Capítulo 32

3.7K 183 14
                                    

◇◇◇◇
Oi gente, então, vim pedir pra que leiam esse capítulo com muita atenção. As coisas vão acontecer rápido nele, se não entenderem alguma coisa me perguntar.
◇◇◇◇

Anne's POV

Eu estava sentada na borda de um chafariz. Era primavera àquela altura, e eu podia dizer isso principalmente pelo jardim à minha frente, repleto de camélias dos mais variados tipos e cores. Inspirei profundamente para sentir o cheiro de grama fresca. O sol dava ao clima uma temperatura agradavelmente morna, ideal. Me sentia incrivelmente feliz e completa, e sequer sabia o motivo. Não me movi, com medo que aquela sensação me deixasse. Diferentemente das outras ocasiões, eu sabia que estava sonhando.
Ao longe, vi uma pessoa. Mais precisamente uma criança, uma menina, talvez com seus oito anos de idade. Ela veio correndo até mim, e quando me alcançou constatei que não a conhecia. Mas algo nela chamou instantaneamente minha atenção. Aqueles eram os olhos que eu mais amava. Eram de um dourado tão conhecido, tão perfeito, que não consegui deixar de olhá-los. Eram os mesmíssimos olhos de Bruno. Imediatamente me dei conta de que amava aquela menina mais do que qualquer coisa no mundo.
- Olá. Qual é o seu nome? - Perguntei, desgrudando uma mecha de cabelos do seu rosto suado e colocando-a atrás de sua orelha.
- Não tenho nome ainda. - Ela respondeu, e a voz me pareceu tão melodiosa quando um coral de anjos. Estranhei aquela resposta.
Eu poderia estar sonhando com a filha de Jhulie, ainda não nascida? Isso explicaria os olhos da menina serem os de Bruno, que por sua vez eram iguais aos da irmã. Mas ainda assim, algo nela me atraía. Como um ímã.
Ela sorriu, e outra vez a lembrança de Bruno veio forte demais. De alguma forma, senti que ela também me amava, mesmo nunca tendo me visto na vida.
Tudo naquele sonho era estranho.
Fui subitamente acordada por uma dor, essa bastante real. Tão forte que me perguntei como sequer havia conseguido dormir. Depois de algum tempo tentando voltar à realidade, completamente perdida, consegui identificar que a dor estava na minha cabeça. Identificar a parte do corpo que doía era um começo. Demorei alguns minutos para tomar a coragem de abrir os olhos. Quando o fiz, até mesmo a luz fraca que as cortinas do quarto de Bruno filtravam foram o suficiente para transformar aquele pequeno momento em um inferno. Fechei os olhos muito rapidamente outra vez, tentando engolir, mas minha língua parecia feita de pano. Talvez alguém tivesse me espancado antes que eu caísse no sono, porque todos os músculos do meu corpo pareciam um pouco podres. Girei a cabeça devagar para o lado só para constatar que Bruno, como quase sempre, não estava ali. Conjurando das profundezas dos meus músculos toda a força que havia em mim, sentei na cama ainda de olhos fechados. Infelizmente, o movimento foi rápido demais, então uma tontura desnorteante e um enjoo súbito me tomaram de imediato...
Senti alguma coisa querendo sair de mim à força, e me desesperei ao constatar que, mesmo que conseguisse ir caminhando até o banheiro - o que não era o caso - eu provavelmente acabaria vomitando no carpete antes de chegar no meio do caminho. Sem opção nenhuma, me curvei na cama, colocando a cabeça para fora dela e simplesmente deixando que um jato nojento saísse pela minha boca. Mas aquilo foi tudo que saiu.
A ânsia vinha a cada cinco segundos, mas meu estômago vazio não tinha nada para expelir. E cada vez que ela vinha, vinha com tanta força que minha cabeça parecia a ponto de explodir, me fazendo implorar silenciosamente por um desmaio. Senti uma mão na minha testa, dando apoio a ela. Não precisei me virar ou abrir os olhos para saber quem era.
Quando as ânsias de vômito começaram a ficar menos frequentes, fui relaxando e respirando melhor. Abri os olhos devagar e dei de cara com uma bacia, posicionada estrategicamente no chão para que eu não sujasse o carpete. Bruno sabia que aquilo aconteceria, e fui grata a ele por ter sido cauteloso. Levantei o corpo, sentando na cama muito lentamente. Minha cabeça girava, fazendo com que tudo ficasse um pouco embaçado.
- Calma... É assim mesmo.
Ouvir a sua voz me tranquilizou um pouco. Abri os olhos e o vi à minha frente com um olhar de compaixão. Imediatamente lembrei da menina no meu sonho, e então tudo se tornou muito óbvio. Tão óbvio que eu não sabia como podia não ter entendido antes.
Aquela menina era minha filha. Minha e de Bruno. A filha que não tínhamos, mas que meu subconsciente criou. Conhecer Julia e Emily provavelmente havia despertado em mim um instinto maternal inédito.
- Está melhor?
Sacudi positivamente a cabeça em resposta, mas me arrependi na hora. Meu cérebro parecia chacoalhar dentro do crânio. Eu teria respondido em voz alta, mas sabia que isso também faria com que minha cabeça doesse ainda mais.
- Vamos ter que ver o que o seu estômago aguenta. - Ele disse, indo até o criado mudo e voltando com um copo que parecia ser de água e uma colher de sopa. Ele pegou um pouco do líquido com a colher e trouxe até a minha boca. Notei que não era água, mas sim soro, o que me ajudaria a não desidratar tão rápido. Felizmente, meu estômago conseguiu aceitar as três colheres oferecidas, sem que eu tivesse que cuspir tudo de novo na bacia ao lado da cama. Bruno me carregou para o banheiro, servindo de apoio enquanto eu tomava banho. Fui eternamente grata a ele por ter noção e não tentar me tocar de formas inapropriadas, embora tivesse total acesso ao meu corpo. Quando meu banho já estava tomado e meus dentes escovados, ele começou um processo de enfermagem que imediatamente fez com que eu me sentisse mal por estar dando tanto trabalho. Aproveitei o fato de que, agora, eu conseguia falar.
- Desculpa por ter vomitado seu banheiro ontem e quase ter feito isso de novo no seu carpete.
- Nosso banheiro e nosso carpete. E não se preocupe com isso.
Deitei outra vez, me sentindo melhor aos poucos.
- Nunca mais me deixe beber...
- Tenho que admitir que você bêbada é interessante.
Ele olhou para mim de forma esquisita e sorriu. Por algum motivo, fiquei ansiosa. Eu ainda não tinha parado para tentar lembrar o que exatamente havia feito depois de encher a cara.
Eu queria imaginar que não tinha feito nada inapropriado, como um ridículo striptease em cima de uma mesa ou algo assim. Me acalmei ao me dar conta de que, se alguma coisa desse tipo tivesse acontecido, Bruno não estaria todo sorridente e cuidadoso comigo, mas sim puto. A única coisa ousada que eu lembrava claramente de ter feito era ameaçar uma vadia se ela resolvesse continuar com seu jeito "me-coma" para cima de Bruno. Talvez fosse a última coisa da qual eu me lembrasse. Depois disso, lembro de ter pedido algo para Michael, que me deu não só uma dose, mas uma garrafa inteira de vinho. Como estava puta e triste, não pensei se seria ou não inteligente encher a cara. O álcool me fazia pensar. Por isso, fiquei remoendo a lembrança daquela piranha alisando meu namorado, e pensei em todas as outras que queriam poder fazer aquilo. Pensei também nos olhares acusatórios que recebi de algumas pessoas na festa, tão óbvios que não eram sequer necessárias palavras para me dizer que estava sendo vista como uma interesseira. Pensei no meu maldito passado, na minha maldita culpa...
Pensei em Bruno, e como era importante que ele entendesse minhas reais intenções. Pensei no quanto o amava. No quanto precisava dele. Pensei no quanto queria viver para sempre ao seu lado. E depois... Depois... Ah, sim. Depois eu tinha dito, com todas as letras, que o amava como uma louca.
Meu rosto esquentou, então desviei o olhar dele, abaixando a cabeça e olhando para as mãos. Ele riu baixinho, porque não precisava de nenhuma palavra minha para entender que eu havia enfim lembrado - minha tonalidade vermelho-camarão-fluorescente deixava isso claro.
- Como se você não soubesse disso... - Falei em voz baixa, um pouco rabugenta, deitando minha cabeça outra vez no travesseiro. Ele sabia que eu estava sem graça, por isso não insistiu no assunto. Mas eu podia ver como aquilo o havia deixado feliz. Sabia que deveria ter confessado aquilo há muito tempo, porque privá-lo de ouvir aquelas palavras não era justo. Eu mesma sabia como ouvi-las fazia bem. Demorou um pouco - alguns minutos apenas - para que eu entendesse que aquela confissão não havia somente tirado um enorme peso das minhas costas: Ela havia me libertado de algo muito maior, um medo irracional de deixar claro o quanto eu precisava dele. Aceitar que Bruno era essencial na minha vida já havia acontecido, mas deixar isso claro para ele era muito mais difícil. E por algum motivo, agora que ele finalmente sabia, eu me sentia livre.
Suspirei contra o travesseiro.
- Você sempre soube, não é? - Perguntei.
- Mais ou menos.
Me senti culpada por aquela resposta. Eu queria que ele soubesse. Achava que tinha deixado isso claro desde o momento em que ele voltou para a minha vida.
- Eu sempre te amei. - Concluí, lutando contra a dor de cabeça e me forçando a abrir os olhos para encará-lo - Nunca foi menos que isso.
Bruno me encarou sem dizer nada. Ele não sorria, mas seus olhos brilhavam ao ouvir aquelas palavras. Quando entendeu que não tinha mais nada a ser dito, ele foi se deitar ao meu lado, muito próximo a mim, encostando a ponta do seu nariz no meu e me permitindo sentir o cheiro do perfume natural da sua pele.
- Ouvir isso de você quando está sóbria é ainda melhor. - Ele riu, beijando delicadamente meus lábios e passando o indicador pela maçã do meu rosto - Obrigado.
Não consegui responder, me mantendo imóvel ali ao seu toque. E então percebi o tempo que havia perdido.
...
Então, o ano havia começado. Minha vida havia mudado completamente em menos de um mês, e eu não poderia me sentir mais feliz com isso. Era até estranho lembrar do passado, não só porque ele me incomodava, mas também porque parecia tão incrivelmente distante do presente. Desenvolvi a capacidade de me forçar a parar de pensar quando algumas recordações vinham. Me permitia lembrar coisas que aconteceram até a morte de minha mãe e a partir do dia que Bruno voltou a fazer parte da minha vida. O período de tempo entre esses dois momentos era propositalmente um enorme vazio. Era claro que isso não acontecia sempre. Vez ou outra lembrava das minhas amigas que ainda permaneciam no passado. Na maior parte do tempo eu tentava não pensar em nada desse período, mas isso era impossível, mesmo porque certas coisas que eu gostava de lembrar aconteceram exatamente aí. Conhecer Bruno. Permitir que Bruno me conhecesse. Bruno me dando o melhor aniversário da minha vida. Não era possível esquecer nada que o incluísse. Por isso, da mesma forma, era impossível não lembrar, vez ou outra, do dia que ele me deixou.
Mas eu estava bem. Se não curada, conformada. E não havia motivos para deixar que qualquer problema antigo atrapalhasse a minha felicidade agora, porque isso soaria até como ingratidão. Nós estávamos mais próximos do que antes. Agíamos como um verdadeiro casal, e talvez isso fosse óbvio para alguém que não soubesse da nossa história, mas esse pequeno fato me enchia de alegria. Era maravilhoso poder vê-lo todos os dias e perguntar como havia sido seu dia. Era maravilhoso me sentir à vontade para dizê-lo que eu sentia saudades dele quando ficava sozinha naquele apartamento. Era maravilhoso dizer que o amava sem nenhum problema.
Meus dias ainda eram um pouco monótonos, mas eu não me sentiria bem se reclamasse com Bruno. Minha vida era praticamente a vida que uma princesa levava, mas como eu sempre havia sido diferente, sentia falta de algumas pequena coisas.
- Posso te perguntar uma coisa?
- Claro.
Estávamos vendo TV no quarto, esperando o sono chegar.
- Não quero que você ache que estou reclamando ou exigindo nada... - Comecei - Mas você se lembra de uma conversa que tivemos...
- Na casa dos meus pais?
Ele lembrava.
- É...
- Pensei que não fosse perguntar nunca. - Ele respondeu com um sorriso simples nos lábios. Me virei para ele, um pouco ansiosa. Sua atitude estava me enchendo de esperanças.
- E então? - Perguntei, parecendo uma criança.
- Bom, você disse que queria algo simples... Achei algo que você poderia fazer. Não é nada difícil, e infelizmente não deve ser muito divertido também, mas se não gostar e quiser fazer alguma outra coisa, pode vir falar comigo...
- O que é? - O interrompi, ansiosa demais para esperar que ele finalizasse seu raciocínio.
- Lembra o que eu falei que você fazia pra minha família?
- Sim... - Consenti com a cabeça - Disse que eu era bibliotecária...
- É. E sei que você tem um gosto pela leitura. Mas isso é mais difícil do que a maioria das pessoas acha. É preciso ter pelo menos bacharelado em biblioteconomia. De qualquer forma, procurei alguma coisa que ao menos remetesse a isso. Pelo menos pra quem não entende do assunto.
Notei que ele ficou um pouco sem graça, parando antes de continuar a falar.
- E o que é? Diz logo, pelo amor de Deus!
- Não é nada muito interessante, mas... Bom, tem uma biblioteca antiga a três quarteirões daqui. Fui lá e descobri que eles queriam um ajudante. Você sabe, pra fazer nada em especial. Catalogar, arrumar, inspecionar livros. Ver se estão sendo devolvidos em bom estado, arrumar os novos... Essas coisas.
Meus olhos brilharam. Eu não estava na frente de um espelho, mas podia ter certeza disso. Era claro que aquele não era o emprego dos sonhos de ninguém normal, mas para mim era simplesmente maravilhoso.
- O salário não é bom... - Ele continuou - Mas o lado bom é que não tem muita burocracia. E você poderia ocupar seu tempo. Tenho certeza que pode descobrir muita coisa legal lá...
- É perfeito - Ele me olhou desconfiado.
- Não é perfeito. Só procurei isso porque você disse que queria algo simples e não se importava com quanto ganharia...
- É perfeito! Simplesmente perfeito!
Bruno me encarava como se eu estivesse delirando de febre.
- Muito obrigada... - Falei, abraçando-o com um amor que não poderia expressar em palavras.
- Não foi nada. Mesmo. Eu poderia ter arranjado algo muito melhor...
- Não precisava! Você não sabe como eu gostei.
A expressão dele era de quem não sabia mesmo. Mas ele sorria.
- Posso te dar algumas dicas. Esse foi o meu primeiro trabalho. Eu tinha 12 anos, e estava fascinado com a ideia de trabalhar e ganhar meu próprio dinheiro. Acho que meu pai se orgulha de mim até hoje por causa disso. - Ele riu com os olhos desfocados, claramente se lembrando da ocasião. Eu estava tão feliz e fascinada com tudo que minhas íris provavelmente haviam se transformado em corações rosas.
- Ah, você começa semana que vem.
E então a "semana que vem" chegou. Bruno me ensinou o caminho até o lugar e me dei conta de que podia ir a pé tranquilamente. Me sentia temerosa como uma criança no primeiro dia de escola, mas quando cheguei ao local percebi que não era preciso.
O sr. Blake, responsável pela biblioteca, embora muito rabugento, era um senhor tranquilo. Talvez estivesse até mais satisfeito do que o normal, porque dificilmente encontraria um funcionário que se dispusesse a trabalhar em algo tão aparentemente monótono por tão pouco, e ainda com um sorriso nos lábios. Claro que ele não precisava saber que minha satisfação se dava porque, comparado ao que eu fazia no passado, qualquer trabalho se tornava imediatamente agradável e satisfatório.
A biblioteca era antiga. Não era enorme, mas também não poderia ser considerada pequena. A maioria dos livros de lá pareciam ser antigos também, distribuídos em grandes estantes de madeira que iam até o teto. Eram dois andares, o segundo sendo de acesso exclusivo aos funcionários. As paredes e o piso eram de madeira escura também, dando um aspecto aconchegante ao lugar.
Na frente, algumas mesas e cadeiras eram distribuídas em cinco fileiras. Atrás ficavam as estantes, e entre elas algumas mesas que provavelmente pertenciam a bibliotecários. Depois de receber as instruções do sr. Blake, comecei o meu primeiro dia no trabalho.
Estava mais feliz que pinto no lixo.
Passei a acordar junto com Bruno, ele indo para a empresa e eu indo para a biblioteca. Com o passar do tempo, uma pequena ideia - que, segundo ele, era boa demais para ser desperdiçada assim - começou a ser aplicada nas nossas manhãs.
- Hmmmpppff...
- Bom dia. - Ele falou, com uma voz sedutora ao meu ouvido. Fui despertada pelos seus beijos suaves no meu pescoço e o forte cheiro de pasta de dente de menta.
- Espera... - Falei, completamente desorientada - Deixa eu acordar...
- Você já está acordada.
Senti uma mão puxar para o lado minha calcinha sem a menor cerimônia. Quando finalmente abri os olhos, notei que ele estava em cima de mim, seu rosto a menos de dois centímetros do meu.
- O que está fazendo? - Perguntei apenas para ganhar tempo.
Porque eu sabia perfeitamente o que ele estava fazendo.
- Você sabia que a prática do sexo matinal reforça as defesas imunológicas do corpo e melhora o funcionamento de alguns órgãos, além de melhorar consideravelmente o humor pelo resto do dia? E esses são só alguns benefícios.
Eu não sabia se ele estava inventando aquilo ou se realmente chegou a pesquisar sobre o assunto. Mas não me importava.
- Espera... - Repeti, sentindo sua mão desabotoar lentamente os botões da minha camisa - Deixa eu escovar os dentes...
Ele me ignorou. Tentei argumentar que daquela forma acabaríamos nos atrasando, o que foi exatamente o que aconteceu no primeiro dia da sua brilhante ideia.
Imaginei que ele desistisse daquele plano, mas a solução que mais pareceu lhe agradar foi acordar uma hora mais cedo. Proibi que ele me tocasse antes que eu fizesse minha higiene matinal. Bruno pareceu contrariado, alegando que "a graça era me acordar desse jeito". Eu até concordava: Tinha que admitir que ser tirada dos meus sonhos pela língua dele passeando pelo meu corpo - algumas vezes nos lugares mais inapropriados - era bastante interessante. Chegamos então ao acordo de que ele pelo menos não me beijaria até que eu escovasse os dentes, já que os dele estavam sempre escovados na altura que eu acordava. Ele parecia um adolescente de 16 anos com os hormônios em fúria. Mas eu não desgostava nem um pouco disso, porque meu apetite sexual parecia estar maior.
O problema era que, no resto do dia, por causa do sono interrompido e de algumas noites de insônia, eu me sentia incrivelmente sonolenta. Em determinado momento, quando Bruno me perguntou como andava o trabalho, tive que omitir o fato de ter quase caído da escada três vezes em uma semana quando tentava organizar alguns livros em prateleiras mais altas na biblioteca. Optei por esconder dele também uma estranha ansiedade.
Por conta dela, passava vez ou outra por alguma desordem estomacal. Minha digestão não andava muito boa, algumas vezes me provocando enjoos extremamente desagradáveis. Mas como não queria preocupá-lo e estava convencida de que aquilo era o resultado do processo de me acostumar a uma vida nova, esperei que os sintomas passassem.
Talvez eu estivesse apenas desenvolvendo algum tipo de stress, mas cedo ou tarde ele desapareceria. Era com isso que eu contava.
- Você está bem? - Ele perguntou desconfiado enquanto me assistia caminhar até a cama com uma expressão exausta.
- Só com um pouco de dor nas costas. - Respondi, deitando e sentindo alguns pontos da minha coluna estalarem silenciosamente.
- Você parece exausta nesses últimos dias.
- É impressão sua. - Menti, tentando acalmá-lo.
Eu me sentia exausta, mas não diria isso a ele. Soaria como ingratidão.
Ele continuou me encarando desconfiado, mas parecia ansioso com alguma outra coisa.
- O que foi? - Perguntei, agora curiosa.
- Queria conversar com você.
Aquelas palavras foram o suficiente para me deixar nervosa. Sentei na cama, ignorando minha dor nas costas, para encará-lo melhor.
- Ok... - Respondi, já sentindo vontade de chorar. Por que eu estava com vontade de chorar? - É sobre o quê?
- Sobre uma mudança... Você não está bem! Não precisava ser Sherlock Holmes para deduzir isso.
Meus nervos estavam à flor da pele, e esse fato estava claro. Eu estava suando, tremendo e com os olhos cheios d'água.
- Só estou nervosa. Quero que você fale logo.
Ele continuou me olhando como se eu estivesse derretendo. Senti vontade de gritar com ele, mas me contive.
- Você gosta daqui?
"Daqui"? Como assim "daqui"? Do apartamento dele?
- Gosto.
Ele continuou me encarando, como se procurasse pelas palavras certas.
- Lembra quando eu disse que voltaríamos para Londres na primavera?
Era claro que eu lembrava.
- O que tem?
Bruno começou a falar sem nenhuma hesitação.
- Eu sei que o seu passado está muito longe de nós agora. Mas sei que você ainda tem alguns medos. E eu quero curar todos eles. Sei que você nunca vai conseguir se sentir completamente à vontade aqui, porque sempre vai ter algum tipo de receio em ser identificada na rua. Sei que não vou poder te levar em festas como minha namorada porque vai sempre haver um risco de alguém te conhecer. E tenho certeza que se isso por um acaso acontecesse, você se importaria muito mais do que eu.
E então, prosseguiu:
- Eu vejo como você anda na rua. Não quero mais te ver de cabeça baixa. Todos temos nosso "passado negro", e você não merece sofrer mais do que ninguém pelo seu. Não merece correr o risco de ser julgada mais do que ninguém.
Meu cérebro começava a processar a informação que ele estava querendo passar. Ainda assim, tudo o que fiz foi continuar encarando-o como uma imbecil, até que a última palavra fosse dita.
- Você disse que gostou de Londres. Eu também gosto de lá. Por isso tomei a liberdade, mesmo que ousada, de fazer isso: Tem uma casa a dois quarteirões da casa dos meus pais. É um pouco menor que a deles, mas muito agradável. E é nossa.
Ele fez uma pausa, caso eu quisesse dizer alguma coisa. E eu queria dizer muitas coisas. Mas não conseguia emitir um único som.
- Estou cuidando de algumas pendências que tenho aqui. Daqui a um mês vou poder oficialmente nomear Duda como diretora. Ela sempre foi muito mais competente do que eu mesmo, a empresa vai estar em ótimas mãos. Quanto ao seu emprego, tenho certeza que posso achar alguma coisa igual em Londres.
E como se quisesse me fazer responder de alguma forma, ele segurou minhas mãos nas suas de forma suave, me encarando com amor.
- Mas é óbvio que eu não resolveria tudo isso sozinho. Não quero impor absolutamente nada. Por isso, se você não quiser ir, se quiser continuar aqui, eu cancelo tudo. Só estou fazendo isso porque acho que vai ser melhor pra você. E se for melhor pra você, então é melhor pra mim também.
Londres. Bruno queria se mudar para Londres. E queria me levar junto.
Ele sorria de forma simples para mim, talvez porque estivesse esperançoso que eu gostasse da ideia mas provavelmente porque sabia que não tinha a menor possibilidade de eu não gostar. Não havia essa possibilidade. Ele devia saber disso. Ele devia saber que não precisava falar que eu "tinha a opção de ficar se quisesse". Porque me mudar para Londres, o meu mais novo lugar favorito no mundo, era como um sonho. Porque as chances de algum filho da puta me encontrar e trazer o passado de volta para estragar a minha vida se tornariam remotas. Porque eu passaria a estar perto da família dele. E eu amava a família dele. E vê-los unidos me deixava incrivelmente feliz.
- Pode ao menos me dizer por que está chorando? - Ele perguntou, secando meu rosto e apertando minhas mãos para que eu reagisse. - Espero do fundo do coração que seja de alegria...
Me atirei nos seus braços, abraçando-o com força, e simplesmente fiquei ali. Me permiti botar pra fora todo o choro que machucava minha garganta, escondendo meu rosto no pescoço dele e deixando que as lágrimas escorressem sem me sentir constrangida. Pelo menos até a parte que comecei a soluçar.
- Ei... Você não está bem... - Ele falou, tentando puxar meu rosto para que ele ficasse à vista, mas me forcei a ficar escondida no seu pescoço.
- Estou mais do que bem. - Falei contra a sua pele, tentando conter o tremor na voz.
- Por que está chorando desse jeito?
Devia ser TPM. Não importava.
- Eu amo você. Obrigada por tudo.
Ele me abraçou de volta, tão apertado que por mais um pouco não me machucaria. Me dei conta de que sentir seus braços de forma tão firme ao meu redor era uma das melhores sensações do mundo, senão a melhor.
- Eu também amo você. Mas por favor, pare de chorar. Você está me assustando.
Embora ele estivesse falando sério, não consegui deixar de rir.
- Você já falou com seus pais? - Perguntei, ainda agarrada a ele, sem permitir que ele olhasse para mim.
- Não. Minha ideia é contar quando já estivermos lá, apesar de que tenho uma vaga impressão de que minha mãe já desconfie de alguma coisa.
- E quando nós vamos?
- Fim de março, no máximo início de abril.
Meu coração acelerou de alegria. Me apertei contra ele outra vez, tão radiante que mal conseguia me conter. Meus olhos continuavam a jorrar litros de água para fora do meu corpo. Talvez eu desidratasse. Mas não importava. Aquelas lágrimas valiam a pena. Era como se todos os meus medos e inseguranças estivessem me deixando aos poucos, sendo substituídos por uma felicidade incrível. Ele passou o resto daquela noite me dizendo como era a casa, e como seria morar lá, e como Hérica ficaria feliz com isso. Eu sabia que ela adoraria, inclusive era um dos verdadeiros motivos por eu mesma ter ficado tão feliz. Eu estava radiante. Era exatamente como seriam meus melhores sonhos. Estava tão feliz que todo o sofrimento pelo qual havia passado parecia tão distante que talvez eu sequer lembrasse direito. Era como diziam: "Sem o amargo, o doce não seria tão doce". E eu podia sentir claramente a doçura em que minha vida estava mergulhada agora.
...
Os dias seguintes à novidade foram alguns dos melhores da minha vida. A expectativa de estar perto de pessoas que eu sabia que me amavam era uma coisa maravilhosa, e não era raro perder o foco no trabalho pensando no futuro breve em que eu reencontraria Hérica e Robert, levando o filho deles junto comigo. E então o único aspecto que fazia com que eles gostassem um pouco menos de mim - manter Bruno longe - não existiria mais. Como bônus, o dia do meu pagamento chegou. Senti medo, literalmente, de não conseguir lidar com tantas notícias boas ao mesmo tempo e simplesmente enlouquecer. E então eu ia me convencendo de que ficava mais estranha a cada dia.
- Ninha?
- Sim.
- Tem um cheque na minha carteira.
Continuei olhando-o de forma doce, sem dizer nada.
- Como ele foi parar lá? - Ele insistiu.
- Eu coloquei lá.
Ele me olhou de forma inquisitora.
- Que foi? - Perguntei inocentemente.
- O que você espera que eu faça com ele?
- Ahn... Deposite na sua conta, talvez? Ou saque.
Bruno fez uma cara de "entendi", e ignorando completamente minhas explicações, me devolveu o cheque.
- Ei! É seu!
- Não. - Ele me olhou como olha para uma criança retardada - É seu. Você trabalhou por ele.
- Mas você disse que eu poderia fazer o que quisesse com o dinheiro! E eu quero dar pra você!
- Isso não tem o menor cabimento! Por que está me dando todo o seu salário?
- Porque é só um pouco de tudo o que você gastou...
- Ninha, não começa.
Ele falou de um jeito sério, e por algum motivo isso me fragilizou.
- Não, não chora! Pelo amor de Deus!
Eu não sabia se ele estava desesperado ou sem paciência, mas qualquer que fosse o caso, já era tarde. As lágrimas começaram a descer sem que eu pudesse fazer nada.
- Ok, eu fico com o cheque. Mas por favor...
E meus dias passaram a ser assim. Sempre que coisas desse tipo aconteciam, eu me achava uma completa idiota: Minha vida era maravilhosa, então porque eu não parava de chorar e me irritar como uma depressiva suicida?
- Amor, talvez você devesse ir a algum psicólogo... Quer que eu marque? - Ele me disse um dia, e então briguei com ele porque, além de me chamar de louca, achava que eu era incompetente.
Duda passou a almoçar quase todos os dias comigo. E eu sabia que era a pedido de Bruno.
- Ele disse que você anda irritada com ele. - Ela falou, enquanto comia a sobremesa.
- Não estou irritada... Só estou confusa, acho. Deve ser essa coisa toda da mudança...
- Eu sei. Deve ser difícil se acostumar com tantas mudanças ao mesmo tempo. Mas sei que vai dar tudo certo.
Por algum motivo, Duda se tornou em pouco tempo minha amiga. Não falávamos do passado, mesmo porque não fazia o menor sentido estragar o clima bom com as merdas que ficaram para trás. Saíamos, conversávamos, fazíamos até compras juntas. Bem, ela fazia compras. Eu a acompanhava.
- Como vão Emily e Julia?
- Ótimas. Acho que elas gostaram de você.
Eu também havia gostado delas. Pensei que mudar para tão longe não me traria tristeza alguma porque nada me prendia aqui, mas fui pega de surpresa ao constatar que sentiria muita falta da família de Duda. Principalmente das meninas, o que não fazia muito sentido até mesmo porque eu só as havia visto uma única vez.
- Está nervosa por ser diretora da empresa? - Perguntei, tentando afastar a emoção.
- Sim. Pode parecer que sou muito segura, mas é uma responsabilidade enorme.
- Mas, no fundo, sempre foi você que tomou as decisões.
Ela riu, porque sabia que não tinha como negar aquela afirmação.
- É diferente. Todos me vêem como uma secretária. Sei que vou ter que passar por muitos preconceitos pra me fazer respeitável. - Ela parou, olhando para mim - Você me entende, não é?
Eu entendia. Perfeitamente. E ela sabia disso.
- Você vai ser uma ótima diretora. - Falei, tentando animá-la - Tem competência o suficiente pra isso.
Ela sorriu, e foi durante aqueles poucos dias que não apenas passei a gostar mais de Duda, como passei a vê-la como uma verdadeira amiga. Talvez não tão próxima ou íntima, mas certamente confiável e leal.
Ela me animava. Não que eu precisasse desesperadamente disso, porque não estava deprimida. Minhas mudanças de humor não se resumiam apenas a ficar normal e, minutos depois, chorar compulsivamente.
Eu também tinha momentos de uma alegria efusiva, irritação irracional e depravação profunda. Bruno obviamente gostava desse meu último estado de espírito.
- Ahhhhhhh...
- Você não estava com dor de cabeça há algumas horas atrás? - Ele perguntou, enquanto metia com força em mim e falava contra a minha boca.
E eu realmente estava, o que fazia com que minha vontade de fazer sexo chegasse a ser negativa. Mas não era minha culpa que, ao acordar às 3:15h da manhã, eu tenha sido tomada por uma vontade súbita e enlouquecedora de ser comida por ele.
- Está reclamando que eu tenha te acordado? - Falei, um pouco provocativa.
- Não mesmo. Você será sempre bem vinda quando quiser me acordar com um boquete de novo.
Mas nos momentos em que meu lado ninfomaníaco despertava, eu não era de muito papo.
- Certo. Cala a boca e me come.
Ele não se importava. Ou pelo menos parecia não se importar, De qualquer forma, não era como se eu estivesse só trepando com qualquer um. Estava muito longe disso. Eu ainda o amava, talvez mais a cada dia, e nunca havia feito "apenas" sexo com ele. Mas ultimamente minha libido estava explodindo.
Eu me sentia mais confiante na nossa relação. Não que não me sentisse antes, mas saber que eu podia me abrir em qualquer aspecto com ele me dava uma força impressionante. Podíamos conversar sobre qualquer coisa, e isso incluía, vez ou outra, algumas referências ao "passado negro". Mas não era como antes, que uma simples menção parecia ser um castigo: Se algo tinha que ser falado ou explicado, então era isso que era feito.
Sem drama, sem frescura.
Isso só fazia com que os poucos obstáculos restantes em mim fossem ruindo, um de cada vez. E contar com ele para me ajudar a romper algumas barreiras só fazia com que eu o amasse ainda mais.
Como nunca imaginei ser capaz de amar alguém.
E eu o amava tanto que às vezes era necessário dizer isso a ele assim que a vontade surgia, fosse enquanto fazíamos sexo ou enquanto ele lavava a louça.
- Eu considero traição transar com uma pessoa e pensar em outra. É muito esquisito se você for parar pra pensar.
Estávamos vendo um filme na tv, onde exatamente isso estava acontecendo. Bruno estava encostado na cabeceira da cama comigo entre suas pernas.
- Por que seria traição? - Ele perguntou, tentando entender meu ponto de vista.
- Bom, tudo bem. Pode não ser traição, mas é injusto. Se você dorme com uma pessoa e pensa em outra, é sinal que só está usando a pessoa com quem você está no momento. E mesmo que ela nunca vá saber... Bom, ainda é injusto.
- Hum... Isso conta pra masturbação também?
- Claro que não. Aí você precisa mesmo pensar em alguém, né?
Ele ficou calado por algum momento, e senti que estava se decidindo se deveria ou não continuar com o assunto.
- Eu já tive que pensar em você enquanto estava com uma garota.
Fiquei em silêncio. O que eu deveria responder? "Que bom"?
- Eu estava com sono. - Ele continuou - E queria gozar logo. Mas não conseguia...
- Queria dormir? Pelo visto ela não era muito boa, né? - Perguntei, ainda olhando para a TV, mas muito atenta à conversa.
- Ela era bonita e tal... Mas, não sei... Acho que o problema era que ela não era você. Eu estava meio obcecado por você na época.
Sorri, mesmo aquilo sendo horrível.
- Você é uma péssima pessoa. - Falei, mais contente do que deveria. Seguindo o meu raciocínio, ele havia se aproveitado daquela garota, mas eu realmente não estava me importando.
Ele riu atrás de mim, dando um beijo delicado no meu pescoço.
Ficamos em silêncio por mais algum tempo, mas eu sabia que aquilo não terminaria ali. Bruno era mesmo como uma criança que precisava de algumas certezas.
- Você nunca fez isso? - A voz dele saiu tímida, quase como se estivesse se sentindo culpado por fazer aquela pergunta - Quero dizer, nunca gozou com outro cara pensando em mim?
Eu estava de costas para ele, mas podia apostar que Bruno estava com sua cara de cachorrinho-manco-sem-dono.
- Não. - Respondi simplesmente. Pude sentir um suspiro no meu pescoço. Sabia que ele estava triste pela resposta, mas sabia que o que estava prestes a contar a ele o deixaria radiante.
- Nunca gozei com outro cara.
Deixei que aquele pedaço de informação fizesse o efeito que eu sabia que faria.
- Nunca gozou com outro cara? - Ele perguntou, depois de algum tempo.
- Não.
Mais silêncio.
- Nunca?
- Nunca.
- Eu fui o primeiro cara que fez você gozar?
De quantas maneiras ele poderia formular aquela mesma pergunta?
- Sim, o primeiro. E único.
Ele parecia um pouco incrédulo, mas não tentei convencê-lo de nada.
- Por quê?
Como assim "por quê"?
- Porque, de início, você foi o único cara que achou o ponto certo no meu corpo. E depois, foi o único cara que eu já amei. - Me virei para trás, procurando seus olhos - Faz sentido, não?
Era claro que os olhos dele brilhavam como duas bolinhas de gude amarelas. Ele não sorria, mas era simplesmente óbvia a satisfação em seu rosto. Bruno não respondeu, apenas me encarando com aquela mesma expressão. Virei para a posição original outra vez.
- Está feliz por ter sido o primeiro em pelo menos alguma coisa comigo, não é? - Perguntei, encarando a televisão distraidamente. Ele hesitou. Sabia que a própria essência daquela pergunta era triste.
- Pode falar. Não vou começar a chorar.
E não ia mesmo. Eu me sentia segura tanto para fazer aquela pergunta quanto para aceitar a resposta. Ele apenas me abraçou como resposta, mas mesmo com seu silêncio eu pude ouvir a confirmação daquela pergunta induzida. Seus braços me apertavam com força, passando uma sensação de posse, de domínio. Mas mais do que isso, eu sentia uma estranha gratidão no seu ato. Algo que eu não poderia explicar, porque simplesmente não fazia sentido. Era como se ele estivesse me agradecendo simplesmente por torná-lo especial. Agradecendo, de alguma forma, por amá-lo como eu amava. Por deixar minha felicidade nas mãos dele.
Me desvencilhei dos seus braços de forma gentil, mudando de posição e sentando outra vez entre suas pernas, mas dessa vez de frente para ele.
- Quero que você seja o primeiro em tudo. Pelo menos a partir de agora. - Comecei, tentando, de forma discreta, alcançar a gaveta do criado mudo ao seu lado. Não adiantou, ele percebeu meu movimento, desviando seu olhar do meu e encarando agora minha mão. Eu segurava o lubrificante que ele já havia tentado usar comigo uma vez.
- Eu não... Não vou ser o primeiro... - Ele hesitava em falar o que queria, e eu sabia o porquê.
- Sim. Vai ser o primeiro e único que vai fazer isso da forma certa.
- Mas... Você já... Já te obrigaram...
Ele sentia. Sentia muito por aquilo. Sentia muito pelo que havia acontecido comigo, eu podia ver na tristeza e na raiva que seus olhos não conseguiam esconder.
- Aquilo não conta. Não merece ser lembrado, porque não foi nada.
- Você não quer... Não quero fazer isso com você...
Bruno estava claramente dividido. Ele não dizia, mas eu sabia que sua cabeça estava borbulhando de pensamentos.
- Eu quero. Quero que me mostre como é me entregar assim da maneira certa. Porque a única maneira que conheço é a errada, e eu preciso que você me faça esquecer disso.
Ele me olhava com um pouco de desespero até, e eu sabia que um conflito interno estava matando-o. Mas eu queria tirar todas as dúvidas dele. Por isso, encarei seus olhos e repeti, pedindo silenciosamente que ele acreditasse na verdade que havia sido empregada em cada pequeno pedaço daquela frase
- Eu quero que você faça. Quero que você apague isso de mim. Quero que seja o primeiro e único a fazer amor comigo dessa forma.
Ele encostou sua testa na minha, fechando os olhos e respirando contra a minha pele enquanto falava.
- Você não faz ideia... Não faz ideia do quanto eu te amo...
Calei-o com um beijo. Ele retribuiu, perdido demais para continuar negando o meu pedido. Perdido demais até para pensar em qualquer coisa que fosse.

De repente, Amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora