Não sei como, mas ele conseguiu puxar minha calcinha até os tornozelos. Quando dei por mim, ele próprio já estava completamente nu, sentado em seus calcanhares e me trazendo para cima das suas pernas, mantendo-me sentada de costas para ele ali.
Não vi nada disso acontecer porque, embora eu realmente quisesse que aquela hora chegasse, não conseguia deixar de ficar nervosa. Não era medo, de forma alguma: Eu confiaria a ele minha própria vida. Mas a ansiedade e o leve pânico que eu sentia eram involuntários, como um trauma desenvolvido na infância.
Senti um líquido gelado ser passado na minha entrada de trás, mas imediatamente se tornou quente assim que Bruno afastou seus dedos de lá. Esperei de olhos fechados, lembrando que era ele ali. Que era a pessoa que eu mais confiava no mundo, e que só estava fazendo aquilo porque eu queria. E eu queria. Mas estava nervosa demais para manter as batidas do meu coração da velocidade certa.
Ele beijou meu pescoço de forma provocativa, tocando propositalmente nos pontos que sabia serem mais sensíveis. Uma de suas mãos segurava suavemente minha cintura, sem apertar, e a outra voou para o meu clitóris. Não podia vê-lo, porque estava de costas, mas me obrigava a lembrar, a cada segundo, que era ele ali. Senti a cabeça de seu membro encostar na minha entrada e estremeci.
Apertei com força a mão que ele mantinha na minha cintura, o que foi um erro: Bruno mediatamente notou que eu tremia.
– Tem certeza… - Ele começou no meu ouvido, e ouvir sua voz me deu uma nova onda de segurança e conforto.
– Tenho. - Respondi simplesmente.
– Você tem que relaxar…
Aproveitei enquanto o som da sua voz vibrava para me forçar um pouco mais contra seu membro. Era quando eu podia identificá-lo ali que meu corpo relaxava, porque o trauma me fazia lembrar constantemente de flashes da noite em que fui estuprada.
Senti a cabeça de seu membro entrar em mim e fiquei imóvel, tentando me acostumar com o encaixe. Queria que ele continuasse falando alguma coisa, desesperada para identificar sua voz e fazer com que meu corpo se mantivesse receptivo a ele. Bruno abriu os botões da minha camisa, para me dar uma sensação melhor. Passeou uma de suas mãos por todo o meu tronco, sem apertar nada, de forma muito suave. Era como se ele quisesse destacar a diferença entre o que nós estávamos fazendo agora e o que fizeram comigo um dia. Era como se simplesmente quisesse fazer com que o meu corpo reconhecesse seu toque.
Relaxei mais um pouco, sentindo-o se enfiar mais fundo dentro de mim. De forma cuidadosa, lenta, pronto para interromper o movimento a qualquer momento. Mas não adiantava me enganar: Eu estava desconfortável.
Não conseguia relaxar completamente, mas ainda assim estava feliz por não estar sentindo dor. Ele era cuidadoso. Como sempre havia sido. Joguei minha cabeça para trás, respirando contra seu pescoço e tentando sentir o perfume do creme de barbear dele. Não consegui sentir nada, e meu corpo imediatamente se fechou outra vez.
De repente, Bruno virou nossos corpos para a esquerda e nos jogou para frente, me fazendo ter que apoiar as mãos no colchão e ficando de quatro. Não entendi o que ele estava fazendo. O movimento súbito fez com que eu me fechasse ainda mais. De olhos ainda fechados, senti seu corpo se apoiar no meu por um momento: Era como se seus braços estivessem tentando alcançar alguma coisa, e no momento seguinte voltamos à posição original, comigo sentada em seu colo de costas para ele. Em nenhum momento seu corpo havia saído do meu.
– Abra os olhos… - Ele falou um pouco ofegante ao pé do meu ouvido. Eu obedeci.
À nossa frente, uma das portas do armário estava aberta. Ele a havia aberto. Dela, pendia um espelho de cima a baixo, mostrando perfeitamente a imagem invertida do que Bruno estava fazendo comigo. Eu podia vê-lo agora. Minhas mãos apertavam com força as suas, que por sua vez estavam firmes nos dois lados da minha cintura. Sua boca mordia o lóbulo da minha orelha de forma provocativa, exatamente da maneira que ele sabia que me enlouquecia. Procurei seus olhos pelo reflexo do espelho e, quando os encontrei, vi que ele já encarava os meus. Sem desviar o olhar, ele me segurou com firmeza para que eu subisse um pouco em seu membro e, logo em seguida, me empurrou para baixo outra vez. Não consegui prender o gemido baixo ao senti-lo daquela forma. Senti-lo e vê-lo. E saber - lembrar - que aquele era ele.
– Quem mais poderia ser? - Ele suspirou baixo no meu ouvido outra vez, como se pudesse ler meus pensamentos.
Senti cada terminação nervosa do meu corpo explodir, agora eu mesma sentando nele com força e finalmente sentindo prazer. Ainda que eu visse o quão desesperado ele estava para apressar as coisas, Bruno se manteve calmo, lento e quase submisso. Tudo que fez foi envolver seus braços na minha barriga e manter o ritmo que eu ditava. Se estivesse muito devagar ou muito rápido, eu o deixaria saber, usando meu meu próprio corpo contra o dele. Era o suficiente para que ele se adaptasse ao que eu queria. Mas não precisei “corrigir” nada. Ele foi perfeito. Foi perfeito.
Não gozei pela penetração por trás. Bruno me levou ao orgasmo com seus dedos, e a visão de tudo pelo reflexo do espelho me ajudou com as sensações, despertando meu lado voyeur. Quando ele estava perto do seu próprio clímax, me inclinou suavemente para que gozasse nas minhas costas. E então, senti a tranquilidade tomar conta de nós dois, enquanto um filme qualquer chiava na TV. Me sentia estranhamente dopada, exausta. Fechei os olhos e esperei. Ele saiu da cama por algum tempo, e quando voltou senti uma toalha úmida limpando minhas costas. Quando ele encostou em mim outra vez, moldou seu corpo ao meu na posição de colher, beijando meus ombros e meu pescoço com carinho.
Ouvi a televisão ser desligada. Sabia que, como eu, Bruno não queria quebrar o silêncio, porque isso também era perfeito. Nós dois sabíamos não haver palavras certas que coubessem direito naquele momento, por isso tudo o que fizemos foi permanecer ali, até que um de nós caísse no sono primeiro. Provavelmente seria eu.
Mas antes de me entregar aos sonhos, só porque a vontade veio, agarrei a aliança que envolvia meu anelar direito e, de uma vez, coloquei o aro naquele mesmo dedo da outra mão. Se bem me lembrava, tomando as próprias palavras de Bruno como referência, eu tinha a opção de transformar aquele compromisso no que eu quisesse. Não sabia dizer se ele havia notado meu movimento.
Mas antes de adormecer, tive a impressão de sentir seus dedos rodarem, como de costume, a aliança na sua mais nova posição.
– Não vou trabalhar hoje. - Falei com o rosto enfiado no travesseiro. Bruno parou de beijar minhas costas instantaneamente.
– Por quê? - Ele perguntou, e eu já identificava o tom de preocupação em sua voz.
– Não estou me sentindo bem.
Ele deitou ao meu lado.
– O que você tem?
– Cansaço. E enjoo, de novo.
Bruno havia me visto vomitar duas vezes naquela semana, e vinha se mostrando a cada dia mais preocupado com a minha condição. Mas como realmente queria poupá-lo, preferi esconder dele a dor de cabeça e nas costas. Eu omitia alguns sintomas unicamente porque me pareciam pouco importantes, então não era como se eu estivesse o enganando ou algo assim.
– Ok. Eu não vou trabalhar também.
Tirei meu rosto do travesseiro, encarando-o com a cara amassada.
– Claro que você vai. - Falei em um tom mandão.
– Não vou. Vou levar você ao médico.
– Não precisa me levar em médico nenhum. Tenho certeza que isso vai passar…
– Você diz isso há duas semanas!
– … E além disso - Continuei, fingindo não ouvi-lo -, eu tenho pernas. Posso ir sozinha se passar mal.
– Até parece que vou te deixar ir sozinha nessas condições.
– Um taxi faz exatamente a mesma coisa que o seu carro.
– Não adianta. Nada do que você fale vai me convencer…
– Certo. Não era hoje que você tinha aquela reunião pela qual está esperando há um mês?
Ele continuou me encarando, possivelmente processando minhas palavras.
– Merda!
Bruno se levantou, procurando em volta alguma coisa. Quando encontrou seu celular, automaticamente começou a discar um número decorado.
– Vou avisar à Duda pra cancelar…
Pulei da cama e tomei o celular das mãos dele antes que pudesse completar o número. Voltei a deitar no colchão de bruços, com o aparelho debaixo da minha barriga.
– Quero meu celular de volta. - Ele falou, tentando empregar um tom de monotonia na voz.
– Você vai trabalhar.
– Já disse que não vou. Se você piorar…
– Eu não vou piorar! Pare de me tratar como uma criança!
– Então pare de agir como uma!
– Vai à merda, Bruno! - Respondi, jogando um dos travesseiros nele - Ou melhor, vai trabalhar!
– Não vou!
Olhei-o de maneira furiosa, sabendo que aquele era o momento de usar minha carta curinga.
– Se você não for, eu faço greve.
Ele abriu a boca, incrédulo. Sua expressão mudou imediatamente de uma segurança plena para alguma coisa do tipo “como você pôde jogar tão baixo?”. A ameaça de falta de sexo era sempre uma boa opção para qualquer espécime do sexo masculino, principalmente quando se tratava de Bruno. Suspirei, tentando fazer com que voltássemos a conversar como adultos.
– Eu não vou piorar. Se acontecer alguma coisa, eu te ligo. Se for preciso, você pode vir aqui e me levar a um médico. Podemos fazer desse jeito?
Bruno ainda tinha aquela expressão de incredulidade, então esperei que o bom senso voltasse a ele. Quando finalmente pareceu ter pensado sobre a proposta, ele voltou a falar.
– E se você passar mal?
– Não se preocupe. O que pode acontecer de tão grave pra que eu não consiga resolver sozinha? No máximo um enjoo.
Ele me olhou, ainda pensando se era ou não uma boa ideia aceitar aquilo.
– Eu prometo. - Repeti, querendo que ele acreditasse em mim. Bruno bufou.
– Tudo bem.
E dessa forma, depois de prometê-lo mais três vezes que eu ligaria para ele, independente do que acontecesse ou que horas fossem, consegui tirá-lo de casa. Claro que isso não fez com que ele deixasse de manter contato comigo, e até o meio-dia eu havia contado cinco ligações suas, “apenas para se certificar de que estava tudo bem mesmo”.
– Ou você pára de me ligar o tempo todo, ou vou desligar meu celular. Você escolhe.
Eu não queria ser rude, mas por um momento me senti sendo perseguida por um maníaco. Claro que como o maníaco em questão era Bruno eu não estava com medo. Mas, porra, ele estava exagerando. E tudo que eu queria era descansar.
Ele me prometeu que ligaria menos vezes. Já era alguma coisa.
Aproveitei o celular desocupado para ligar para o sr. Blake, justificando minha falta. Ele não pareceu ficar irritado, e me desejou melhoras.
Passei o dia todo deitada. Me levantava para ir ao banheiro com frequência, e vez ou outra beliscava alguma coisa que Bruno havia preparado durante a semana e permanecia na geladeira. Escolhi um livro aleatório na biblioteca e comecei a lê-lo, mas na terceira vez que acabei cochilando, desisti da leitura.
As horas passaram. Meu mal-estar não.
Ainda assim, não vomitei, e fiquei animada com esse pequeno feito. Estava quase dormindo outra vez quando fui pega de surpresa pelo som da campainha. Depois de passar alguns segundos me perguntando se devia ou não receber alguém na casa que não era minha, decidi levantar e ver quem era. Atendi a porta e dei de cara com Duda.
Eram exatamente 16h da tarde, e eu sabia que ela deveria estar no trabalho. Mas também sabia porque ela não estava.
– Às vezes Bruno é muito desesperado. - Comecei, sequer cumprimentando-a.
– Ele quase mandou três pessoas muito importantes irem à merda hoje pra poder sair de lá e vir ver como você estava. Então eu me dispus a vir no lugar dele. - Ela começou, entrando e fechando a porta atrás de si.
Eu não precisava convidá-la, Duda já era de casa. Muito antes de mim até.
– Por que ele é tão exagerado? - Perguntei, mas aquilo havia sido quase uma pergunta retórica.
– Porque ele é Bruno. - Ela respondeu, sentando-se no sofá - Mas vamos lá: Como você está?
– Bem… Um pouco estranha ainda, mas bem.
– Defina “estranha”.
Suspirei. Talvez para ela eu pudesse realmente contar o que se passava comigo. Eu sabia que se pedisse a Duda para omitir certas coisas de Bruno, ela o faria.
– Eu venho me sentindo estranha há algum tempo. Mas hoje acordei mal disposta. Não sei, acho que estou com algum problema gástrico. Às vezes não consigo colocar nada na boca sem que fique enjoada, e outras sinto uma fome desumana. E ando um pouco irritada também… Com enxaquecas, dores nas costas… Acho que estou ficando estressada.
Olhei para Duda, que me encarava com uma expressão neutra. Imediatamente me senti idiota por dizer que poderia estar sofrendo de algum stress, já que, sinceramente, minha vida estava boa demais para que eu pudesse me estressar de qualquer forma que fosse. Continuei falando, apenas para tentar me sentir menos idiota mesmo.
– Ou isso ou então minha TPM resolveu se prolongar…
Por um momento breve, mas considerável, tudo que ela fez foi me olhar de uma forma esquisita. Eu estava prestes a perguntar se estava tudo bem, quando Duda voltou a si e falou.
– Eu acho que você deve ir a um médico.
Fiquei preocupada. Eu quase nunca a via concordando com Bruno. Isso não devia ser um bom sinal.
– Você acha que é alguma coisa grave? - Perguntei, já um pouco nervosa. Ela pareceu medir as palavras antes de falar.
– Eu não diria “grave”. Mas talvez seja importante.
Certo. Agora eu estava oficialmente com medo.
– Tudo bem… - Consegui responder, tentando conter o leve pânico que começava a surgir dentro de mim - Vou marcar algum dia…
– Vamos hoje. - Ela me interrompeu, mas logo em seguida tentou me acalmar (porque eu tinha feito cara de desespero e sabia disso), explicando - Você já faltou ao trabalho hoje mesmo, e eu já estou aqui. Te faço companhia.
Aquilo poderia ter parecido um simples ato de camaradagem. Mas não foi. Duda não queria ficar comigo aquela tarde só por achar minha companhia agradável. Ela estava preocupada, e isso estava claro. Sem pensar muito, vesti de qualquer jeito a primeira roupa quente que encontrei e saí com Duda.
Ela me guiou até o seu carro, estacionado na calçada a poucos metros do prédio de Bruno.
– Vai avisar a ele que estamos indo ao médico? - Perguntei, já colocando o cinto de segurança.
– Não. É melhor pra todo mundo omitir isso por enquanto.
Eu concordava. Conhecia Bruno suficientemente bem para dizer que, se disséssemos aonde estávamos indo, vinte minutos depois ele estaria no mesmo lugar.
Quando chegamos a uma clínica não muito longe dali, Duda me colocou sentada e foi conversar com a recepcionista. Comecei a me irritar por ser sempre tratada como uma criança. Quando ela voltou, me disse que eu veria um clínico geral dali a alguns minutos.
– Clínico geral?
– Talvez isso não seja o caso para um gastroenterologista. - Ela respondeu, mas novamente se apressou em me acalmar - Mas eu estou só chutando. Pode ser uma infinidade de coisas, só estou tentando cobrir todas as possibilidades.
Ela estava mentindo. Aquilo não era um chute. Duda podia não saber exatamente o que era, mas ela suspeitava de alguma coisa que não queria me falar. E esse mistério todo só fez com que eu fosse ficando gradativamente mais nervosa.
Entramos em um dos consultórios e demos de cara com um médico gordinho, baixo e barbudo. Ele parecia ser muito simpático e agradável, mas eu só daria algum crédito à sua aparente bondade depois de ouvir dele que o que eu tinha não era grave.
No momento, eu estava muito ansiosa para ser agradável com ele também.
– E então, Anne. Qual é o problema? - Ele me perguntou sorridente, e eu respondi a verdade. Dei o quadro completo de tudo que estava sentindo, há quanto tempo sentia e o que fiz para melhorar. Dessa vez, não omiti nenhum detalhe. Duda ficou de pé atrás de mim, e reparei que, vez ou outra, o Dr. Carter (como dizia em seu crachá) lançava olhares rápidos para ela, e décimos de segundos depois voltava sua atenção para mim. Então tive certeza de que eles estavam mantendo algum tipo de comunicação longe dos meus olhos.
– Então, vamos fazer alguns exames. Você tem medo de agulha?
Tudo começava com um exame de sangue. Mas estava tudo bem, porque primeiro, eu não tinha medo de agulhas, e segundo, a reação do Dr. Carter me fez relaxar: Ele continuava simpático e calmo, e, para o meu próprio bem, me forcei a pensar que, se achasse que fosse algo sério, não continuaria me iludindo com aquele sorriso agradável.
O exame foi feito, e a espera foi longa: Mais pelo meu nervosismo do que pelo tempo em si, já que tudo que tive que esperar foram trinta (longos) minutos. O telefone de Duda tocou algumas vezes, mas ela simplesmente olhava para a tela e não atendia.
– É ele? - Perguntei, sentada ao lado dela na sala de espera.
– É. Deve estar arrancando os cabelos.
– Não acha melhor atender?
– Bom, você quer que ele venha pra cá?
– Não…
– Então acho melhor continuar ignorando.
Ela estava certa, mas eu não conseguia deixar de pensar que aquilo era maldade com Bruno.
Ele devia estar tão nervoso que provavelmente gritaria com Duda pelas ligações não atendidas, e também comigo, por ter esquecido o celular no apartamento. Comecei a ficar ansiosa pela futura bronca também, e mais uma vez tive que segurar a vontade de chorar - por algo que ainda não tinha acontecido.
– Falta muito? - Perguntei feito uma criança, querendo ir embora dali o mais rápido possível.
– Mais alguns minutos.
Eu estava impaciente. Impaciente e com medo. Ao mesmo tempo que queria ver o resultado, não queria saber sobre a doença, fosse ela qual fosse. Duda começou a conversar comigo sobre banalidades, e eu respondia mecanicamente. Ela perguntou sobre o meu emprego e se eu estava animada para me mudar, mas tive a impressão que aquilo tudo só estava sendo feito porque ela mesma queria preencher o tempo com alguma coisa, para que ele passasse mais rápido também. Ela mesma parecia um pouco tensa.
– O que você acha que é? - Perguntei.
– Não sei. - Ela respondeu, olhando para as mãos - Mas acho que não é algo ruim.
– Qualquer doença é ruim. - Rebati sem pensar.
Ela não respondeu. Quanto tempo havia se passado? Dois dias?
– Não aguento mais! Estou a ponto de tomar um calmante… - E estava mesmo. Meus nervos estavam me matando - Tem algum aí?
– Não. Você tem se medicado muito esses dias? - Ela perguntou, de forma quase inocente.
– Não. Não tomo remédio, só em situações extremas. - Confessei.
– Mas tomou algum durante, digamos… esse mês que passou? Para enjoo, dor ou pra melhorar o humor?
– Não.
Ela pareceu mais aliviada. Duda e sua aura de mistério estavam começando a me dar nos nervos também. O celular dela tocou de novo, e, de novo, ela não atendeu.
– Anne Olsen.- A enfermeira falou, e então levantamos as duas e caminhamos até ela - Sala 302, o Dr. Rodrigo já está esperando.
Andamos pelo corredor em silêncio. Era um corredor longo e cheirava a remédios. Eu estava começando a ficar enjoada outra vez.
– Será que vou ter que operar alguma coisa? - Perguntei sem pensar, quebrando o silêncio desconfortável - Eu vou estragar a viagem pra Londres…
– Não se preocupe com isso. Se você tiver que fazer alguma operação, acho que não vai ser por agora.
– Como assim? Operações não são feitas o quanto antes?
– Bom, em alguns casos… - Ela começou, mas não concluiu o pensamento porque, no momento seguinte, entramos no consultório médico.
– Olá novamente, senhoras. - Dr. Rodrigo falou com um sorriso fofo e sincero. Me senti automaticamente mais calma. Dessa vez, Duda foi sentar ao meu lado, e eu tive a impressão de que ela havia feito aquilo para o caso de ter que me segurar.
– Olá. - Me apressei em responder, sentada na beirada da cadeira - E então? É só um stress idiota ou algo assim, não é?
– Bom… Não. - Ele respondeu de maneira categórica - Você não está doente.
Não estava doente?
– E então? - Perguntei outra vez, e Duda me empurrou para trás, fazendo com que eu encostasse na cadeira. Era claro que ela sabia o que eu estava prestes a ouvir. Mas eu não fazia a menor ideia.
Por isso, durante um longo tempo, as palavras que se seguiram foram as últimas coisas que eu lembrava ter ouvido, ecoando dentro da minha cabeça como se quisessem me convencer dos fatos.
– Não é óbvio? - Ele sorriu - Você está grávida.
Continuava encarando o rosto gordo e bondoso daquele médico. Qual era o nome dele mesmo? Bem, não importava.
Nada importava. Porque eu estava grávida.
– Era o que eu imaginava.
Aquela parecia ser a voz de Duda. Ah, sim. Duda. Ela estava ao meu lado.
Mas não importava. Porque eu estava grávida.
– Ninha?
A voz dela soou ao meu lado outra vez. Até onde eu lembrava, aquele era o meu nome. Eu deveria responder? Ela estava me chamando.
Mas o que importava?
Pigarreei de forma suave, apenas para fazer algo além de respirar. Me pareceu ser a coisa mais fácil a fazer. Tentei raciocinar, mas obviamente não consegui. Ainda assim, fui capaz de pronunciar a única resposta que meu cérebro havia conseguido formular, em uma voz tão assustadoramente calma que só tornava mais claro o tamanho do meu desespero.
– Isso é impossível.
Talvez aquilo fosse uma óbvia prova de que eu duvidava dos conhecimentos médicos do Dr. Rodrigo. Talvez ele se enfurecesse comigo, mas eu não estava exatamente me importando com isso. Mesmo assim, ele não pareceu se abalar com minha descrença, e seu sorriso permaneceu sincero.
– Ah, não. Não é. Não estou dizendo que você pode estar grávida. Estou dizendo que você está.
Eu inspirei. E expirei. E inspirei outra vez.
– Não existe a possibilidade de ser outra coisa? - Perguntei, calma e pausadamente.
– Não. O que você acabou de fazer foi, além de outras coisas, o exame Beta hCG. Ele diz se você está ou não grávida, e qual o estágio da sua gravidez, através da medição da quantidade do hormônio hCG no seu corpo. Seu resultado deu, indubitavelmente, positivo.
– O resultado desse exame… - Comecei, de olhos fechados - Constatou que eu tenho esse hormônio?
– Veja bem, o hCG é produzido não só na gravidez…
– Então eu posso não estar grávida! - Interrompi-o sem a menor educação, desesperada para me agarrar àquele pequeno pedaço de argumento. Ele me olhou pacientemente e sorriu ainda mais, como se eu tivesse algum retardo mental.
– O valor de referência do hormônio em mulheres não gestantes é inferior a 25 mUI/mL. O seu deu aproximadamente 17.000 mUI/mL.
Encarei-o como uma imbecil. Tentei pensar em algo que servisse como argumento, mas raciocinar parecia muito difícil.
"Não é óbvio? Você está grávida".
"Você está grávida".
"Grávida".
– Ninha? - Duda chamou de novo. De novo, não respondi.
– Doutor? - Chamei.
– Pois não? - Ele respondeu, sorrindo.
– Isso é impossível. - Concluí, esperando que ele me mandasse ir à merda a qualquer momento.
– Por que acha ser impossível? - Ele perguntou, ainda muito agradável.
– Porque eu tomo anticoncepcionais. - Respondi, com um ar de triunfo.
– Desde quando?
"Desde sempre", eu queria responder. Mas pensando bem, aquela não era a resposta certa. Eu sempre havia tomado pílulas contraceptivas. Era necessário na minha antiga “profissão”. Mas lembro, claramente, de ter interrompido o uso delas assim que decidi me livrar da imagem de prostituta, depois que Bruno foi embora.
– Eu sempre tomei. Parei com a medicação por algum tempo, mas depois voltei a tomar.
– E durante esse período sem as pílulas, você teve relações sexuais sem o uso de preservativo?
– Não. Não tive relações sexuais com ninguém nesse período. - Respondi categoricamente, desejando mais do que tudo que eles acreditassem em mim. Duda principalmente.
– E não esqueceu de tomar a pílula algum dia, depois que retomou suas relações?
Não precisei fazer muita força para lembrar o único dia em que eu havia, de fato, esquecido de tomar a pílula: Justamente o primeiro dia que resolvi voltar com os contraceptivos. O que correspondia, justamente, ao dia em que Bruno havia me encontrado outra vez. Eu começaria uma cartela nova exatamente naquela ocasião. Mas as circunstâncias obviamente me distraíram e me fizeram esquecer completamente daquilo. Voltei a lembrar apenas um dia depois, só então iniciando de fato a cartela. Mas mesmo assim…
– No dia que reencontrei Bruno.. - Comecei, como se o Dr. Carter soubesse quem Bruno era - Eu esqueci de tomar. Seria o primeiro dia da cartela… Mas nós usamos camisinha!
– E continuaram usando nas relações posteriores?
– Não… Nós transamos sem preservativo no segundo ou terceiro dia da cartela. - Falei, já lamentando pela minha resposta, e me apressando em adicionar - Mas ele gozou fora! O senhor acha que foi aí…?
– Não. As chances são remotas. Você disse que já estava acostumada a usar pílulas havia algum tempo, então acho que desde o momento que reiniciou com o primeiro comprimido, já estava sob o efeito do anticoncepcional.
– Então… - Comecei, querendo alguma resposta. – Então, acho que tem algum detalhe que você esteja esquecendo. Alguma brecha. O que posso garantir no momento é isso: Você está grávida.
Ouvir aquilo mais uma vez fez com que, de novo, meu coração perdesse uma batida. Mas dessa vez, talvez porque agora meu cérebro já havia voltado a trabalhar, aquelas palavras não me machucaram. Não foi desesperante. Foi apenas surpreendente.
Senti alguma coisa dentro de mim. Alguma coisa boa. Como se uma energia desconhecida tivesse mergulhado dentro do meu corpo e me dado uma sensação de esperança. Uma sensação que, mesmo me assustando, me deixou feliz.
Instintivamente, trouxe minha mão esquerda até a barriga, obviamente ainda muito lisa pelo estágio pouco avançado da gravidez. Olhei para ela como quem espera por um susto iminente.
– Não sei porque está tão nervosa - Ouvi-o dizer -, tenho certeza que seu marido vai adorar a notícia.
Meu marido? Eu não tinha marido. Ah, sim. A aliança no anelar esquerdo. Ele havia reparado. Mas como dizer a ele que eu não era casada? Como dizer a ele que aquela criança não estava nos planos de ninguém? Que havia sido um acidente? E como confessar a ele meu medo da possibilidade de Bruno não querer aquele filho?
– Há quanto tempo… - Comecei, ainda encarando debilmente minha barriga.
– Só é possível saber o tempo de gestação certo com uma ultra-sonografia. Mas pelos níveis do hormônio no seu sangue, calculo que esteja em torno da oitava ou nona semana.
– Isso dá dois meses completos. - Agora quem falou foi Duda - Ninha não sentiu falta da sua menstruação?
– Eu não menstruo. - Respondi mecanicamente - Emendo uma cartela na outra, não tenho sangramento por privação.
E foi pensando naquela resposta que um pânico crescente tomou conta de mim.
– Meu Deus… Eu tomei anticoncepcionais grávida!
– Calma. - Ouvi a voz do Dr. Carter tentando me acalmar - Não tinha como você saber.
– Mas vai fazer mal ao bebê! - Argumentei, um pouco desesperada.
– Não vai. Você está no início da gravidez, o feto não vai ser prejudicado. Basta parar com as pílulas agora que sabe que vai ser mãe.
– Eu bebi também… - Comecei a lembrar de todas as merdas que tinha feito, e senti a pressão na minha cabeça aumentar.
– Quanto? - Ele perguntou.
– Três taças de vinho no Reveillon - Olhei para Duda sem motivo algum - E uma taça também em uma outra noite…
– Você costuma beber?
– Não! - Me apressei em responder - Isso foi tudo que bebi.
– Tudo bem. Contanto que também não beba mais a partir de agora. Você fuma ou usa algum tipo de drogas?
– Não.
– Ótimo. Não se auto-medique, algumas substâncias podem fazer mal ao feto. A primeira coisa que você deve fazer agora é procurar um obstetra. Ele vai guiá-la melhor. E não se preocupe, seu bebê não corre risco.
Meu bebê não corre riscos. - Repeti para mim mesma - Meu bebê.
Eu estou grávida.
– Mais alguma dúvida, Anne? - Ouvi a voz bondosa do médico me tirar dos meus devaneios.
– Sim… Aquela porta é o banheiro?
Torci para que fosse, porque não esperei por sua resposta. Corri para lá e consegui alcançar o vaso sanitário antes de vomitar no azulejo do chão. Duda veio me socorrer, segurando minha testa com delicadeza. Não vomitei muito, mesmo porque tinha comido muito pouco.
– Espero que isso não seja nervosismo. - Ela concluiu, me ajudando a levantar, e deixando claro que sabia que aquilo se dava, sim, pelo meu estado emocional.
– Como eu vou falar pra ele? - Perguntei, não conseguindo esconder o medo - Nós só paramos de usar camisinha porque eu dei a ele a certeza de que usava essas merdas de pílulas…
– Calma. - Duda me interrompeu - O que você acha, que ele vai te culpar? Bruno não é idiota.
Não era questão de ser idiota. Era questão de confiança. Ele tinha confiado em mim, tinha certeza que não seria pai por acidente. Como eu explicaria aquilo a ele? Como, se nem eu mesma entendia o que havia acontecido?
Saí do centro médico com os votos de “boa gestação” do Dr. Rodrigo. Senti a ficha cair aos poucos, como se fosse algo impossível de aceitar de uma só vez. Uma gravidez não estava nos planos de ninguém: Muito pelo contrário, estava sendo evitada. Por isso, não consegui deixar a ansiedade de lado durante todo o percurso de volta ao apartamento de Bruno.
– Ok, eu tenho que falar. Desculpe, não queria trazer isso à tona…
Virei para ela pela primeira vez, pega de surpresa pela voz de Duda. A viagem havia sido silenciosa até aquele ponto. Eu ainda estava digerindo a informação, tentando desesperadamente traçar algum plano para quando Bruno viesse com perguntas como “Onde vocês estiveram a tarde toda?”, e, depois da resposta, algo como “E afinal, qual foi o diagnóstico?”.
– Que foi? - Respondi, tentando organizar as idéias. O que Duda falava quase sempre era importante, mas naquele momento eu não conseguia dar importância a praticamente nada. Nada que não fosse relacionado à coisinha minúscula que se formava dentro de mim.
– Me desculpe… - Ela repetiu, tentando manter os olhos na rua à nossa frente - Eu sei que não é da minha conta, sei que não tenho que me meter na vida que você e Bruno levam… Mas é sobre o filho de vocês…
Nosso filho. Meu e de Bruno. Nosso.
– E sei que é desagradável trazer de volta algumas coisas… - Duda recomeçou - Mas você tem que se certificar de que… Bom, de que não tem nada. Você sabe… Mulheres como você… Você antigamente, claro… Você pode ter alguma doença… E o bebê…
Foi a primeira vez que vi Duda gaguejar. Ainda assim, não me deixei abalar com aquela lembrança. Ela não era suficientemente importante para isso. Eu estava grávida, e muito poucas coisas além disso importavam realmente. E embora fosse inegável que “se meter” era exatamente o que ela estivesse fazendo, ainda assim eu a entendia. Era claro que Duda estava certa: Alguma doença poderia fazer com que o feto corresse riscos.
– Eu estou limpa. - Falei num tom baixo, me voltando para a janela do carona e observando as árvores que ficavam para trás - Sempre fiz exames periodicamente. O último foi feito depois que Bruno foi embora. E depois que isso aconteceu, eu não estive com ninguém.
Pelo que eu podia ver da minha visão periférica, ela me encarava com interesse enquanto esperava o sinal abrir. Não dei importância.
– Desculpe… - Ela falou.
– Tudo bem. Eu não me importo.
E não me importava mesmo. Simplesmente porque nada era importante o suficiente. Eu estava grávida.
De Bruno.
– Por que está sorrindo? - Ouvi Duda perguntar, outra vez colocando o carro em movimento.
– Por nada. - Respondi, tentando afastar a imagem que se formava na minha cabeça de um bebê gordo, rosado e sorridente, gargalhando enquanto Bruno beijava sua minúscula barriga entre travesseiros fofos. Nos meus pensamentos, ele parecia feliz com a novidade. Nos meus pensamentos, ele me abraçaria e diria que me amava. E diria que aquele filho era a melhor coisa que eu podia ter dado a ele. Nos meus pensamentos, tudo seria perfeito. Mas nem sempre as coisas aconteciam de acordo com os meus pensamentos.
– Chegamos.
A voz de Duda me trouxe à realidade outra vez. Estávamos estacionadas na calçada a poucos metros do prédio de Bruno. Olhei em volta e notei que ela me observava.
– Ah… Obrigada. - Falei, sem nem saber direito pelo que estava agradecendo. Saltei do carro com ela em meu encalço, nós duas correndo para dentro do prédio na tentativa de escapar do vento frio que o crepúsculo trazia. A pequena viagem até o apartamento foi silenciosa.
Duda parecia querer me dar algum espaço, deixando que eu falasse primeiro caso quisesse. E eu não sabia se queria continuar em silêncio, me dando a liberdade de continuar formando imagens aleatórias de Bruno com o bebê, ou se queria conversar sobre aquilo, me forçando a voltar à realidade e discutir sobre o que eu deveria ou não esperar daquele assunto. Optei pelo silêncio, pelo menos até tomar um banho e esfriar um pouco a cabeça. Milhões de pensamentos borbulhavam dentro de mim - dentre eles dúvidas, medos e alegrias - mas eu sabia que cedo ou tarde teria que retomar o controle.
Passei as informações lentamente debaixo do chuveiro, falando em voz alta comigo mesma na tentativa de absorver melhor a verdade.
Eu estava grávida. De Bruno. Meu filho não corria perigo. Eu estava grávida. De Bruno. Eu estava grávida. Eu estava grávida.
Repousei as mãos na barriga outra vez, sentindo a água morna escorrer por ela. Olhei debilmente para o lugar, sentindo mais alegria do que alguém normal sentiria ao encarar um pedaço de pele.
Eu estava grávida. Aquilo era assustador. Aquilo era maravilhoso. Quando me dei conta, já estava chorando. Tentei conter as lágrimas bravamente, porque sabia que qualquer emoção forte poderia refletir no meu bebê.
E eu não colocaria em risco o meu bebê. Nunca.
As lágrimas foram diminuindo. Junto com elas, diminuíram também as batidas aceleradas do meu coração. Respirei profundamente de forma repetida, buscando o controle perdido sem querer.
Eu estava grávida. Havia alguém dentro de mim. Alguém muito importante. Alguém que era meu, e que carregava um pouco de Bruno também. Alguém que unia nós dois, a prova de que eu pertencia a ele. A prova de que ele era meu também. Eu estava grávida. E estava aceitando o fato de ficar mais feliz a cada minuto.
– Ninha? Está tudo bem?
A voz de Duda teimou em me puxar para a realidade.
– Sim… Já estou saindo! - Consegui responder, tentando lidar com a felicidade que inflava meu peito como um balão de gás. Era estranho, e ao mesmo tempo delicioso.
– Grite se precisar de alguma coisa!
Me enxuguei de qualquer jeito, sem prestar atenção em muita coisa. Vesti o conjunto de moletom que havia deixado no gancho atrás da porta e saí, me sentindo estranhamente como uma bomba-relógio.
– Está sentindo alguma coisa? - Ela perguntou. Neguei com a cabeça, indo me deitar entre as almofadas e o edredom arrumados por Duda. Ela veio se sentar ao meu lado.
– Bom… - Ela começou.
– Bom. - Falei, apenas para emitir algum som. Ela me encarou por algum tempo, provavelmente pensando em como começaria a conversa.
– Então você está grávida.
Senti um leve arrepio percorrer minha espinha ao ouvir o som daquelas sílabas outra vez, mas não estremeci. Era um arrepio bom, e as palavras dela quase me fizeram sorrir.
– É…
– Como não notou antes?
– Eu não sei. Provavelmente por achar ser impossível.
– Os sintomas são bem óbvios. - Ela sorriu, achando realmente graça naquilo - Não sei como Bruno não notou. Ele é observador.
Bruno. Ele não havia notado. Mas era hora dele saber o que eu sabia.
– Não sei se devo contar a ele… - Comecei, pensando realmente pela primeira vez na possibilidade da notícia não ser recebida da forma positiva que minha imaginação ilustrava. Duda me olhou como se eu tivesse falado algum absurdo.
– Como assim? Ele tem que saber!
– A reação dele…
– Seja ela qual for, ele tem que saber! Ele é o pai. Você não fez isso sozinha.
Bruno é o pai. Do meu filho.
– Duda ele confiou em mim quando eu disse que não aconteceria…
– Acidentes acontecem. Se você não esqueceu de tomar nenhuma pílula, então foi alguma outra coisa. Alguma coisa que vocês têm que descobrir juntos.
– Mas… - Comecei, mas me calei quando tive a impressão de ver a paciência de Duda diminuindo.
– Do que você tem medo afinal? - Ela perguntou, genuinamente confusa. Ela não sabia, mas eu estava receosa quanto a muitas coisas.
Bruno poderia se sentir enganado. Será que ele poderia achar que eu havia feito aquilo de propósito, unicamente para garantir que ele não me deixasse? Será que ele poderia achar que aquilo era algum tipo de golpe por interesse? Ou pior, achar que eu já estava grávida antes de encontrá-lo? Será que ele poderia pedir para que eu não tivesse aquele filho? O nosso filho?
– Você está bem? - Duda voltou a me perguntar, mas dessa vez, minha linha de raciocínio não foi interrompida.
Eu não estava bem. Por que estava tendo aquelas dúvidas absurdas? Por que estava deixando que uma insegurança tão antiga voltasse com tanta força em um momento tão importante da minha vida? Bruno e eu trabalhamos nisso por algum tempo, eu não deveria cometer esse deslize. Por que eu estava pensando naquilo? Ele me amava. Deixava isso claro quase todos os dias, mesmo com minhas múltiplas personalidades por causa da gravidez. E mesmo que fosse uma gravidez que ele não soubesse, e mesmo que aquilo não tivesse sido planejado… Ele nunca, nunca reagiria daquela forma. Ele não era assim. Eu o conhecia.
Duda se materializou na minha frente, me oferecendo um copo d’água.
– Você não está bem. Toma isso.
Aceitei a oferta e bebi a água de uma vez. Ela me encarava como quem encara uma… grávida esquisita. Eu não poderia verbalizar aqueles medos a ela. Eu me sentiria constrangida até mesmo de cogitar aquelas possibilidades em voz alta.
Principalmente para Duda.
– Não sei o que você tem em mente, mas pelo que conheço de Bruno - que não é pouco - eu posso te dizer isso…
E então, o celular dela tocou outra vez. E o que quer que ela fosse me falar ficaria para outra hora.
– Todo seu. - Ela falou, me estendendo o aparelho.
– Quê? - Reagi assustada - O telefone é seu! Ele quer falar com você!
– Ele quer falar sobre você. E tenho certeza que com você ele não vai ser um troglodita.
Encarei-a, ainda receosa.
– Ele nunca foi um troglodita… - Comecei, mas fui interrompida por um sorriso de vitória em seu rosto.
– Com você. Às vezes Bruno fica um pouco grosso quando está preocupado.
Encarei o telefone, vendo o nome dele piscar no visor insistentemente. Agi por impulso, pegando o celular de suas mãos e deslizando a trava virtual para atender a ligação. Ouvi os berros de Bruno antes que pudesse dizer alguma coisa.
– VINTE E OITO LIGAÇÕES, EDUARDA! PORRA! ONDE CARALHOS VOCÊ SE ENFIOU?
– Bruno… - Tentei interrompê-lo com uma voz tímida, mas ele estava puto demais para lembrar que aquilo deveria ser um diálogo.
– O QUE VOCÊ ESTÁ ESCONDENDO? ONDE ESTÁ NINHA? PUTA QUE P…
– Bruno! - Falei mais alto.
– Alô? Ninha? - Ele respondeu, um pouco confuso, tentando agora fazer com que sua voz voltasse a um tom civilizado - Oi, amor. Pensei que fosse Duda. Por que não atendeu o seu celular? Eu fiquei preocupado… Você está bem?
– Estou bem. Desculpa. Esqueci o telefone em casa.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos.
– Esqueceu “em casa”? Você não está em casa? Merda.
– Estou… Agora. - Respondi, lembrando que eu mentia tão mal que não valia a pena tentar inventar alguma coisa de última hora. Só tornaria as coisas piores.
– Você saiu?
– É… Eu dei uma saidinha. Duda foi comigo…
Mais silêncio. Esse um pouco mais longo.
– Pra onde vocês foram?
– Pra onde nós fomos? - Repeti a pergunta, olhando para Duda na esperança que ela sussurrasse para mim qualquer mentira. Pelo menos até o momento em que ele voltasse para casa e eu resolvesse contar a verdade - ou partes dela. Mas Duda continuou me encarando com aqueles olhos azuis calmos, e então entendi que ela não me ajudaria.
– É. Pra onde? - Ele insistiu.
– Nós demos uma passada no médico…
– Você piorou! Eu sabia! O que aconteceu? O que você tem? Eu sabia que isso ia acontecer!
– Bruno?
– Estou chegando em casa, não saia desse apartamento! Não saia da cama! Eu não devia ter ido trabalhar!
– Você está chegando? - Congelei, encarando Duda em pânico. Ela pareceu tão calma quanto antes.
– Estou! Não deixe Duda ir embora antes que eu chegue! Não quero você sozinha! MERDA!
Ouvi uma buzina alta e alguns palavrões proferidos das profundezas dos pulmões de Bruno.
– Você pode se acalmar? - Pedi, agora preocupada - Dirigir nesse estado…
– Eu estou calmo! - Ele falou, quase berrando - Você está bem?
– Já disse que sim. Por favor, se acalme.
– Vou me acalmar quando chegar em casa. Até mais. Te amo.
E desligou. Olhei para Duda sem saber o que dizer.
– Não se preocupe. Ele é um ótimo motorista até quando está nervoso.
– Acho que ele quer te matar. - Falei, sem prestar muita atenção. Ela sorriu, completamente despreocupada.
– Isso acontece de vez em quando.
Entreguei o celular a ela e me encostei na cabeceira. Aquela situação já era delicada na sua essência.
O fato de Bruno estar tão nervoso só piorava, e muito, a minha ansiedade.
– Bom… - Ela quebrou o silêncio - Em primeiro lugar, precisamos entrar em contato com o seu ginecologista…
Encarei-a um pouco contrariada. Eu não queria entrar em contato com o meu ginecologista antigo. Ele me fazia lembrar de coisas que eu não gostava, já que, além de mim, era também o médico das outras meninas.
– Você não pode me indicar um novo? - Perguntei, tentando afastar aquelas lembranças.
– Claro. A minha ginecologista é muito boa…
– Ótimo. - Concluí rápido demais. Ela me encarou e eu tive certeza de que Duda entendeu alguma coisa.
– E um obstetra. - Ela se apressou em falar, querendo encerrar aquele assunto - O obstetra que acompanhou minhas duas gestações também é excelente. Vou deixar os telefones com Bruno.
– Obrigada. - Falei, olhando-a nos olhos e já sentindo uma pontada de emoção aflorando em mim - Por tudo.
– Não há de quê. - Ela respondeu simplesmente, sorrindo de forma agradável - Você vai contar a ele, não vai?
Considerei a pergunta por algum momento, pensando qual seria a melhor coisa a se fazer. Cheguei à conclusão que não adiantava: Ele teria que saber, uma hora ou outra. Então, o quanto antes isso acontecesse, melhor.
– Vou…
– Certo. Quer fazer isso sozinha ou…
– Não! - Interrompi-a - Fica aqui, por favor. Ela assentiu. Duda sabia que ela tinha que ficar, simplesmente porque só ela sabia como lidar com Bruno naquelas condições.
Eu nunca o tinha visto tão nervoso, mas tinha certeza que ela já estava acostumada a vê-lo e a lidar com ele daquela forma. Começamos uma conversa sobre gravidez. Agradeci por Duda compartilhar sua experiência de duas gestações, dando conselhos e me informando de tudo o que era desaconselhável fazer. E cada vez que ela falava algo como “o bebê de vocês”, minha mão voava mecanicamente para a barriga e acariciava distraidamente o lugar. E então, ouvi o barulho de chaves impacientes na fechadura da porta da sala. Meu coração deu um salto.
– Não se preocupe. - Duda tentou me acalmar - Qualquer coisa eu dou uma chave de pescoço nele.
Ela sorria enquanto dizia aquelas palavras, mas em nenhum momento duvidei que ela pudesse ser mesmo capaz de fazer aquilo.
– Amor! - Bruno irrompeu pelo quarto, já tirando o sobretudo e correndo na minha direção. Ele passou por Duda sem dizer uma única palavra e foi se sentar ao meu lado, me dando um beijo no rosto.
– Eu estou bem. - Falei na tentativa de tranquilizá-lo, enquanto ele encostava sua mão no meu pescoço e na minha testa para se certificar de que eu não tinha febre.
– O que você tem? - Ele perguntou, e senti pena dele pelo estado de nervos em que se encontrava. Se a simples ideia de uma doença fazia com que Bruno agisse daquela forma, o que aconteceria quando ele soubesse a verdade?
Será que eu deveria responder à pergunta dele? "O que eu tenho? Um bebê."
– Calma… - Comecei, limpando a garganta - Eu não estou doente.
– Não? Então o que você estava sentindo passou?
Olhei para Duda, um pouco desesperada. Ela fez um movimento que me dizia para prosseguir, e vê-la ali me acalmou um pouco.
– Não passou. - Falei - E acho que não vai passar antes de aproximadamente sete meses.
Ele me olhou com uma expressão que eu só lembrava ter visto na minha mãe, quando tive pneumonia com seis anos. Era uma expressão de preocupação tão intensa que eu sabia que ele estava sofrendo. Por isso, mesmo que toda a ansiedade do mundo estivesse martelando contra o meu peito naquele momento, respirei profundamente e tomei a coragem de falar o que ele tinha que ouvir. Nem que fosse para acabar com aquela tortura.
– Eu estou grávida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
De repente, Amor.
Romance"Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como havia de ser, os do...