Capítulo 6

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Oi, sentiram minha falta? Vou voltar a postar com frequência, eu acho. Enfim, comentem sempre, e boa leitura.

Anne's POV

Depois de alguns minutos pensando cheguei à conclusão de que talvez fosse melhor acordá-lo de uma vez e fazê-lo ir o quanto antes. Na verdade eu teria feito isso imediatamente se não estivesse admirando-o praticamente de boca aberta, como uma completa imbecil.
Não havia como negar: Bruno era absurdamente lindo.
Era uma beleza quase imoral, quase sobrenatural. Mas tudo nele conseguia ser tão perfeito, tão deslumbrante, que eu começava a me perguntar se aquela beleza era ao menos possível.
Como se pudesse ler meus pensamentos, ele sorriu. Um sorriso tão simples e tão devastador que me fez perder um pouco do fôlego, já instável pela situação. Devia ser um sonho bom ou no mínimo agradável para fazê-lo sorrir daquela forma tão doce, tão apaixonante...
Sem tirar os olhos dele, me peguei sorrindo de volta pelo simples fato de vê-lo sorrir, e desejei íntima e profundamente, sem nem saber por quê, que eu estivesse de alguma forma naquele sonho.
A chuva começou a cair com ainda mais força, por hora me libertando de meus devaneios.
Me levantei da cama com dificuldade e rumei para o banheiro, fechando a porta com cuidado ao passar por ela. Lavei o rosto e penteei meus cabelos com os dedos, sem sequer olhar para o espelho, deixando um bom banho para depois - depois que eu tivesse Bruno fora do meu quarto.
Passei meu creme lembrando das dores que sentia e vesti meu robe ao entrar novamente no quarto.
Ele não havia se mexido, o que poderia significar que estava dormindo profundamente.
Relutei em acordá-lo, sem saber se era porque não queria tirá-lo daquela paz que o cercava em seus sonhos, ou porque a presença dele ali fazia com que eu me sentisse leve.
- Bruno... - Sussurrei, dando um tapinha leve em seu ombro.
Ele não respondeu.
Repeti o tapa algumas vezes, mas ele parecia profundamente adormecido.
Em um ato extremamente ousado, permiti aos meus dedos entrarem naquele cabelo desalinhado e fofo, fazendo ondas e movimentos suaves. Mais uma vez meu fôlego ficou instável. Depois de alguns minutos fazendo isso, ele se moveu, o que me pegou de surpresa e me fez retirar rapidamente as mãos do local, investindo novamente nos tapinhas no ombro.
- Bruno..
- Hmmmmmmmm...
- Você tem que ir.
- Hm.
- Me ouviu?
- Uhm-hm.
Acreditando ter terminado a conversa, ele puxou o lençol para se cobrir completamente e se aconchegou mais ao travesseiro embaixo da sua cabeça.
Aquilo era uma coisa nova que entraria para minha lista de coisas nas quais eu era péssima em fazer: Acordar alguém de maneira graciosa.
Vamos tentar de novo.
- Bruno...
- Hmmmm?
- É sábado. E você está no meu quarto.
- Uhm-hm...
- Você está me ouv...
- Meu Deus, mulher, me deixa dormir!
Fui pega de surpresa pela rouquidão na sua voz. Ele ainda mantinha os olhos fechados.
- Você não está em casa. - Falei, tentando manter minha voz baixa como se estivesse falando com um doente.
- Eu sei onde estou. Estou no seu quarto, na sua cama, tentando dormir. Mas você não deixa. É sábado, são 7:15h da manhã... Pelo amor de Deus...
- Mas... Você está na minha cama...
- Então me deixa dormir. - Ele pontuou como se fosse um argumento óbvio, se aconchegando mais nos lençóis e dando um ponto final à discussão.
Eu nunca imaginei que alguém quisesse ficar na minha cama como se fosse algo comum. Grande parte dos homens tinha certo nojo e permanecia nela pelo menor tempo possível. Bruno ironicamente parecia ser diferente de todos os outros homens em praticamente todos os aspectos.
- Bom... - comecei, mais em um sussurro do que propriamente palavras - ...eu vou deitar também, então...
Se ele tivesse alguma objeção a isso, teria falado. Mas Bruno permaneceu mudo.
Imóvel.
Ótimo.
Levantei da cama buscando na gaveta uma camiseta branca e uma calcinha. Vesti as peças de roupa e voltei para o lado dele, ainda um pouco receosa com sua reação quando se desse conta de que estávamos na mesma cama.
Não adianta xingar depois... Eu tentei te avisar.
Tentando afastar minhas inseguranças, deitei no colchão com cuidado e virei de lado com as costas para ele. Eu não queria olhá-lo. Estranhamente, olhá-lo fazia com que eu ficasse feliz. E isso era muito estranho. Vê-lo ali, ao meu lado, como se nada mais importasse, era simples. Era bom. E a cada minuto que passava ficava melhor, porque parecia não haver complicações ou limitações. Ele estava ali e isso era tudo.
A respiração tranquila dele, minha própria respiração hesitante e a chuva do lado de fora eram os únicos sons, os sons que davam a melodia àquele momento de paz. E era tão bom...
Exatamente por ser tão bom, eu não queria encará-lo.
Porque eu sabia que quanto mais eu me amarrasse à presença dele ao meu lado, em um sono tranqüilo, mais difícil seria de aceitar a dor em não tê-lo ali mais tarde.
Eu sabia que doeria.
E saber disso me deixou com medo.
Subitamente senti seus braços me envolverem, o corpo dele formando uma concha com o meu.
Fiquei imóvel, em pânico, em êxtase.
- Hmmmm... Você... passou o creme, né?
Putamerda putamerda putamerda.
- Sim...
- Esse cheiro é muito bom. - Ele disse, enfiando o rosto entre meus cabelos e meu pescoço e inspirando profundamente ali. Não respondi, mantendo meus olhos arregalados e tentando fazer com que meu coração não saísse pela boca. Eu não movia um único músculo, com medo de que ele se afastasse.
Depois de alguns minutos fechei os olhos e saboreei o momento:
Os braços dele em volta de mim.
Os dedos dele na minha barriga.
A respiração dele no meu pescoço.
A perna esquerda dele entre as minhas.
Ele.
Eu não queria dormir. Queria aproveitar cada segundo daquele abraço. Aquilo era o máximo de carinho que eu havia recebido em toda a minha vida como prostituta. De tão bom, sequer parecia ser real.
Mas tudo ali me embalava. O clima, os sons, o ar. Os lençóis, a pele dele, o calor da pele dele...
E então, mesmo relutante, não consegui vencer o sono que, mais uma vez, fez com que eu relaxasse e esquecesse de tudo.
Fui arrancada dos meus sonhos pelo toque insistente do meu celular, jogado em algum canto daquele quarto.
Levantei-me assustada quando Bruno resolveu desfazer o abraço de urso que mantinha ao meu redor e fui à procura do objeto escandaloso, tateando entre roupas e móveis, procurando dentro de bolsas, gavetas e mochilas.
Minha visão, ainda turva pelo sono, tornava a tarefa extremamente desafiadora, mas finalmente o celular parou de tocar.
Fiquei um pouco mais calma, começando a procurar direito dessa vez. Achei-o em cima de uma pilha de livros coberta por roupas dobradas, esquecidas no canto mais escuro do quarto. Abri e visualizei uma chamada não atendida de Júlia.
- Mas que diabos?
Por que ela simplesmente não havia batido na porta e me pedido para abri-la, como sempre fazia quando queria falar comigo?
Virei-me ainda com os olhos no telefone só então me lembrei de Bruno, ainda deitado na minha cama, me fitando com uma cara estranha. Se era curiosidade, revolta ou só sono, eu não saberia dizer.
Encarei-o de volta por algum tempo sustentando seu olhar, até que ele cansou daquele jogo e se levantou, rumo ao banheiro.
No meio do caminho pegou do chão sua box preta e bateu a porta atrás de si.
Ele caminhava de um jeito imponente. Eu sempre notei isso, mas sentia que a cada dia que passava aquele homem exalava mais masculinidade e poder do que antes.
Era impressionante como um simples mover de pernas tornava-o imediatamente pomposo e intimidante.
Suspirei e dois segundos depois o celular, ainda na minha mão, me alertou com uma nova mensagem recebida.
Olhei para o visor e apertei "Visualizar", logo me deparando com uma mensagem de Júlia:
"Me diga que Bruno não está no seu quarto."
Sorri lendo aquela pequena frase, imaginando Júlia mordendo-se de ansiedade pela minha resposta enquanto todas as outras meninas roíam as unhas de expectativa também.
Era mesmo impressionante como quase nada passava desapercebido naquela casa.
Apertei o botão de "responder", já com minha frase formulada, mas parei logo em seguida. Será que eu devia falar que ele estava aqui.
Talvez ele não quisesse ser notado, e tentasse sair pelo fundos, evitando fofocas que com certeza viriam. Mas então lembrei que se tratava de Bruno, mesmo que se teletransportasse as pessoas saberiam que ele havia estado ali. Fosse pelo perfume natural da sua pele ou pela aura de poder que ele emanava sobre todas as mulheres daquela casa, e provavelmente do universo.
Sim, está. Por favor, sejam discretas.
Terminei de digitar e enviei a mensagem, desligando meu celular logo em seguida. Foi o tempo de escutar, claramente, risinhos excitados no andar de baixo.
Reparei pela primeira vez nas notas de dinheiro jogadas no chão, e imediatamente me lembrei da noite anterior.
Eu estava extremamente grata aos deuses ou ao destino - o que fosse -, pelo fato de Bruno ter ficado comigo o resto da noite anterior. Ele havia sido um cavalheiro me deixando escolher o que fazer ontem. Isso ficou bastante claro, e eu sabia que se quisesse dormir ele não teria objeções.
Mas ele era o único dentre centenas de clientes que realmente se importava um pouco comigo, ou assim parecia. Ele era mais gentil e mais educado do que todos os outros, e eu sabia que aquela noite não teria sido diferente.
Talvez isso tenha sido uma parte do motivo pelo qual tomei a decisão em dar a ele o que ele queria. A outra parte ainda estava obscura para mim, e eu não queria pensar muito no motivo de não ter tido tanta aversão a ele. Não queria pensar porque eu sabia que meus pensamentos tenderiam a ir por caminhos um tanto quando perigosos, possivelmente abalando minha sanidade mental.
Afastando esses pensamentos, recolhi do chão o bolo de notas, alinhando-as na palma da mão, dobrando-as e colocando-as de qualquer jeito sobre o móvel onde se encontravam o resto das notas que um dia pertenceram à carteira dele.
A porta do banheiro foi aberta. Bruno saiu, notando minha presença imediatamente ao seu lado, mas mesmo assim não me encarou.
- Como eu não tinha escova de dentes, usei seu anti-séptico bucal. - Ele falou de repente - Espero que não tenha problema.
- Tudo bem.
Pegou distraído suas calças de cima de uma cadeira tirando a carteira de um dos bolsos. Ele veio na minha direção como se tivesse lembrado de algo com um estalo, desviando de última hora para pegar as notas em cima do móvel atrás de mim e contá-las.
Esperei de braços cruzados que ele acabasse sua matemática. Quando pareceu terminar, não disse nenhuma palavra. Ao invés disso foi de encontro à sua carteira novamente, abrindo-a e tirando de lá um cheque.
- Você tem uma caneta? - Ele perguntou, olhando em volta.
- Por quê?
- O dinheiro não paga suas horas. - Respondeu, correndo para o livro em cima da escrivaninha e tirando uma caneta de dentro dele.
- Você acabou de desmarcar o ponto onde eu tinha parado a minha leitura. - Falei só por falar.
Eu não tinha realmente me importado com aquilo.
- Já ouviu falar em marca-páginas? Vou te arranjar alguns. - Ele respondeu debochado. Bruno manteve sua cabeça baixa preenchendo o cheque e eu me senti estranhamente contrariada com aquela situação. Quando acabou, ele veio novamente até mim e deixou o cheque junto às notas. Em nenhum momento seus olhos cruzaram com os meus.
- Qual é o problema? - Perguntei já meio incomodada.
- Problema nenhum. - Ele respondeu calmamente, terminando de se vestir.
- Por que você não olha pra mim?
- Você é romântica?
Olhei-o imediatamente e vi que ele já me encarava.
Não tinha entendido o porquê da pergunta. Mesmo que eu fosse, o que isso importava para ele? Bom, talvez fosse só uma curiosidade, mas de qualquer forma, nenhum homem era curioso em relação aos meus gostos ou à minha personalidade... Ou aos meus sentimentos. Ou a qualquer coisa relacionada a mim.
- Não. - Respondi - Não posso me dar a esse luxo.
- Todo mundo pode ser romântico.
- Eu não ganho nada sonhando com um príncipe encantado. Pelo contrário, só tenho a perder.
- Ninguém tem nada a perder com um sonho.
Suspirei.
- Quando você percebe que um sonho é inalcançável, então você tem muito a perder.
Ele continuou me olhando calado, mas enfim falou:
- Não subestime o poder dos contos de fadas.
- Prometo não subestimar assim que minha vida se transformar em um. Mas até lá me permito ser amargurada com a vida e não acreditar no amor.
- Você não acredita? - Ele arregalou os olhos - Nunca se apaixonou?
Eu queria responder imediatamente, mas alguma coisa na minha cabeça martelava uma dúvida ridícula, algo que eu não queria sequer tentar entender. Respondi depois de algum tempo:
- Não. Nunca.
- Uau. - Ele voltou seu olhar para o livro agora fechado, apreciando a capa.
- Você já? - Soltei.
Ele continuou fitando o desenho do livro em suas mãos.
- Já.
- Bom, dada a atual situação, acredito que não tenha sido um conto de fadas também.
De repente senti receio de ter sido rude em excesso, mas ele soltou um riso amargurado e debochado, ainda não olhando para mim ao responder:
- Não, não foi.
E então seu rosto ficou triste como eu jamais havia visto, e isso fez com que eu sentisse uma súbita tristeza por ele. Eu sequer sabia do que ele estava falando, mas gostaria que o que quer que fosse não tivesse acontecido.
- Um dia você me conta essa história. - Falei antes que pudesse me segurar, e as palavras já tinham saído.
Eu sabia que não tinha o direito de me intrometer em um assunto que parecia tão íntimo e doloroso para ele, mas só queria ouvi-lo e tentar consolá-lo de alguma maneira. O problema era que eu não planejava mostrar isso a ele, e aquela frase deveria ter sido mantida dentro da minha boca.
Ele me olhou com curiosidade.
- Se você quiser, é claro. - Corrigi, tropeçando nas palavras e sentindo corar da cabeça aos pés.
Ele sorriu um sorriso gentil enquanto falava outra vez:
- Vai ser bom conversar.
Sorri de volta, agradecendo em silêncio por Bruno querer compartilhar algo comigo além de sexo sem compromisso.
Ele se soltou primeiro da prisão que nossos olhares formavam um com o outro, sacudindo um pouco a cabeça e se levantando.
- Então... Vamos descer?
- Claro... Claro.
Calcei o primeiro par de sandálias que encontrei e fui em direção à porta. Olhei em volta constatando que o corredor estava deserto, então saí do quarto com Bruno atrás de mim. Desci as escadas em silêncio, chegando no andar de baixo rapidamente. Olhei em volta mais uma vez buscando por alguém, mas não havia nenhuma garota à vista.
- Bom... Por qual porta você quer sair?
Ele me olhou surpreso.
- Eu... Bem, eu pensei que pudesse comer alguma coisa antes de ir embora...
- Você quer tomar café da manhã? Aqui?
- Ahn... Eu posso comer qualquer coisa na rua...
- Não! - Falei um pouco apressada - É que eu pensei que você quisesse ir... Desculpe.
- É que eu estou mesmo morrendo de fome, mas se for atrapalhar eu poss...
- Não vai. - Interrompi-o - Vem, por aqui.
Sem nem pensar, peguei sua mão e puxei-o para a cozinha, e esse simples ato me fez corar outra vez. Estava tão dispersa que não notei as conversas que vinham de lá, e sem nem pensar nisso abri a porta, me deparando com várias garotas sentadas na grande mesa central enquanto tagarelavam sobre qualquer coisa sem importância.
Estaquei, ainda segurando a mão de Bruno enquanto o grupo nos olhava com interesse. Júlia tinha a boca um pouco aberta e eu não consegui pensar em nada para dizer. Depois de alguns segundos cheguei à conclusão de que talvez fosse melhor não estar tocando nele naquele momento. Soltei sua mão como se ela queimasse e cruzei os braços no peito. Bruno falou primeiro.
- Bom dia, meninas.
Elas responderam em uníssono. As que conseguiam formular uma resposta, pelo menos:
- Bom dia, Bruno.
- Desculpem invadir assim o espaço de vocês, mas eu estou morrendo de fome, sabem? - Ele pontuou fazendo um beicinho irritantemente adorável.
Revirei os olhos.
- Ahhh, eu preparo algo pra você! Vem cá! - Manoella disse, um pouco mais animada do que deveria.
Enquanto eu sentava à mesa me servindo de suco de laranja, Júlia me lançava olhares cheios de significado. Dei de ombros, notando que ela era a única mulher no recinto que prestava atenção em mim ao invés de Júlia.
Ele se sentou na cadeira imediatamente à minha frente, rindo feito bobo do poder que exercia sobre aquelas mulheres.
- Ridículo. - Sussurrei para ele, o que o fez alargar ainda mais o sorriso.
- Dormiu bem, Bruno? - Lua perguntou de repente e eu engasguei com o suco, tossindo feito louca. Não era do feitio dela ser irônica, o que me assustou. Sophia, sentada ao meu lado, deu tapinhas leves nas minhas costas, ficando ciente da minha presença pela primeira vez.
- Ah, sim. - Ele respondeu - A cama da Ninha é muito confortável.
Fez-se um silêncio momentâneo.
- Ninha? - Algumas meninas falaram juntas, enquanto outras se entreolharam.
Manoella quase deixou cair os ovos que trazia nas mãos, e Sophia parou de tentar me fazer voltar a respirar.
- Não é assim que a chamam?
- Bom... É assim que nós a chamamos. - Sophia disse.
- Eu pedi permissão a ela pra isso, então também posso chamá-la assim. - Ele falou, piscando para elas.
Eu queria enfiar a cabeça na cesta de pães à minha frente, mas imaginei que fosse chamar muita atenção, então fiquei ali, olhando com ódio para Bruno e sua indiscrição, sentindo o rosto queimando de vergonha.
- Ah, então se ela está bem com isso, tudo bem. - Disse Júlia, tentando dar um fim àquele assunto.
- Eu - vou - matar - você.
Movi meus lábios formando palavras sem som para ele, enquanto ele ria da minha cara.
As meninas já conversavam e riam novamente, olhando para Bruno e voltando a lançar olhares entre elas. Graças a Deus ninguém olhava para mim, a não ser ele.
- Sua omelete. - Manoella disse, colocando um prato na frente dele e sentando-se na cadeira vazia ao seu lado, apoiando seu queixo sobre uma mão como uma adolescente vendo um filme do Brad Pitt.
- Parece muito bom. Obrigado. - Ele agradeceu, piscando para ela. Que mania irritante ele tinha de piscar para as mulheres!
Ela riu satisfeita em resposta, e eu comecei a ficar puta.
- Com licença. - Arrastei a cadeira para trás e me levantei.
- Vai aonde? - Ele perguntou.
- Ler. Você já conhece o caminho até a porta. E mesmo que não conhecesse, tenho certeza que Manoella ficaria mais do que contente em lhe acompanhar.
Ela sequer olhou para mim quando mencionei seu nome, tamanho era seu interesse nele.
- Ah, ok. Bom, até mais então.
- Até.
E dizendo isso, saí da cozinha, tentando mais do que tudo não pensar que a cena que tinha acabado de fazer na frente de todas aquelas mulheres e de Bruno não tinha nada, absolutamente nada a ver com ciúmes.
O resto daquela manhã e o início da tarde foram tomados por Júlia e Sophia fazendo perguntas sobre os detalhes mais sórdidos do que havia acontecido entre mim e Bruno na noite anterior.
- Pelo amor de Deus, até parece que vocês não sabem de tudo. Vocês fazem a mesma coisa todos os dias. - Falei desanimada.
- Mas nenhum cliente ficou na minha cama até o dia seguinte. - Júlia falou.
- Principalmente um cliente como Bruno. - Sophia completou.
- Ele devia estar cansado.
- Qual é, Ninha. Um homem não dorme na cama de uma puta a não ser que esteja bastante confortável.
- Sophia, se ele estava confortável ou não, eu não sei. Mas não deve ter sido a primeira vez que ele fez isso.
- Bom, - começou Júlia - pelo menos aqui ele nunca fez isso. Com nenhuma de nós.
Senti-me subitamente de bom humor, o que tentei não relacionar ao fato de saber agora que estava, de certo modo, em um patamar diferente das outras dezenas de mulheres daquela casa.
Mesmo animada, tentei mudar de assunto. Precisava ficar sozinha.
- Bem, eu vou dar uma volta. É sábado, nada de clientes pra me azucrinarem. Vou aproveitar a paisagem.
- Mas ainda está chovendo.
- Ótimo. Menos pessoas na rua pra ficarem olhando pra mim.
Às cinco da tarde eu já saía da Casa de Rayana com minha bolsa-mochila no ombro, vestindo um casaco vermelho desbotado, calças jeans skinny e um par de tênis velhos.
Eu não tinha guarda-chuva, mas não precisava. Estava chuviscando e as pequenas e finas gotas não me incomodavam. Ao contrário, eram bastante agradáveis. Constatei que as nuvens estavam pesadas e os trovões estavam cada vez mais freqüentes, então corri para não pegar o dilúvio que eu sabia que viria.
Puxei o capuz do casaco para cobrir a cabeça e caminhei até o ponto de ônibus. Queria ir ao parque do outro lado do bairro, respirar novos ares. Assim que cheguei, corri para uma das muitas mesas redondas de madeira cobertas por telhas vermelhas. Como não ventava, consegui me proteger da chuva ali.
Era um lugar calmo e, obviamente, estava vazio. Pelo pouco das ruas e casas que consegui analisar, pude constatar que era um bairro de pessoas no mínimo bastante ricas.
Tirei meu livro, um dicionário e uma caneta da bolsa, colocando tudo em cima da mesa e sentando em um dos quatro tocos de madeira que serviam como bancos. Graças a Bruno, tive que procurar por algum tempo a página na qual havia parado a leitura. Sentindo o cheiro e ouvindo o barulho da chuva, consegui relaxar.
Não sei por quanto tempo fiquei ali. Tudo parecia tão calmo e fácil. O lugar era lindo, a grama era bem aparada, de um verde vivo. As gotas, agora mais grossas e em maior quantidade, caíam pesadamente na superfície do enorme lago que ficava no centro do parque. Aquela atmosfera me contagiava e, naquele momento, aquele lugar era o melhor lugar do mundo para se estar.
Vi alguém correndo através da espessa cortina de chuva, se abrigando em uma das mesas cobertas que ficava do outro lado do parque. Sorri sem nenhum motivo.
O homem, como pude constatar depois de alguma análise, retirava seu casaco de couro e balançava seus cabelos molhados como um cachorro que acabara de sair do banho.
Voltei meu olhar para o livro e retomei a leitura. Poucos minutos depois meu celular emitiu um som fraco e moribundo, me avisando que a bateria tinha se esgotado.
- Ótimo. Nada como paz. - Falei, em voz alta.
- Eu concordo.
Pulei de susto ao ouvir a voz falando imediatamente atrás de mim, num tom suficientemente grave para não ser encoberto pelo barulho forte da chuva.
Pulei de susto ao ouvir a voz falando imediatamente atrás de mim, num tom suficientemente grave para não ser encoberto pelo barulho forte da chuva.
Era uma voz masculina. Uma voz bonita, incisiva e poderosa.
Aquele tipo de voz que você imagina que um homem lindo tenha, e pelo fato de ter estado pensando naquela voz de cinco em cinco minutos, quando me dispersava da história de Jane Austen à minha frente, não precisava nem me virar para saber quem era o homem que se encontrava a pouco menos de um metro de distância de mim.
Mesmo assim me virei, encarando aqueles olhos que agora estavam de um dourado fluorescente. Ele estava ensopado da cabeça aos pés e trazia uma revista enrolada completamente molhada e mole em uma mão e, na outra, seu casaco.
Normalmente, quando era pega de surpresa, eu demorava um pouco para formular uma frase. Nesse caso eu tinha acabado de ser pega de surpresa por Bruno, o que fazia com que minhas tentativas de falar alguma coisa coerente fossem ainda mais fracassadas. Porque Bruno me deslumbrava naturalmente, me pegando de surpresa ou não.
- Você... O que... - Tossi, limpando a garganta. - O que está fazendo aqui?
- Eu é que pergunto. Aqui é um pouco longe de onde você mora.
- Eu queria sair... Ler um pouco... Fugir um pouco...
- Entendi.
Eu ainda não sabia o que ele estava fazendo ali. Não acreditava em coincidências, muito menos em destino.
- O que está fazendo aqui? - Repeti.
- Bem fui até a banca comprar uma revista, e aí o céu desabou em cima da minha cabeça. Então atravessei a rua e vim correndo pra cá. Fiquei em baixo daquela proteção do outro lado do parque e te vi. Bom, pensei que fosse alguém parecido com você, mas não pude dizer com certeza. Então vim verificar, e aqui estou.
Bruno pontuou seu discurso com um sorriso torto contagiante. Eu suspirei.
- Você mora por aqui? - Perguntei.
- Moro a dois quarteirões daqui. Consigo ver esse parque inteiro da varanda da minha sala. - E dizendo isso, apontou para um prédio branco espelhado imponente, o mais alto à nossa esquerda, um pouco longe.
- Deixa eu adivinhar: Você mora na cobertura.
- É.
Sorri com deboche abaixando a cabeça. Então ele era mesmo um homem podre de rico.
- Ei, posso sentar?
- Claro. - Tirei minha bolsa de cima do banco ao meu lado, cedendo-lhe o lugar.
Ele aceitou, sentando-se e puxando um assunto aleatório:
- Então... Um sábado chuvoso. Que droga, né?
Manter um papo normal com Bruno soava forçado, porque nós não batíamos papo. Nós não nos conhecíamos para isso, e nosso objetivo juntos era bastante diferente de jogar conversa fora. Mesmo assim eu queria dar uma chance para que esse relacionamento, errado em quase todos os aspectos, pudesse se tornar algo melhor, algo que valesse a pena.
- Eu gosto de chuva. - Respondi - Me traz paz. E o cheiro é muito bom.
Ele sorriu.
- Acho que você é a única pessoa no mundo que prefere um sábado chuvoso a um sábado ensolarado e quente.
- Não creio que seja a única. - Concluí meio distraída - Você que não deve conhecer muitas pessoas tão sensíveis como eu.
Ele me olhou profundamente, mas eu continuei:
- Quero dizer, é muito fácil gostar de um sábado ensolarado, mas quase ninguém vê a beleza de uma tarde chuvosa. Se as pessoas tentassem ver a real beleza disso aqui... - Olhei em volta, deixando a frase no ar. - Não estou dizendo que não gosto do sol, mas as pessoas parecem se esquecer de que, sem a chuva, o tempo bom seria cansativo. A gente tem que mudar de vez em quando, senão tudo fica muito chato.
Olhei-o novamente e constatei que ele não simplesmente me olhava: Ele estava me analisando.
Senti meu rosto corar, conseguindo finalizar meu argumento em um tom de voz mais baixo que antes:
- Mas ainda prefiro a chuva...
- Sabe... - Ele começou depois de alguns segundos em silêncio - Acho que agora prefiro a chuva também.

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