Bruno's POV
Joguei o celular no colchão e voltei ao meu estado catatônico. Anne me encarava de volta, com os olhos e nariz vermelhos do choro. Instintivamente, olhei para sua barriga, que estava escondida pelo casaco fofo do moletom, mas que eu sabia estar ainda perfeitamente lisa. Ela notou e, por algum motivo - ou talvez agindo por instinto também - colocou a mão na barriga.
– Você está… Grávida… - Estendi minha mão e toquei em um lugar muito próximo de onde a mão dela estava. Aquilo não foi uma pergunta, mas também não soou como uma afirmação.
Não era nada em particular: Apenas eu, tentando ficar totalmente consciente dos fatos. Como se falar aquilo em voz alta surtisse algum efeito.
– Estou… - Ela respondeu em uma voz muito baixa, quase envergonhada.
Sim, ela estava grávida. Do meu filho. Nosso filho. Afaguei gentilmente o tecido do casaco, com um medo irracional de empregar muita força ali.
– Há quanto tempo…
– Dois meses. - Ela respondeu, com uma voz um pouco mais segura.
Dois meses. Eu era pai havia dois meses.
Sentei mais perto dela. Tive a impressão de ver Anne recuar um pouco, mas devia ser apenas impressão. Encarei seus olhos outra vez, e instantaneamente veio à minha cabeça a imagem de um bebê perfeito com aqueles mesmíssimos olhos de chocolate. Acho que sorri.
– Eu não sei como isso aconteceu… - Anne começou, e imediatamente depois de ouvir aquilo, fui subitamente tomado pela lembrança de um detalhe esquecido havia algum tempo.
– Eu sei. - Falei calmamente, simplesmente por falar. Anne e Duda - cuja presença ali eu esquecia com frequência - me encararam como se eu fosse alguma aberração. Olhei de volta para elas, enquanto meus pensamentos voltavam um pouco no tempo, confirmando os exatos dois meses de gravidez de Anne.
– A primeira noite que ficamos juntos…
– Nós usamos camisinha. - Ela me interrompeu, parecendo querer que seu contra-argumento fosse o suficiente.
– Eu sei… - Continuei - Mas aquela noite… Foi você quem abriu a embalagem do preservativo.
Anne continuou me olhando como se implorasse para que eu desenvolvesse minha linha de raciocínio.
– E o que tem isso? - Ela perguntou.
– Você estava tremendo um pouco… Não conseguia rasgar o plástico…
– E? - Dessa vez foi Duda quem se pronunciou, usando o tom que ela costumava usar quando queria me agredir fisicamente.
– “E” que… - Recomecei, olhando para Anne outra vez - Você rasgou a embalagem com os dentes.
As duas ficaram em silêncio, processando a informação, ainda me encarando. Após algum tempo, Duda havia entendido, mas Anne continuava em silêncio, agora com o olhar desfocado. Como não tinha certeza se ela havia chegado à conclusão que eu queria que chegasse, resolvi terminar meu argumento, em um tom de voz tão homogêneo e calmo que me fazia parecer alguém à base de calmantes fortes.
– Você deve ter mordido a camisinha e furado a borracha. Quando fui jogar no lixo, notei que estava pingando, mas no calor do momento, não dei importância.
Ela continuou me encarando, sem nenhuma reação. Eu esperei, voltando a acariciar o moletom na altura da barriga, me permitindo agora fazer realmente alguma pressão e encostar no corpo dela. Meu filho estava ali. Nosso filho.
– Eu estou grávida desde o primeiro dia… Desde o primeiro dia que ficamos juntos?
Encarei seu rosto outra vez. Anne parecia em algum tipo de choque, o que poderia me deixar em pânico caso eu mesmo não estivesse em um também.
– Acho que sim… - Consegui responder, puxando um pouco para cima o pano e tocando diretamente em sua pele agora, distraído demais para prestar atenção em qualquer outra coisa.
– Então… - Ela falou, tão de repente que me assustei - Quer dizer que a culpa foi mesmo minha…
Culpa? Ninguém tinha culpa de nada, porque “culpa” era um termo usado em situações onde algo ruim estava em questão.
E a única coisa em questão, naquele momento, era o meu filho. O nosso filho.
"Culpa" não se encaixava naquela conversa, de forma alguma.
– Bruno? - Ouvi Duda me chamar, mas não me virei. Eu parecia hipnotizado por aquela barriga.
– Sim. - Respondi, sem me mover.
– Você está bem?
“Bem” era um pouco vago. Eu não estava “bem”. “Bem” não dizia tudo que eu sentia. Não dizia tudo que estava dentro de mim. Era uma palavra muito simples, muito pobre para descrever meu estado naquele momento. Eu não estava “bem”. Estava em choque. Em êxtase. Estava tentando conter o turbilhão de coisas no meu peito, tentando conter o grito, tentando conter as lágrimas. Estava tentando ficar calmo, tentando recuperar o fôlego e o movimento das pernas. Estava tentando recuperar o controle das batidas do meu coração.
– Estou, Duda. Estou muito bem.
Minha voz continuava calma e baixa. Como um perfeito psicopata traçando seus planos mais minuciosos. O quarto mergulhou no silêncio outra vez. Eu queria levantar os olhos e encarar Anne, mas não conseguia.
Fui me sentar ainda mais perto dela. Estávamos tão próximos agora que eu poderia apoiar minha testa em seu ombro, mas mesmo assim não desviei o olhar de sua barriga. Espalmei a mão ali, tentando inutilmente sentir alguma coisa. Ainda assim, a simples sensação de estar o mais próximo possível daquela criança me fazia bem.
– Ótimo. Vou deixar vocês a sós então. Não se preocupem, eu sei onde fica a saída.
– Duda… Obrigada por tudo. Mesmo. - Ouvi Anne falar.
– Não seja boba, eu não fiz nada. Amanhã ligo pra você pra trocarmos algumas informações.
– Ok… E desculpe te fazer ficar…
– Sem problemas. Eu sabia que não ia ter muito trabalho aqui, de qualquer forma. Até mais.
– Até mais…
Ouvi aquele pequeno diálogo, mas não processei palavra alguma. Eu não estava realmente prestando atenção. Talvez mais coisas tivessem sido ditas entre uma resposta e outra, mas eu não saberia dizer. Não me importava.
O quarto ficou em silêncio outra vez. Por um longo tempo. Experimentei aquela sensação de paz enquanto repassava na minha cabeça, pela centésima vez, a frase que havia me feito ficar naquele estado.
“Eu estou grávida”. Anne estava grávida. Do meu filho.
– Acho que é uma menina.
A voz dela quebrou o silêncio, e por algum motivo aquilo me fez despertar. Encarei-a sem conseguir fazer nada - talvez esperando que ela me dissesse como agir -, perguntando silenciosamente por que ela achava aquilo.
– Intuição. - Ela respondeu ao meu pensamento, e sorriu de forma tímida, quase culpada. Admirei aquele sorriso por algum tempo, sem dizer uma palavra. Fui atraído por aqueles olhos como algum tipo de ímã, já me sentindo completamente entregue a eles.
Subitamente entendi que a mulher à minha frente era, sem a menor sombra de dúvidas, a mulher da minha vida. Não que isso nunca tivesse me atingido em cheio, mas naquele momento eu morreria por essa verdade. Ela era a pessoa mais importante da minha vida. Ela me daria um filho.
Sorri de volta, encostando minha testa na dela e sentindo minha garganta apertar. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas as palavras pareciam feitas de gesso. De repente - não porque eu não esperasse, mas sim porque pareceu ser rápido demais -, duas lágrimas caíram dos meus olhos. Anne se apressou em limpar as duas, mas não seria tão fácil assim. Não era um momento de descontrole passageiro. Era uma emoção genuína, uma emoção tão forte que meu peito parecia prestes a explodir. E então, tudo que precisei foram alguns segundos até que estivesse literalmente soluçando, chorando compulsivamente como uma criança nos braços dela, ferindo todo meu orgulho masculino. E eu não conseguia dar a mais remota importância a isso.
Abracei-a de forma delicada, com um medo idiota de apertar muito seu corpo. Escondi o rosto no pescoço dela e deixei que as lágrimas simplesmente escorressem, sem a menor intenção de impedi-las. Seus braços pequenos me envolveram como uma mãe abraça um filho crescido, me embalando e tentando me acalmar. Por um segundo, temi estar assustando-a com meu descontrole, mas não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer. Eu seria pai. Graças a ela.
– Eu amo você. - Consegui falar contra seus cabelos, lutando contra o choro e os soluços que me interrompiam em quase cada sílaba - Obrigado por me fazer sentir uma alegria que nunca imaginei poder sentir. Obrigado por voltar pra minha vida e marcá-la dessa forma. Eu amo você…
Beijei seu pescoço suavemente, querendo apenas sentir a pele dela contra meus lábios. Seus dedos se enrolaram nos fios do meu cabelo como ela sempre fazia, e isso foi o suficiente para me fazer sorrir, mesmo em meio às lágrimas. Porque eu sabia que ela faria isso. Porque eu a conhecia. Porque ela era minha, e tinha me dado a chance de ser dela da mesma forma.
– Eu também te amo… - Ela sussurrou no meu ouvido, e senti minha garganta apertar outra vez. Eu conseguia amá-la ainda mais. Agora em dobro. A partir daquele momento, não só tendo a certeza que minha vida toda dependia dela, mas também da criança que estava ali. E então, de repente, Anne se tornou algo tão absurdamente precioso que me senti vulnerável. Absolutamente NADA poderia acontecer a ela. De nenhuma forma. Em nenhuma circunstância. Não por simplesmente carregar meu filho, mas porque ela havia se tornado, de uma forma irreversível e irrefutável, a pessoa que tinha o papel mais forte na minha vida. Ela era a mãe do meu filho. Isso era imenso. Ela era minha. Ela me daria um bebê, e por mais que eu repetisse exaustivamente essas verdades dentro da minha cabeça, elas não perdiam o valor.
Funguei contra seu pescoço, tentando voltar ao normal. Fiquei por algum tempo parado, ainda abraçando Anne de forma suave. O simples fato de conseguir parar de tremer fez com que eu me sentisse melhor.
– O que mais sua intuição diz? - Perguntei, abafando o som da minha voz na pele dela.
– Que ela vai ter os seus olhos. - Ela respondeu, fazendo algum tipo de contorcionismo e conseguindo tirar meus sapatos, abrindo as pernas e me permitindo me aconchegar entre elas.
– Ah, não!
Ela riu baixo da minha decepção. Os olhos de Anne eram perfeitos demais para que só existisse um par deles no mundo. Seria maravilhoso que aquela criança trouxesse aqueles olhos de chocolate com ela, arrancando de mim um sorriso em cada momento que eu os encarasse também. Mas tudo bem. Era só uma intuição. Ela poderia errar.
Suas mãos continuavam em meus cabelos, praticamente me ninando. Então, pela primeira vez depois que recebi a notícia da gravidez, percebi que o dia abarrotado de afazeres sem Duda ao meu lado havia me deixado exausto.
Agradeci silenciosamente por estarmos em uma sexta-feira. Me mexi, me sentindo um pouco desconfortável por estar colocando todo o meu peso em cima do corpo de Anne.
Talvez eu estivesse exagerando no final das contas, mas como pai de primeira viagem, eu tinha o direito de ser idiota.
– Não se preocupe. - Ela falou, me puxando novamente para perto dela enquanto eu tentava apoiar meu peso em outro ponto.
Me perguntei se a gravidez estaria fazendo com que ela desenvolvesse o estranho dom de ler minha mente. No final, ainda de terno e gravata, me entreguei ao cansaço e aos dedos dela no meu couro cabeludo.
Sonhei com uma menina linda de olhos castanhos misteriosos, sardas claras e cabelos lisos.
Sonhei com a minha filha.
Sonhei com a miniatura perfeita de Anne.
E se isso fosse possível, eu tinha certeza que havia passado aquela noite inteira sorrindo inconscientemente.
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De repente, Amor.
Romance"Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como havia de ser, os do...