Capítulo 10

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Capítulo do Bruno sendo fofo mais uma vez. Por favor comentem e conversem comigo pra eu saber o que estão achando do livro. Boa leitura amores!!!

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Bruno's POV

No dia seguinte, cheguei na Casa por volta das 21h, quando uma música agradável e sensual tocava não muito alto, proporcionando o ambiente caloroso que eu procurava sempre que ia lá. Passei por alguns casais que já aproveitavam a noite, sem o menor pudor, enquanto se atracavam nos cantos, finalmente chegando no bar e pedindo minha já habitual dose de whisky. 
Olhei em volta procurando um rosto conhecido, e depois de algum tempo, quando não pude achá-lo, relaxei um pouco. Anne não deveria estar naquele ambiente, porque se estivesse, os homens presentes achariam que ela estava livre. E ela não estava, porque eu providenciei isso. Muito bem providenciado. 
– Olá, querido.
Virei-me e encarei Rayana, com um sorriso um pouco forçado. 
– Olá. 
– Anne está no quarto dela, se você a está procurando. 
– Imaginei que ela estivesse lá - Respondi, dando um último gole em minha bebida e agradecendo a menina do bar que veio retirar o copo. 
– Bruno - Rayana segurou levemente meu braço, me olhando com mais significado do que o normal. O sorriso forçado não estava mais em seu rosto. 
– Posso te dar um conselho? 
– Sim? - Falei, um pouco surpreso com a intensidade de sua atitude. 
– Tome cuidado. 
Fitei-a por algum tempo, sem entender muito bem o que aquilo significava. Como se ela pudesse ler meus pensamentos, completou.
– Não a torne muito especial. 
Ainda não entendia muito bem o motivo daquilo, mas mesmo assim senti a necessidade de me defender. 
– Não estou tornando-a especial. 
– Não seja bobo. É óbvio que está. 
– Ela é uma boa amiga. 
Rayana me observou, sem falar nada. Depois de segundos, voltando do que parecia uma análise interna sobre mim, ela tornou a falar, se afastando logo em seguida. 
– É um conselho, meu caro. 
Fiquei imóvel, vendo-a caminhar para longe de mim, enquanto voltava a sorrir para alguns dos homens que brincavam com ela.
Fiquei pensando em que ocasião manter uma amizade com uma das garotas da Casa prejudicaria alguém. Não seria o caso para mim, já que eu realmente gostava da companhia dela. Não seria o caso de Anne, porque, até onde eu sabia, ela também gostava de minha companhia, se eu fosse tomar suas próprias palavras como indicação disso. Também não seria o caso de Rayana, porque nada do que se passava entre nós atrapalharia seus negócios.
Caminhei para as escadas que davam para o corredor dos quartos das meninas, enquanto ainda tentava entender o “conselho” que Rayana acabara de me dar. Não sei o quanto aquilo tudo afetava a ela, mas eu esperava que não afetasse o suficiente para que ela se sentisse no direito de interferir no relacionamento que Anne e eu tínhamos agora. Se ela tentasse fazer isso, nós teríamos problemas.
Cheguei à porta de seu quarto e bati, esperando por uma resposta. Uma voz abafada saiu de lá de dentro, me pedindo para que entrasse, então o fiz. 
Anne estava sentada na cama, com as costas apoiadas na cabeceira, segurando um livro agora fechado que eu identifiquei como sendo o mesmo livro que ela estava lendo há algum tempo. Vestia um short vermelho confortável e um moletom preto, tão grande nela que parecia pertencer a alguém três vezes maior. 
Ela me encarou com um sorriso largo e verdadeiro, tão lindo que eu tive que retribuí-lo. 
– Olá - Comecei, fechando a porta atrás de mim e caminhando até ela. - Desculpa interromper sua leitura. 
– Ah, tudo bem. Eu estou lendo o dia inteiro, é bom parar de vez em quando.
Ela colocou o livro em cima do criado mudo ao seu lado, voltando para mim ainda com aquele sorriso. Não consegui desprender os olhos dela, ficando em silêncio por algum tempo enquanto admirava a luz que sua aparente alegria conseguia emanar. 
– Está contente? - Consegui dizer, saindo um pouco do transe e indo me sentar ao seu lado na cama de casal, depois de tirar os sapatos.
– Ah, você não sabe como é bom não ter que descer. 
Sorri por saber que ela estava mesmo feliz, e me senti bem em saber que fora meu ato que havia feito com que ela pudesse dar aquele sorriso. 
– Caramba, você fica mesmo mais bonita sorrindo - Eu disse, enquanto tentava afrouxar e tirar minha gravata sem desfazer o nó. 
– Bom, eu tenho motivos pra ficar contente. Quer que eu te ajude? 
Sem esperar pela minha resposta, ela já me ajudava a afrouxar mais a gravata, e meu instinto achou melhor agir imediatamente.
– Não senhora. Eu sei bem o que as suas mãos e essa sua carinha de inocente são capazes de fazer - Falei em tom de brincadeira, enquanto afastava suas mãos de mim. 
– Ei, só estou sendo gentil! - Ela falou, fingindo estar magoada. 
– Seja gentil sem encostar em mim, sua provocadorazinha. 
Anne fez uma careta e cruzou os braços no peito, ainda sorrindo. 
– Então, o que pretende fazer comigo essa noite, bonitão? 
– Podemos fazer uma infinidade de coisas. Por exemplo, estudar a Revolução Russa. 
Ela riu, uma pequena gargalhada, e o som levemente rouco e fofo fez com que eu sorrisse de novo. Eu tinha que me lembrar de deixá-la alegre com mais freqüência, porque sua alegria era adorável. 
– Você é algum tipo de historiador? 
– Não. Sou diretor de uma empresa de publicidade. 
– Bacana. - Ela disse, sem muito entusiasmo. 
– É bem chato, pra dizer a verdade. Tudo que eu faço é seguir as ordens da minha secretária. 
Ela pareceu confusa.
– Você é o chefe e segue as ordens da secretária? 
– Ela entende da coisa muito melhor que eu. Eu só estou lá pra assinar papéis. Meu nome tem peso, já que eu sou o filho do dono das Empresas de Publicidade Coolin. 
Anne me encarava com os olhos atentos e a boca levemente aberta em um “o” quase perfeito, parecendo um peixinho fora d’água. Me segurei para não rir de sua expressão engraçada. 
– É por isso que você tem dinheiro. 
– É. 
– Deve ser bom ser rico. - Ela falou com um suspiro, tirando os olhos de mim e voltando-se para frente. - Ser importante, morar bem, ter tudo o que quiser… 
– Eu pareço ter tudo o que quero pra você? - Perguntei um pouco mais seco do que gostaria, e o tom de minha voz fez com que ela olhasse para mim outra vez, um pouco espantada. 
– Ahm… Não.
– Pois é. É porque eu não tenho. 
– Bem… O que te falta?
Ela perguntou, e eu pude ver em seus olhos que ela estava realmente interessada na resposta.
– Não sei. Um sopro de vida, talvez - Falei, rindo baixo sem motivo nenhum.
Anne continuou me encarando, como se não entendesse. 
– Minha vida social é uma desgraça. Eu não tenho amigos, não tenho pessoas próximas a mim. Isso às vezes faz falta. Eu queria alguém pra conversar, alguém que não fosse Duda. Mesmo porque ela já está de saco cheio das minhas lamentações. 
– Ah… E quem é Duda? 
– Minha secretária. E psicóloga nas horas vagas. Eu devo muito a ela. Muito do pouco da minha sanidade restante. Na verdade, acho que ela é a única pessoa do meio em que eu convivo de quem eu não tenho medo. 
– Ela parece legal. 
– Ela é um… anjo. - Respondi, me dando conta de que talvez fosse isso mesmo que Duda era. Um anjo. Não era uma hipótese absurda, visto que ela estava sempre me ajudando, sempre me dando os conselhos mais sábios e sempre se preocupando comigo quando os outros não davam a mínima importância para mim. Talvez ela fosse o meu anjo da guarda, no final das contas. 
Pela minha visão periférica, pude notar que Anne me encarava com curiosidade, ainda de braços cruzados. 
– Foi ela que fez aquilo em você? 
– Aquilo o quê? 
– Aquelas marcas no seu pescoço.
– Duda? - Não consegui me conter e soltei uma gargalhada alta e divertida, o que pareceu incomodá-la. 
– Qual é a graça? Não vai me responder? 
– Não, não foi ela, Duda é só minha amiga. Mesmo. Ela é mais velha.
– Mais velha, tipo, quanto?
– Mais velha uns bons anos. Tipo uns 10.
– Seus olhos brilharam quando você falou dela. - Ela retrucou, ainda um pouco chateada. 
– Quando eu digo que devo muito a ela, você não sabe o quanto. 
Ficamos nos encarando por algum tempo, e seu olhar dizia para que eu prosseguisse.
Pensei se era mesmo apropriado contar um pouco da minha vida para ela. Depois de algum tempo, cheguei à conclusão de que não seria tão difícil me abrir com aquela garota quando era com os outros. 
– Quando eu tinha 21 anos, estava me preparando pra ser o diretor de uma das filiais das empresas do meu pai. Eu tinha dinheiro, amigos, namorada. Tudo parecia ir muito bem na minha vida. E eu devia mesmo ter desconfiado que tudo estava indo até bem demais. Eu era apaixonado por Lauren, muito apaixonado. Eu não me importava com as coisas que ela me pedia, ou como às vezes parecia não estar feliz comigo. Na verdade, acho que estava cego de amores por ela, então tudo o que eu mais queria era ficar do lado dela pelo resto da vida. Mimei-a e a exaltei de todas as formas possíveis. Comprei carro, jóias, o diabo para aquela mulher. Eu simplesmente confiava nela, e nunca me passou pela cabeça que um dia ela pudesse fazer alguma coisa que me magoasse. Resumindo, eu era um imbecil. Então foi bem feito que eu tenha me decepcionado. No dia em que eu ia pedi-la em casamento, descobri que ela havia ido embora com meu melhor amigo. Mais do que isso, descobri por outras pessoas que os dois tinham um caso antigo, o que provavelmente durou todo o tempo em que nós estivemos juntos. Não preciso dizer que me senti um palhaço. Qualquer um que fosse um pouco mais confiante e menos idiota que eu iria atrás dos dois e talvez cometesse uma loucura por orgulho. Mas eu resolvi me trancar dentro de casa e ignorar o mundo. Me afastei de todos que conhecia, porque se ninguém tinha sido capaz de me dizer toda a sujeira que acontecia debaixo do meu nariz, então me senti no direito de pensar que fui traído por eles também. Perdi meu melhor amigo, minha futura esposa, e a vontade de tentar outra vez ter uma chance em algum relacionamento. Na verdade, nem foi difícil me tornar uma pessoa sozinha. Depois desse pesadelo, comecei a beber demais e a tratar os outros como lixo. Obviamente ninguém estava disposto a me aguentar no auge das minhas crises existenciais, com uma exceção. Essa exceção era Duda. Então ela ficou do meu lado durante muito tempo, cuidando de mim. Me tratou bem, e eu sequer merecia isso. Ela me aconselhou a tomar juízo, procurou programas de reabilitação e me obrigou a voltar para o trabalho, porque segundo ela, eu deveria ocupar minha cabeça para esquecer os meus problemas. Por isso, até hoje, eu devo demais a ela. 
Anne e eu ficamos em silêncio por alguns segundos, enquanto ela me encarava novamente com a cara de peixinho dourado. Eu também olhava para ela, surpreso em notar a forma seca e sem emoção que escolhi para contar aquela história. Era bom saber que aquilo não despertava em mim a tristeza e o desespero que já foi capaz de despertar um dia, e poder contar aquilo para alguém além de Duda fazia com que eu realmente me sentisse algumas toneladas mais leve.
– Desculpe… - Ela começou, fechando os olhos e sacudindo a cabeça devagar - Deixe ver se eu entendi: Essa mulher tinha você aos pés dela, tinha uma vida inteira pela frente ao seu lado, e ela resolveu simplesmente ir embora com um amigo seu? 
– Meu melhor amigo. Sim. 
– Ok. Acho que essa é a mulher mais estúpida de quem eu já ouvi falar. - Ela disse, com os olhos um pouco arregalados, parecendo realmente surpresa ou incrédula.
– Ela não era estúpida, era uma vadia. 
Parei imediatamente, notando a gafe que acabara de cometer. Eu estava ao lado de uma garota de programa, e talvez insultar uma mulher daquela forma não fosse exatamente apropriado. 
– Me desculp… 
– Tudo bem. Não me ofendeu. 
Eu não falei outra vez, o que nos fez mergulhar em um silêncio constrangedor. Anne olhava atentamente para as mãos, enquanto pensava em alguma coisa com uma expressão séria e um pouco triste, e imediatamente tive vontade de fazer algo muito ridículo para que pudesse voltar a ver aquele sorriso em seu rosto outra vez.
– Espero que você tenha superado isso. - Ela falou, em uma voz fraca. - Aposto que um dia ela vai se arrepender, enquanto você vai estar aproveitando sua felicidade. Ela não te merecia, então foi melhor ter te deixado. 
– Bom, eu não senti isso na época. - Retruquei, brincando. - Doeu bastante.
Ela ficou em silêncio durante algum tempo, mas depois o rompeu.
– Todos temos nossos dias ruins. 
– É. Todos temos os piores dias das nossas vidas. - Concordei. 
– É. Acho que sim. - Ela sorriu, mas um sorriso triste. 
– Qual foi o pior dia da sua vida? 
– Você sabe qual foi. Eu já te contei. 
– Qual foi o segundo pior?
Eu nem sabia por que estava insistindo naquele assunto. Talvez eu fosse mais idiota do que achasse ser. 
– Bom, meus dias não são muito agradáveis. Nenhum deles. Mas recentemente, teve um dia excepcionalmente ruim. 
– Qual? - Encorajei-a a prosseguir. 
Ela pareceu ponderar por muito tempo se devia falar ou não. Por fim, resolveu contar. 
– Alguns dias antes de você me ver naquele estado. 
Congelei, porque mesmo com essa pouca informação, eu sabia qual era o dia em questão. Lembrei de seu estado frágil, dos machucados por toda a extensão do seu corpo, e um ódio esquecido dentro de mim surgiu como fogo, com a expectativa de finalmente saber o que, ou como eu imaginava, quem havia feito isso a ela. 
– O que aconteceu naquele dia? - Senti os músculos do meu pescoço contraídos de raiva, e lembrei de que tinha que me controlar se eu quisesse ouvir a história completa.
– Só me acontece uma coisa, Bruno. Clientes. - Ela falou sem me encarar, e a raiva que quase explodia pela minha boca me fez ignorar o prazer de ouvir o som do meu nome na voz dela. 
Dei tempo para que Anne falasse o que quisesse e quando quisesse. Era extremamente difícil, mas eu não tinha o direito de interrompê-la, apesar da vontade que eu tinha de sacudi-la pelos ombros e exigir o nome do filho da puta que tinha feito aquilo. Como não queria assustá-la, respirei fundo e esperei. 
– Ele foi um cavalheiro no início, até onde isso era possível. Mas acho que era um daqueles homens que não aceitam “não” como resposta. Então, como ele queria uma coisa e eu me neguei a fazer… Bom, ele perdeu a paciência. 
Ela soltou um risinho forçado, ainda sem olhar para mim.
Reuni toda a força que existia dentro de mim para falar em um tom minimamente controlado. Era óbvio que eu já sabia a resposta, mas como não estava raciocinando muito bem, perguntei assim mesmo.
– Ele bateu em você? 
Diga que ele não bateu em você. Diga que não… 
– Um pouco. 
Senti meu estômago afundar em um baque surdo e doloroso, e tudo o que eu mais queria era não acreditar no que ela dizia. Fiquei calado ao som da confirmação dos meus medos, enquanto digeria o fato de que alguém havia batido nela.
Alguém havia batido nela. Algum covarde maldito, filho da puta, havia batido nela. E não havia sido “um pouco”, porque eu vi o estado em que ela se encontrava dois dias depois do que aconteceu, o que me levava a acreditar que ela esteve muito pior antes.
Ainda remoendo a dor que eu sentia, notei que havia algo pior naquela história. Eu podia sentir minha cabeça esquentando ao ponto de ferver, enquanto lutava para não pensar no que podia ter acontecido depois de baterem nela.
Naquele momento, eu daria tudo para que Anne afastasse aquele pensamento de mim, mas o único jeito de fazer isso poder acontecer seria perguntar a ela. E eu tinha medo da resposta. 
– Ninha… Você expulsou ele do seu quarto depois disso, não é? 
Ela ficou em silêncio, olhando para a parede à frente, enquanto entrelaçava e desfazia os nós nos dedos, tentando achar uma resposta à minha pergunta. 
– NÃO É? - Eu queria falar de uma forma educada e controlada, mas o silêncio dela fez com que um desespero se apoderasse de mim, então eu gritei.
Ela olhou para mim de uma forma calma e triste, com olhos que poderiam pertencer a uma criança inocente e indefesa.
Uma criança.
Uma porra de uma criança violentada. 
– Eu tentei. Mas ele era forte. 
Estaquei. Ela foi estuprada. 
Ela foi estuprada. 
Aquela frase ficava se repetindo na minha cabeça como um letreiro luminoso vermelho, piscando incessantemente, me cegando um pouco mais a cada piscada. 
Ela foi estuprada.
– Por que… - Fiquei surpreso em ouvir minha própria voz, um pouco trêmula, enquanto tentava raciocinar - Por que você… Não gritou? 
– Ele me amordaçou. 
Eu não podia acreditar naquilo, e tudo ficava pior a cada detalhe, e então eu não queria ouvir mais nada.
Olhei em volta e notei que eu já estava de pé, andando pelo quarto, e me perguntei há quanto tempo eu estivera fazendo aquilo. 
– Qual o nome dele? - Perguntei secamente. 
– Pedro. Acho. - Ela me olhou, um pouco receosa. 
– Como ele era? 
– Por quê? 
Ela estava desconfiada, e eu não podia culpá-la. Talvez fosse culpa da minha incapacidade de esconder o que devia ser agora uma expressão de maníaco assassino. Tentei não deixar claro que alguns pensamentos psicopatas lampejavam em minha mente, como andar com uma faca e arrancar os globos oculares daquele infeliz, ou então amarrá-lo, banhá-lo com gasolina e atear fogo, enquanto apreciava seu maldito corpo queimando e o assistia morrer lenta e dolorosamente. 
– Eu só quero saber. 
– Eu não lembro muito bem. - Ela mentiu. 
– Por que está preocupada com ele? Ele te… Forçou! Forçou a… Pelo amor de Deus! 
– Não estou preocupada com ninguém! Só acho que é mais fácil deixar pra lá! Já passou. 
Olhei-a incrédulo. 
– Como você pode dizer isso? 
– Eu estou feliz que isso tenha acontecido uma só vez! Qualquer puta faz isso, lembra? 
Eu lembrava. Aquelas eram minhas próprias palavras. 
– Não interessa o que qualquer… Qualquer uma faz. Você tem suas condições, e se um homem quiser ficar com você, tem que respeitá-las! 
– Homens não me respeitam, Bruno. Você deveria saber disso. 
– Eu te respeito. E se todos os homens te conhecessem como eu conheço, veriam que você merece esse respeito. Você é muito mais digna do que muitas mulheres que eu já conheci, por isso não insinue que você não o merece. Eu não sei quanto às outras garotas daqui, e também não quero saber, mas sei que respeito você e todo filho da puta que toca em você devia fazer o mesmo! 
Ok. Minha mania de ser extremamente sincero na companhia dela estava ficando irritante e constrangedora. Eu deveria manter a boca fechada, mas eu não conseguia. Simplesmente tinha que falar tudo a ela, tinha que dizer a ela tudo de bom que ela tinha e que não conseguia ver em si mesma. 
Eu tinha que mostrá-la que ela não era qualquer uma. 
Ela não era qualquer uma. 
– Obrigada… 
Fui pego de surpresa pelas lágrimas dela, que resolveram descer em uma repentina enxurrada, fazendo com que eu não soubesse o que fazer. Eu sempre fui péssimo em confortar pessoas, simplesmente porque eu sempre fui muito insensível para conseguir falar alguma coisa que servisse de consolo.
Mas Anne precisava de mim, talvez mais do que alguém um dia já precisou. Eu sabia que confiar a mim aquele segredo não havia sido uma tarefa fácil para ela, então era minha obrigação fazê-la se sentir um pouco melhor, mesmo que eu não soubesse como.
Ignorando a raiva pulsante que gritava dentro de mim, fui me sentar novamente ao seu lado na cama, tentando parecer suficientemente calmo e controlado, o que eu não estava. Mas ela realmente precisava de mim, então eu não poderia me dar ao luxo de alimentar aquele sentimento de ódio e sair pela cidade caçando o filho da puta como o animal que ele era.
Isso ficaria para depois. 
– Vem cá. - Tentei falar com uma voz suave, e falhei miseravelmente. 
Por sorte, ela não pareceu identificar a hostilidade que emanava de mim, então menos de um segundo depois Anne já estava no meu colo, embrulhada como uma bola em meu peito e agarrada em mim como um coala. Sua cabeça repousou no meu ombro e eu pude sentir sua respiração quente na pele do meu pescoço.
Desejei que ela parasse de chorar, porque sentir suas lágrimas molhando minha camisa só aumentava a raiva dentro de mim e aflorava meu instinto assassino. Abracei-a com força, tentando fazer com que os soluços dela diminuíssem, mas não adiantou. 
– Tudo bem… - Comecei, tentando convencer mais a mim do que a ela. - Está tudo bem. Não chora, pelo amor de Deus. 
Ver uma mulher chorar sempre foi meu ponto fraco. Eu simplesmente não aguentava ver mulher nenhuma chorar, e ver Anne chorando conseguia ser umas dez vezes pior.
Naquele momento, ela parecia mais indefesa e mais frágil do que realmente era, e pensar no fato de que alguém pudesse fazer qualquer coisa de ruim àquela garota, de que alguém pudesse ser tão covarde a ponto de tomá-la a força, era revoltante. 
Eu mato esse filho da puta. 
– Obrigada por ser tão legal comigo… - Ela começou, tentando controlar os soluços. 
– Não me agradeça por isso. - Falei secamente, enquanto planejava mentalmente o assassinato. 
– Não faça nenhuma besteira, por favor. 
– Tudo bem. - Menti, ignorando a imagem que surgia na minha mente em que eu esmigalhava um tijolo na cara do maldito. 
– Promete? 
– Não. - Se ainda havia justiça nessa merda de mundo, aquele desgraçado tinha que pagar pelo que fez. 
– Bruno… - Ela falou com uma voz muito baixa, como se fosse recomeçar a chorar em questão de segundos.
Merda. 
– Não vou procurá-lo. Prometo. Mas se eu esbarrar com ele, não me peça pra ser racional. 
Ela fungou, ainda agarrada a mim.
Embora eu ainda fosse um total desastre em consolar pessoas, eu poderia dizer que consolar Anne, em particular, parecia uma tarefa um pouco mais fácil. Não que eu tivesse dado conselhos sábios ou falado coisas importantes - porque eu não tinha feito porra nenhuma - mas a situação era muito menos constrangedora e desagradável.
Talvez porque eu a conhecesse. Talvez porque, depois de muito tempo, ela tenha sido a única pessoa que eu permiti se aproximar de mim, e por isso, fez com que eu estivesse nutrindo um sentimento por ela. 
Um sentimento que eu via crescer a cada dia, a cada minuto.
Ficamos em silêncio por muito tempo, e depois de alguns minutos pude sentir sua respiração ficando gradativamente mais profunda, então constatei que ela havia dormido. A noite parecia esfriar rapidamente, então tentei trazer, sem fazer movimentos muito bruscos, a manta que ficava dobrada aos pés da cama. 
Desdobrei-a, ainda com cuidado para não acordá-la, e enrolei nós dois em um tipo de casulo, o que fez com que ela se apertasse ainda mais contra meu corpo e suspirasse tranquilamente.
Me permiti desfrutar de um estranho prazer em estar com ela de uma forma tão íntima e carinhosa, e não pensar sobre o motivo daquilo, ou o que poderia significar. Ao invés disso, deixei-me levar pela paz que transbordava de nosso casulo, esquecendo os pensamentos de ódio e vingança que eu nutria durante toda aquela noite, e então adormeci. 
Quando acordei, demorei um pouco para entender onde estava, até que senti o corpo de Anne colado ao meu. Olhei um pouco em volta e me dei conta de que agora nós estávamos em posições completamente diferentes.
Ela dormia profundamente de bruços na cama, e eu estava em cima dela, também de bruços, com o rosto enfiado em seus cabelos, enquanto mantinha um braço possessivo em volta de sua cintura. 
Me perguntei se ela poderia estar morta por asfixia pelo peso do meu corpo, mas como notei que ela ainda respirava profundamente, não tive tempo de me desesperar.
Levantei a cabeça e vi que o relógio no criado mudo ao seu lado marcava perto de 02:30h, o que queria dizer que minha hora de ter ido embora já havia passado há muito tempo. 
Com cuidado, saí de cima dela lentamente, verificando se ela podia se acostumar à falta do meu peso ali, e então finalmente fiquei de pé, um pouco cambaleante. Calcei meus sapatos e vesti o paletó, penteando às cegas meus cabelos com os dedos, que deviam estar amassados pelo cochilo. Fui até ela, ajeitei o cobertor em volta de seu corpo, abaixando ao seu lado e ficando bem próximo ao seu rosto, e encostei as costas da mão muito levemente na ponta de seu nariz para verificar se ela sentia frio.
De repente, eu não queria mais ir embora. 
Era difícil vê-la dormir daquele jeito, tão tranquilamente, e não sentir uma força quase tão forte quanto a gravidade me puxando para ela. Para mais perto dela. Cada vez mais perto…
Suspirei, me enchendo daquele sentimento de superproteção que ultimamente vinha me tomando quando eu ficava algum tempo ao lado dela. 
Infelizmente, eu tinha que ir, porque dali a algumas horas eu já teria que estar de pé, fingindo dirigir uma empresa. 
Contrariado, dei um beijo simples mas demorado em sua testa, então me levantei e saí de seu quarto. Segui pelo corredor que estava vazio, o que agradeci em silêncio, e saí pela porta dos fundos, indo de encontro ao meu carro que me esperava estacionado a alguns metros dali.
Enquanto dirigia, tentei não pensar no que eu havia ouvido hoje.
Tentei não trazer à tona, outra vez, aquele ódio profundo que senti quando soube que alguém ousou bater nela e violentá-la. E tentei não pensar por que eu havia decidido protegê-la e tentar mantê-la sempre feliz com todas as forças do meu ser. 
Eu ainda não entendia o que Rayana havia me dito no início daquela noite, ou talvez eu fingisse não entender. Talvez não quisesse pensar no assunto, mas o que quer que fosse, uma coisa estava bem clara: 
Ela estava certa. 
Eu tinha tornado Anne muito especial.

De repente, Amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora