrer rico. 
– Sem contar que você é uma pedaço de mau caminho. - A outra interrompeu, piscando para mim. 
– Sabem, - comecei, um pouco mais sentido do que deveria - Eu sou legal também. Sou uma pessoa bacana. 
Tentei buscar algum apoio de Duda, mas a essa altura ela já estava absorta em uma conversa com o casal ao seu lado. 
– Claro, claro. - Uma delas disse, não dando a menor importância para minhas palavras - Mas o fato é que qualquer mulher se atiraria aos seus pés. Você só precisa dar a ela um cartão de crédito. 
– O quê? - Perguntei, incrédulo. 
– Olha ali. Está vendo aquele homem de camisa verde, com aquela vadiazinha? 
Olhei para a direção que seu dedo apontava, e vi um homem de meia idade conversando com uma garota que poderia ser sua filha, com um vestido extremamente justo e sorrindo de orelha a orelha para o homem, enquanto dava soquinhos do tipo “fazendo-charme” em seu ombro. O homem retribuía o sorriso, olhando-a com mais fome do que o adequado em um local público.
– Estou. 
– Pois é. Ele é o meu marido. 
Olhei espantado para a mulher. 
– Você não vai fazer nada? 
As duas mulheres se olharam e, um segundo depois, começaram a gargalhar. 
– E por que eu faria? 
Pensei em explicá-la que aquela garota estava dando em cima de seu marido, e pelo que tudo indicava, o homem não estava exatamente lutando contra a sedução. Mas então entendi que, embora bêbada, a mulher tinha total noção disso. 
– Eu tenho tudo o que quero dele. - Ela disse, chegando um pouco mais perto de mim. - Compareço a eventos sociais ao seu lado para que pareçamos um casal. Ele paga meus vestidos, meus sapatos e meu cabeleireiro. Aproveito viagens maravilhosas em cruzeiros pelo menos quatro vezes por ano. Tudo o que tenho que fazer é fingir que não vejo aquilo. 
– É uma troca justa. - A outra finalizou, dando um sorrisinho e estalando os dedos para o garçom que passava perto da nossa mesa, trazendo bebidas. 
– Como mulher, estou lhe dizendo. Você pode ter as mulheres que quiser. Não é difícil achar alguém que banque ser sua esposa. Assim você ganha credibilidade e respeito, e mesmo assim pode viver sua vida, digamos, “alternativa”, sem pagar nada por isso. 
– Só que sua esposa não pode ser ciumenta, - Começou a outra - Com um homem rico e bonito pra cuidar, temos que admitir que a concorrência aumenta bastante. Até porque uma aliança no dedo torna um homem muito mais interessante de se conquistar. 
As duas piscaram para mim em sincronia, então fiquei encarando as mulheres com uma cara que, eu sabia, beirava ao ridículo.
Não sabia se estava muito chocado para dizer alguma coisa ou irritado a ponto de quase mandá-las irem ao inferno, mas qual fosse o caso, eu não conseguia mais ficar ali.
– Com licença. - Falei, ficando de pé e dando as costas para a mesa, alcançando outra dose de whisky da bandeja de um dos garçons que passava por ali. 
Caminhei em direção ao bar, eu e minha indignação, então sentei em um dos bancos altos e bebi, de uma vez, minha dose de whisky.
Eu me recusava a aceitar que minha vida fosse se transformar nisso. Era difícil aceitar que nada fosse ser minimamente verdadeiro, e estar cercado por toda aquela falsidade e interesse só fazia com que eu me sentisse cada vez mais diminuído e menos valorizado. 
Na verdade, tudo o que acabara de ser dito não chegava a ser uma total surpresa. Eu tinha conhecimento de casos assim, onde um casamento se sustentava só por sua aparência, mas ter a confirmação desse tipo de coisa, com tanta veemência e de uma forma como se parecesse algo tão banal, não estava nos meus planos. 
Bebi minha terceira dose de whisky, seguida de mais quatro doses. 
Uma garota tentou puxar assunto comigo, perguntando se eu era “o” Bruno Coolin, mas não lhe dei muita atenção. Tentei me manter escondido, não querendo que ninguém me reconhecesse e viesse falar sobre coisas estúpidas. 
Eu não estava no meu melhor humor, e tinha a impressão que acabaria mandando alguém ir à merda aquela noite.
Eu era um objeto. No final das contas, todos éramos objetos. 
Eu era um objeto, assim como ela. 
Pronto. Toda minha cautela durante aqueles dois dias tinha ido por água abaixo. Agora eu me permitia lembrar de Anne claramente, nos pequenos detalhes, e não tentava segurar a vontade que tinha de pensar nela cada vez mais. Eu tinha minhas certezas de que o álcool me ajudava nessa tarefa, me deixando perigosamente vulnerável àquela lembrança.
Tracei uma linha de semelhança entre mim e ela, sentindo um pouco de sua amargura me tomar. Nós dois éramos objetos, nós dois éramos usados. Assim como os clientes dela, as mulheres que se aproximavam de mim tinham um interesse, algo que não levava em consideração o que eu era, ou como eu me esforçava para ser alguém melhor. 
À minha volta, o jazz insuportavelmente lento e monótono continuava tocando, enquanto mulheres fúteis ainda riam das mesmas piadas sem graça, contadas pelos mesmos homens de meia idade infelizes e promíscuos. 
Os garçons pareciam ser as únicas pessoas com quem eu ainda mantinha um pouco de simpatia àquela altura, mas nem eles poderiam me fazer ficar agora. 
– Bruno! 
Duda me encontrara. Ela veria meu estado e me daria uma bronca, começando um discurso sobre minhas responsabilidades e o papel “Coolin” que eu deveria desempenhar. 
Mas que se foda. 
– O que está fazendo aqui? Procurei você por todos os lugares! 
– Vim beber. 
– Eu não acredito que você… 
– Duda, - comecei, levantando uma mão para interrompê-la - Por favor. Me deixe em paz. Por favor. 
Algo no tom da minha voz pareceu alertá-la que talvez eu estivesse falando sério. 
– O que aconteceu? - Ela perguntou, sentando-se no banco alto ao meu lado e tocando meu ombro esquerdo.
– Não aguento isso. Essas pessoas… É tudo tão artificial, tão superficial… 
Ela continuava me encarando, obviamente não entendendo do que se tratava minha repentina depressão. 
– Eu vou embora daqui, antes que enlouqueça. - Tirei as chaves do carro de dentro do bolso e entreguei a ela. - Pode cuidar dele pra mim? Não estou em condições. 
– Tudo bem. Por favor, se cuide. Tente dormir, esquecer o que quer que esteja pensando. 
– Duda, eu não vou pra casa. 
Tive que dizer a verdade para ela. Parte porque o álcool me forçou, mas também porque eu não via motivos para mentir naquele momento. 
Duda me encarou por mais algum tempo, mas sua discrição sempre fora maior que sua curiosidade. Ela não sabia para onde eu iria, ou com quem eu iria me encontrar, mas era o suficiente saber que não cabia a ela me fazer perguntas potencialmente indiscretas. 
– Certo. Você sabe o que está fazendo? - Ela perguntou, preocupada. 
– Não. - Admiti - Mas, no momento, esse é o melhor lugar em que eu posso estar. 
Levantei-me, terminando o oitavo copo de whisky, e caminhei para a saída. Ouvi ao longe algumas pessoas mencionando meu nome, mas não estava com disposição para conferir do que se tratava. E, afinal, não devia ser importante mesmo.
Usei meu celular para informar à companhia de táxi o lugar onde o motorista deveria vir me buscar. Depois de cinco longos minutos, um amarelo vivo parava à minha frente. 
Entrei, batendo a porta com um pouco de força, e então recitei o endereço de destino.

De repente, Amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora