Capítulo 28

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◇◇◇◇
Oi gente, sei que não postei dois por dia no fim de semana como prometido, então, por isso vou postar outro hoje assim que eu chegar da faculdade.
Boa leitura!!
◇◇◇◇


Mais um beijo. Tão furioso que conseguiu calar até meus pensamentos. Algo me dizia que ele estava puto, talvez pela minha própria insegurança. Cheguei a me divertir com essa ideia absurda. 
– Acredita em mim? - Ele perguntou, um pouco ofegante, ainda com os olhos tristes. 
Às vezes se tornava óbvio o sentimento de culpa que ele carregava. Era como se estivesse ciente de uma dívida que tinha comigo, e parecia fazer questão de se lembrar mais do que eu mesma.
Eu acreditava. Acreditava nas suas intenções, acreditava que eu podia fazer bem a ele. Acreditava porque não era possível ver qualquer traço de mentira naqueles olhos. Eu confiava nele, estava pronta para correr o risco outra vez. Mesmo porque era a única coisa que eu podia fazer. 
– Acredito. 
Encerramos aquela discussão, pelo menos momentaneamente. Parecia errado optar pela preocupação quando tínhamos tantas coisas para desfrutar juntos. Mais do que isso, parecia estúpido. Eu jamais teria a certeza de que ele pertenceria sempre a mim, mas nenhuma mulher no mundo poderia estar certa disso também. Nesse aspecto, minha situação não era diferente da de ninguém.
E que falha seria se eu ficasse me lamentando quando, à minha frente, meu príncipe deixava claro que estava sempre inclinado a me fazer feliz. 
Bruno me tocou um pouco mais à esquerda, dentro do meu corpo. Em um lugar conhecido, um lugar que pertencia mesmo ao seu toque. Meus olhos rolaram para trás nas órbitas, meu corpo tremendo com a eletricidade que percorria cada célula. Ele sabia onde me tocar; Ele me conhecia como ninguém. Bruno penetrou repetidamente daquela forma. Não eram necessárias muitas investidas quando ele alcançava aquele ponto particular, e segundos depois eu já estaria explodindo em um orgasmo induzido. Beijei-o com desespero, tornando o ato de respirar um pouco desafiador. Mas não importava.
A onda de prazer veio, como eu previra. 
Tentei não gritar, abafando os gemidos altos contra sua boca. Os nós dos meus dedos já latejavam, e meus olhos estavam fechados com tanta força que também doíam. 
Ignorei tudo isso para senti-lo plenamente mais uma vez.
Fiquei muito quieta, analisando a sensação de formigamento nas pontas dos meus dedos. Era interessante. Bruno, como eu, parecia um pouco ausente, provavelmente voltando de seu próprio clímax. Esperei em posição de mochila, ainda agarrada ao seu pescoço, não querendo quebrar a troca de calor entre nossos corpos. 
Deixei de sentir o frio dos azulejos. O chuveiro foi ligado outra vez e as gotas passaram a cair nas minhas costas. Fazendo algum contorcionismo muito elaborado para que eu entendesse, Bruno alcançou o sabonete e o passou por toda a extensão das minhas costas. Estremeci um pouco com a sensação boa, desgrudando de seu pescoço para dar a ele uma melhor mobilidade. Deixei que ele ensaboasse meu corpo todo, apenas para ter a desculpa de fazer a mesma coisa com o dele. Não por luxúria, mas simplesmente porque eu queria senti-lo um pouco mais. 
Depois de algum tempo saímos do box. Ele se secou, me secou - fazendo novamente com que eu me sentisse uma inválida e, ao mesmo tempo, não dando a menor importância para isso - e embrulhou a nós dois dentro de uma toalha fofa do tamanho de um lençol.
Ele me apertava em um abraço por trás e beijava meu pescoço de cinco em cinco segundos. Não falamos uma palavra sequer durante todo esse tempo. 
Quando fiz menção de andar, Bruno me agarrou pela barriga e me levantou, de forma que meus pés não conseguissem mais tocar o chão, e então caminhou para fora do banheiro, nós dois ainda embrulhados na toalha como sardinhas. 
Não consegui deixar de rir. Foi difícil fazer com que ele me largasse, por isso demorei um pouco para escolher uma roupa apropriada na minha mala. Finalmente constatei que havia trazido um suéter preto de gola alta, o que seria perfeito para cobrir minhas marcas. 
Vesti uma das calças skinny e coloquei a mesma bota que usava quando cheguei em Londres. Antes de vestir o suéter, voltei ao banheiro para passar meu creme para hematomas, e quando entrei no quarto outra vez, o perfume não passou desapercebido para Bruno. Cinco minutos depois eu ainda estava lutando para tirá-lo de cima de mim na cama, lembrando-o que tinha que buscar produtos de limpeza para limpar a coisa nojenta que ainda estava do outro lado. 
Já no andar de baixo, encontramos com Hérica. 
– Bom dia, queridos! - Ela falou com um sorriso iluminado, parecendo verdadeiramente feliz em nos ver, enquanto dava em cada um de nós um abraço apertado - Por que acordaram tão cedo? 
Eu não sabia que horas eram, e pelo que parecia, Bruno também não. 
– 07:15h ainda… Parece que madrugamos. - Ele falou, olhando no relógio novo em seu pulso e sorrindo de forma hipnótica para mim. 
– Na verdade, Hérica… - Comecei, piscando algumas vezes para parar de olhar feito tonta para ele - Aconteceu um acidente lá em cima…
– Mãe, alguma empregada veio hoje? Alguém pode limpar o quarto? 
– Três. 
– Não precisa mandar ning… 
– Ótimo. Ninha não acordou muito bem disposta hoje. Acho que metade da ceia de Natal está no chão do nosso quarto.
Corei. 
– Não está se sentindo bem? - Hérica perguntou com uma expressão preocupada. 
– Estou bem agora… Só acordei um pouco estranha. Mas eu realmente posso… 
– Não se preocupe, querida. - Ela me interrompeu, já subindo as escadas - Emma está arrumando o meu quarto. Vou pedir pra que ela limpe o de vocês. 
– Obrigado, mãe. 
Hérica acenou, sem olhar. Quando chegou no andar de cima, gritei para que ela ouvisse. 
– Peça desculpas à Emma por mim! 
Não sei se ela ouviu, mas não respondeu. 
Bruno me olhava com uma expressão neutra, e eu me sentia a cada segundo mais contrariada. 
– Odeio dar trabalho às pessoas. 
– Elas são pagas pra isso. 
– Só porque elas têm que servir vocês, não quer dizer que tenham que ficar com trabalhos desagradáveis. 
Bruno falou mais meia dúzia de palavras, enquanto me guiava para a cozinha. 
Ignorei todos os seus argumentos, deixando claro minha birra. É claro que aquilo só o divertiu ainda mais. 
Passamos pela sala de estar e encontramos Robert sentado em um dos sofás lendo o jornal. Acenei para ele da porta, mas Bruno entrou para cumprimentá-lo. Aparentemente, éramos os únicos acordados. A casa de manhã tinha um cheiro ainda mais agradável, e eu nem sabia dizer do que exatamente era. 
Estava um pouco frio, mas não deixava de ser aconchegante.
Tomei um chá preto com biscoitos, não porque queria seguir os costumes ingleses, mas por causa do meu enjoo matinal. Como não queria dar mais trabalho a ninguém, achei melhor tomar conta de mim.
– Quer dar um passeio? 
Fui arrancada de meus devaneios quando Bruno falou ao pé do meu ouvido, com certeza notando minha distração mais uma vez e se divertindo ao me despertar. 
– Passeio? Onde? 
– Por aí. 
Dois minutos depois, estávamos andando “por aí” conforme ele havia sugerido. A manhã estava fria, ainda com aquela névoa aparentemente típica de Londres, por isso fiquei grata a Bruno por ter me oferecido um sobretudo fofo e quente antes de sairmos. 
A grama estava muito molhada, não de chuva, mas de orvalho. Todos os cheiros ali eram maravilhosos, e me perguntei se minha adoração a praticamente tudo naquele lugar era psicológico, simplesmente pelo meu bem-estar. 
Alcançamos a parte de trás da casa. Se a parte da frente fazia com que o jardim parecesse modesto, essa impressão se dissipava quando se chegava ali. Era uma área enorme, até onde eu conseguia ver. Ao longe, a água de um enorme chafariz desligado parecia estar tão fria que dava a impressão de estar congelada. Bruno parecia meu guia turístico particular, reportando cada pequeno detalhe de cada planta e pedra naquele lugar. Eu ouvia interessada, mas tinha que admitir que estava mais distraída com a presença dele e seu modo de agir despreocupado do que com o que ele falava. 
– No último aniversário do meu pai, fizemos uma festa aqui. Estávamos em Abril. - Ele continuou, apontando para os bancos de pedra que percorriam os arbustos altos e as mesas e cadeiras de jardim brancas no estilo vitoriano, várias delas enfileiradas em um campo enorme cercado por árvores de vários tamanhos, um pouco sem vida por causa do frio. 
Havia postes de luz por todo o lugar, acompanhados de balizadores e luzes baixas no chão que marcavam os caminhos, próximas aos troncos das árvores. Imaginei como seria uma festa ali, o efeito daquela iluminação em uma noite de primavera. Suspirei.
Alcançamos o chafariz. Olhei hipnotizada para o fundo dele sem motivo algum. A água estava um pouco trêmula por causa do vento. Nem o tempo cinza poderia fazer com que aquele lugar parecesse menos que perfeito.
Bruno tirou de dentro do próprio casaco alguns panos, os quais eu não fazia a menor ideia de onde vieram, e colocou-os lado a lado no muro alto do chafariz, cobrindo a pedra mármore molhada de orvalho e fazendo menção para que eu sentasse em cima de um dos panos.
Foi o que fiz, e ele repetiu meu ato.
Por algum motivo, fiquei um pouco tensa. 
– Está gostando daqui? 
– Muito. - Falei de forma sincera, sorrindo. - É mais ou menos como um sonho se parece. 
Ele sorriu de volta, mas seu sorriso foi sumindo aos poucos. 
– Por falar em sonho… Queria saber do que se tratava o seu hoje de manhã. 
Parei de sorrir também. 
– “Foi só um pesadelo”, lembra? 
– Lembro. Mas eu quero saber. 
– Por que quer saber? 
– Porque eu sei que tenho a ver com ele. 
Eu sabia que ele sabia. Ele sabia inclusive qual era a essência do sonho, se eu tomasse como referência suas palavras no banheiro. 
– Bem, você não estava nele. 
– Ainda assim… 
– Eu acordei do lado de um homem que não conhecia. Era um cliente. Era como se você não tivesse voltado aquele dia. 
Um silêncio pesado pairou sobre nós, como eu sabia que aconteceria. Bruno continuou me olhando com uma expressão neutra, como se estivesse processando cada palavra minha. 
– Você sabe que esses sonhos só acontecem porque você tem esse medo, não é? 
Ele parecia calmo, como se estivéssemos conversando sobre o Natal. Isso fez com que eu também me acalmasse.
– Sei. 
– Então, você pode pelo menos tentar… 
– Tentar não ter medo? Isso não está nas minhas mãos. 
Ficamos em silêncio outra vez, e notei que pela primeira vez estávamos conversando sobre aquele assunto delicado. Era o assunto que evitávamos de todas as maneiras, mas agora lá estava ele, tomando aquele momento como se a conversa fosse banal. E embora não fosse nada banal, embora estivesse sendo difícil conversar sobre aquilo, também não estava sendo completamente ruim. Algo me dizia que eu sairia dali com alguns quilos a menos nas costas. 
– Eu não vou te deixar de novo. 
– Você já disse… 
– Vou repetir até que você acredite em mim. - Ele parecia levemente exaltado. 
– Eu acredito. 
– Não acredita. Se acreditasse… 
– Eu acredito, mas não consigo mandar na minha insegurança. Desculpa se isso te deixa puto… 
A voz dele subiu uma oitava. 
– Me deixa puto saber que você não confia em mim!
– Se não confiasse eu não estaria aqui. Não depois do que você me fez. - Respondi na mesma oitava. 
Ele pareceu perder o fio do pensamento. 
– Você… você não… 
– Você confia em mim? 
– Claro que confio! - Ele disse, parecendo ofendido com a pergunta.
– Então que merda foi aquela de me prender na sua casa se eu decidisse ir embora? 
– Aquilo foi no início! Eu já te dei a chave do apartamento, você pode sair quando quiser! - E como se estivesse se apressando a adicionar um detalhe importante à conversa, interrompeu minha resposta - Mas se você fizer isso, eu vou mesmo atrás de você. 
– Se confiasse em mim não haveria esse “se” na sua frase. 
Bruno me olhou com desespero, aquele desespero de derrota aceita. Ele sabia que meu argumento era válido.
Sem muito mais o que falar, ele olhou para as mãos em seu colo e suspirou sem vida. 
Fiquei um pouco triste em vê-lo daquela forma, então fui eu a quebrar o silêncio. 
– Você acha que eu consideraria a possibilidade de te deixar? O que eu ganharia com isso? 
Ele sabia que eu não ganharia nada. Sabia que eu só tinha a perder. Mas ainda assim, hesitava. 
– Você disse que iria embora aquele dia… 
– Eu não sabia o que você queria comigo aquele dia. Parecia querer brincar com a porra da minha dor. 
– Eu não queria! Eu só não sabia como lidar com aquilo! Eu não sabia… 
– Eu sei disso. Agora. 
Ele abaixou a cabeça outra vez, e eu poderia até dizer que estava se fazendo de coitado de propósito se não o conhecesse bem. Mas Bruno, no fundo, era mesmo uma criança que precisava de confirmações e certezas. 
– Você nunca deixou claro que não iria… 
– Bruno. - Segurei seu queixo de maneira firme e fiz com que ele olhasse para mim - Eu não vou a lugar nenhum. 
Seu queixo era muito grande para minha mão pequena. Ele poderia se desvencilhar do meu aperto com facilidade, mas não o fez. Ao invés disso, ficou me encarando com aqueles olhos dourados tristes, brilhantes, lindos. 
Meu Deus, eu queria ter um filho com aqueles mesmos olhos um dia. 
Ele piscou algumas vezes, seu rosto muito próximo ao meu. Sem pensar, deixei que meu corpo agisse por vontade própria e me aproximei de sua boca, beijando-o apaixonadamente, com calma. 
Ele retribuiu, me puxando gentilmente para mais perto dele, e quando me dei conta, já estava sentada em seu colo, sem nenhum esforço.
Não era um beijo furioso ou desesperado. Era uma demonstração de carinho simples, confortável, algo que raramente acontecia conosco. 
Era um momento no qual ambos nos permitíamos desfrutar da companhia um do outro sem compromisso, sem exigências.
Era simplesmente um dos momentos mais perfeitos da minha vida. 
– Acredita em mim? - Perguntei, ainda contra sua boca. 
– Acredito. 
Ele beijou meu queixo, minha orelha e toda a extensão do meu rosto. Tentou beijar meu pescoço, mas se enrolou com a gola alta do meu suéter e, derrotado, bufou. Eu ri sem motivo. 
– Eu amo o seu perfume. Sempre amei. 
– Sempre? - Falei, olhando-o de forma a desafiá-lo a lembrar que eu usava aquele “perfume” havia muito tempo. 
– Sempre. Desde o primeiro dia que senti. 
Ele falava enquanto inspirava e expirava na pele do meu rosto, em todos os lugares que conseguia alcançar.
Os arrepios que se formavam ali não tinham nada a ver com o vento frio do jardim.
– Posso te perguntar uma coisa? - Falei, um pouco tímida. Eu estava curiosa. Ele havia me deixado curiosa. 
– Claro.
– Desde quando você gosta de mim? 
A pergunta saiu baixa até mesmo para nossa mínima distância. Ele não pareceu se abalar de forma alguma, e continuou trilhando beijos suaves pela linha do meu queixo.
– Não sei… 
– Você disse ontem pra sua família que foi no dia em que nos encontramos na praça perto da sua casa… 
– Não, aquilo foi invenção. - Ele falou calmamente, voltando à minha boca e pontuando cada frase com um selinho - Eu gostava de você antes daquilo. Só não estava ciente. 
– E quando ficou ciente? 
– Um pouco antes do seu aniversário. 
– E quando admitiu? 
Eram perguntas diferentes, e ele sabia disso. Seus olhos, de volta aos meus com aquela intensidade, confirmavam esse detalhe. 
– Quando fui embora. 
Embora eu tivesse medo de lembrar desses detalhes com Bruno, não estava triste. Talvez a crescente liberdade entre nós estivesse deixando tudo mais confortável, pelo menos para mim. E eu queria que ele estivesse tão confortável quanto eu.
Abracei-o pelo pescoço como costumava fazer e o beijei no rosto. Ele sorriu um pouco triste. 
– Mais alguma dúvida? - Ele perguntou, brincando com uma mecha do meu cabelo.
– Na verdade, sim. - Respondi, me lembrando de repente de uma coisa - Aquela citação no papel do buquê.
– Que citação? 
– De Gandhi. Em lápis, no verso do papel com as flores. 
– Hmmm… - Ele pareceu pensativo, tentando se lembrar - Acho que aquilo fui eu bêbado. Eu costumo ser sincero quando bebo. Acho que você já notou isso. 
– Já.
– Pensei que tivesse apagado antes de entregar a você, mas eu estava mesmo bêbado. Aquele era o meu dilema. Eu não queria assumir, mas ao mesmo tempo queria que você soubesse de alguma forma. 
– Eu não tinha entendido. Mas resolvi guardar o papel pro caso de você querer explicar algum dia. 
– E já descobriu sua flor favorita? 
– Você me fez gostar de camélias. - Sorri. 
– Se estivéssemos na primavera, você estaria rodeada delas agora. 
– Bom… - Comecei, um pouco sem graça - Talvez… 
– Sim. - Ele me interrompeu - Você vai estar aqui na próxima primavera. 
– E qual vai ser a ocasião? - Perguntei sem muita curiosidade. 
– Você vai ver. - Ele falou com um ar misterioso propositalmente exagerado.
Então me perguntei como ele me traria assim, sem mais nem menos, sem ter que largar suas obrigações. Diferente de mim, Bruno tinha coisas para fazer. 
– Você vem comigo, né? - Perguntei antes que pudesse raciocinar e chegar à conclusão que aquela pergunta era idiota. 
Ele riu. 
– Claro. 
– Não vai atrapalhar as suas coisas na empresa? 
– Não. Sem problemas. - Ele respondeu de forma simples, sorrindo e me dando um outro selinho.
Aquele assunto me fez lembrar de algo que martelava na minha cabeça havia algum tempo. Era um pedido de ajuda, e por mais que não houvesse problema algum, eu me sentia um pouco envergonhada em falar disso com ele. 
– Hm… Eu queria te pedir uma coisa… 
– Qualquer coisa. 
– Qualquer coisa? Promete? 
Ele hesitou por um momento, talvez considerando a possibilidade de que eu pedisse algo completamente esdrúxulo. Mas, por fim, consentiu. 
– Diga. 
– Eu queria a sua ajuda… Você é uma pessoa que normalmente consegue as coisas que quer, certo? 
– Normalmente… - Ele estava desconfiado. 
– Eu só queria que você, sabe… Conseguisse uma coisa pra mim. 
Ele continuou em silêncio, esperando que eu explicasse.
– Não que eu esteja te usando, mas é que eu já tentei… 
– Estou ouvindo. 
Ele estava ficando um pouco tenso, e eu podia notar isso. 
– É que eu queria que você me ajudasse… A conseguir um emprego. - Me calei, mas como o silêncio parecia incômodo, me apressei em falar outra vez - Eu sei que não sou qualificada pra nada, mas não estou pedindo uma coisa muito elaborada. Só queria trabalhar em alguma coisa, qualquer coisa, pra ocupar o meu tempo e pra pagar pelo menos um pouco das despesas que eu já dei… 
Ele continuou me olhando calmamente, aparentemente mais aliviado pelo simples fato de não estar mais sendo enrolado. Mas ainda estava sério. 
– Você sabe que não precisa trabalhar. 
Era óbvio que eu sabia disso. Se fosse levar em conta o quanto Bruno ganhava, sabia também que ele conseguiria sustentar talvez umas vinte famílias sem esforço nenhum. 
– Eu quero.
– Por quê? 
– Já te disse… - Comecei, tentando parecer menos envergonhada - Essa situação me deixa mal. 
– Que situação? 
– Você sabe qual situação. Eu não quero ganhar tanto como você, nem sonho com isso. Meu salário pode ser o que você costuma dar de gorjeta. Só quero ganhar alguma coisa. Não quero ser um peso morto… 
– Ainda se acha um peso morto? Depois de todo esse tempo? Você escutou alguma palavra que eu te disse até hoje?
Apesar de contrariado, ele estava calmo. Isso era bom. 
– Eu sei… - Me aproximei de seu rosto, sem nenhum motivo em particular - Eu só quero colaborar com alguma coisa também. E sei que não precisa, mas eu me sentiria melhor. Muito melhor. E não estaria te pedindo se conseguisse sozinha. 
Ele continuou me olhando, outra vez querendo que eu continuasse sem que ele precisasse pedir. 
– Você tentou? 
Resolvi ser sincera e falar exatamente o que me veio à cabeça, mesmo que aquilo parecesse inapropriado. 
– Sim. Passei algum tempo tentando, mas não consegui. Aí dei o azar de um cara se lembrar de mim… E eu surtei. Foi quando você me achou.
Eu sabia que ele tinha entendido. Não que Bruno tivesse demonstrado de alguma forma, mas eu simplesmente sabia.
Ele suspirou. 
– Tudo bem. Não vai ser difícil. 
Me senti debilmente vitoriosa. 
– Eu já sei a resposta… - Ele começou, interrompendo minha comemoração silenciosa - Mas não custa nada perguntar: Você quer trabalhar na minha empresa? 
– Não! 
Eram vários os motivos para aquela resposta. Primeiro, eu não queria ficar lá só por causa do meu relacionamento com Bruno. Além disso, estava ciente de que não saberia fazer nada, nem mesmo desempenhar um papel decente de secretária. Dessa forma, não só eu estaria ali por ser “a namorada inútil do chefe”, mas também ganharia um salário bom (eu tinha certeza que ele se encarregaria disso) sem fazer absolutamente nada de útil.
Além de tudo isso, quanto menos eu tivesse contato com empresários, melhor. Não estava em uma posição tão confortável para me dar ao luxo de correr riscos e arruinar com a minha vida, que finalmente parecia começar a melhorar.
E Bruno entendia todas essas razões. 
– Imaginei. 
– Qualquer coisa simples está bom. De verdade… 
– Não se preocupe. Se você vai ficar feliz com isso, vai ser feito do seu modo. 
Suspirei outra vez, encostando nossas testas e nossos narizes. 
– Obrigada.
Ele sorriu, e então senti vontade de agarrá-lo. Felizmente, antes que acabássemos os dois dentro do chafariz gelado, ouvimos uma voz ecoando ao longe pelo campo aberto. Era Hérica fazendo algum tipo de sinal para que voltássemos. 
– Essa família me ama. - Ele concluiu, me tirando de seu colo e nos colocando de pé, enquanto pegava os panos de cima da mureta do chafariz. 
“E quem não ama?” pensei, enquanto ajeitava despreocupadamente meu sobretudo, apertando mais o nó na altura da cintura para me manter aquecida. 
Eu estava leve e feliz. Estava com ele, e começava a me dar conta de que esse simples fato acabava sempre tornando tudo muito melhor.
Levantei a cabeça outra vez e vi que Bruno me encarava com uma expressão um pouco surpresa, um leve sorriso nos lábios e uma alegria contida no olhar. Imediatamente entendi o que tinha acontecido.
Eu havia “pensado” em voz alta.
Senti meu rosto corar violentamente, fervendo de vergonha. 
– Ahm… Vamos? - Falei, tentando escapar daquele momento constrangedor.
Mas era óbvio que ele não me deixaria escapar ilesa. Por isso, segundos depois aceitei o fato de ser agarrada e tomada em um beijo brutal, me deixando sem defesa, exatamente como os beijos arrebatadores de cinema. Bruno finalmente me largou naquele estado gelatinoso que eu costumava ficar quando ele parava de me tocar.
– Linda. 
– Certo. - Tossi, limpando a garganta e sorrindo de forma idiota - Vamos… 
Saí andando na frente. Ele riu com minha atitude envergonhada, e logo me alcançou com suas passadas largas. Sem dizer uma só palavra, entrelaçou seus dedos nos meus, girando um pouco o anel com seu polegar. Meu rosto foi esfriando e voltando ao normal a medida que nos aproximávamos da casa. 
O relógio agora marcava 08:30h da manhã.
– Nossa, amor. É o seu quinto pedaço de bolo.
– Se você quiser ter um filho gordo e saudável, me deixe comer em paz.
Mais uma vez o assunto estava na gravidez de Jhulie. Chegamos à cozinha e a encontramos com Diego ao seu lado no café da manhã. Hérica estava sentada na cabeceira da mesa, observando a filha comer perto dela. 
– Ora se não é meu irmão desnaturado que finalmente vem me ver antes que eu vá embora. - Jhulie pontuou, ainda comendo o pedaço do bolo em suas mãos, provocando Bruno. 
– Você vai embora hoje? - Ele perguntou um pouco espantado, enquanto sentávamos nas cadeiras à frente dela e de Diego.
– Vamos passar o dia de Natal com a família de Diego como sempre, cabeção. 
– Mas pela quantidade de malas, pensei que ia ficar pelo menos por uma semana dessa vez.
– Só aumentei a quantidade de malas pra aumentar as opções. 
Diego olhou para nós com uma cara extremamente puta de “e sobra pra mim”. 
– Vá se acostumando. - Disse Jhulie em um tom de bronca ao ver a expressão do marido - Meu guarda-roupa vai ficar ainda maior com as roupas de grávida. 
– Você já tem algum sintoma? - Perguntei, um pouco curiosa. 
– Não muitos. Há uma semana atrás tive vontade de comer quiabo com chantily, mas acho que foi só isso. 
– Bacana! - Bruno exclamou, achando graça. 
– Não foi bacana. - Diego concluiu - Ela vomitou uma gosma verde-bebê na manhã seguinte. 
– Uau! Grávidas não são o máximo? - Bruno falou de novo, dessa vez gargalhando abertamente. 
– Grávidas são uma bomba armada, cara. - Arthur entrou na conversa, rompendo pela cozinha de robe preto, com Robert atrás dele - De repente, boom! Sai uma coisa de dentro delas chorando e esperneando. 
– Essa “coisa” a qual você se refere é seu sobrinho, seu troglodita insensível. - Jhulie falou, não dando realmente muita importância para Arthur. 
– Querido, vista uma roupa. Temos alguém novo na família. - Hérica falou, de forma gentil mas repreendedora. 
– Ah, mãe, a Ninha não vai ficar me manjando. Ela prefere bichas magrelas e esquisitas. 
Um pão de forma voou na cara de Arthur. 
– Bruno, não brinque com a comida.
– É, Bruno. - Falou Jhulie, calmamente - Taca o copo. 
– Por que vocês gostam de tacar coisas? - Robert perguntou de forma retórica. 
– Bem vinda à loucura da minha família. - Hérica falou ao meu ouvido. 
Sorri. 
Não havia como negar que eu amava aquela loucura. Ria de todos eles e da dinâmica maravilhosa que acontecia ali. Senti uma pitada de inveja de Bruno por ter uma família tão linda, e de repente a saudade dos meus pais me atingiu em cheio. 
Perdi a concentração no que os Coolin diziam por um momento. Não em lamentações, mas apenas no desejo de ter Theresa e André ainda comigo, para que eu pudesse apresentar Bruno a eles. Tinha certeza que se dariam bem. 
Então me peguei imaginando se eu teria o conhecido caso meus pais não tivessem falecido. No final das contas, foi por isso que tomei aquele rumo, e foi dessa forma que ele entrou na minha vida.
Eu não sabia a resposta para aquela pergunta.
Foi só quando o ambiente ficou estranhamente silencioso de repente que despertei, vendo-os outra vez à minha frente. 
Robert olhava com uma expressão satisfeita para Bruno, e Arthur parecia orgulhoso com alguma coisa ou alguém. Hérica estava agindo discretamente, embora eu não entendesse do que exatamente se tratava sua discrição, dobrando guardanapos à sua frente e sorrindo um pouco abobalhada. 
Diego também lançava olhares estranhos para Bruno, e Jhulie, como sempre diferente dos outros, olhava diretamente para mim, com um sorriso e um olhar provocativos. 
Eu havia perdido alguma coisa, mas não sabia o quê. 
– Anel bonito, Ninha.
As palavras da irmã minúscula de Bruno tiveram o efeito que ela certamente queria. Se fosse possível alguém morrer de vergonha, meu cadáver já estaria frio. Deixei que minha mão fosse parar embaixo da mesa, escondendo o foco da atenção de todos ali. 
Durante todo aquele tempo, eu ouvia a discussão com a mão direita no queixo, e sem notar, a manga do casaco que eu vestia escorregou pelo antebraço, revelando ali o aro dourado que havia ganhado de Natal. 
Minha falta de atenção era quase um “Bruno me deu uma aliança! Olhem como brilha!”. Eu estava prestes a responder alguma coisa. Provavelmente algo como “Hmpf… É…Anh…” mas graças a Deus fui interrompida por uma voz alta e grave. Eu sequer sabia de onde ela tinha vindo, mas a obedeci imediatamente. 
– Saiam da minha cozinha! AGORA! Preciso cozinhar! 
Não só eu, mas todos que estavam sentados pularam de suas cadeiras com o susto. Só quando estava quase na porta que notei que a ordem havia vindo de uma mulher gordinha e idosa, provavelmente a cozinheira, alguém que constatei não ter um dos melhores humores. Mas Hérica ainda sorria ao seu lado, então talvez ela fosse sempre daquela forma “efusiva”. 
Deixamos que ela trabalhasse. 
Fiz menção de ir para o quarto e passar o resto do dia escondida ali - meu rosto ainda fervia de vergonha. Mas Bruno me arrastou para a sala de estar, agora vazia, e nos jogamos no sofá de frente para a lareira acesa - ele sentado e eu deitada em seu colo. 
Ficamos em silêncio. A casa estava mais fria que a noite anterior. Arthur se juntou a nós um pouco depois, agora vestindo roupas próprias para o inverno.
– Então, vocês ficam aqui até amanhã? - Ele perguntou, e pela primeira vez o que ouvi saindo de sua boca não era uma piada. 
– Sim. Vamos embora às 13h amanhã. - Bruno respondeu, mexendo de forma despreocupada nos meus cabelos, e eu comecei a sentir sono outra vez. 
– É, eu também. Vou embora algumas horas depois. 
Eles ficaram em silêncio por algum tempo, enquanto eu encarava a lareira. Me permiti ficar de fora da conversa dos dois, apenas de ouvinte. 
– Cara, reparou como a mamãe está feliz? 
– Claro. Ela vai ser avó… 
– Não é só isso. 
Eles se calaram outra vez. Senti os dedos de Bruno se moverem de novo nos meus cabelos. Minhas pálpebras, a essa altura, já pesavam algumas toneladas, e cada piscada parecia uma eternidade. O fogo dançava calmamente diante dos meus olhos, o calor da sala era reconfortante. Tudo ali estava me embalando. 
– Eu disse que tudo ia dar certo… - Ouvi a voz de Arthur ao longe. Ele parecia se divertir com alguma coisa. 
– É. Eu deveria ter acreditado.
– Claro que deveria. Eu estou sempre certo.
A partir daí, optei por ignorar toda e qualquer conversa que eles mantivessem, me permitindo retomar meu sono interrompido daquela manhã. 
… 
Bruno me acordou quando o almoço foi servido. Briguei com ele por não ter me acordado antes, para que eu pudesse ter ajudado com a mesa. Ele me ignorou. 
Hérica mandou prepararem um prato leve especialmente para mim por causa do mal estar matinal. Disse a ela que não precisava ter se preocupado, mas ela também pareceu me ignorar. Comemos rápido, já que dali a uma hora Jhulie e Diego estariam de partida. 
Robert ainda fez mais algumas perguntas quanto à gravidez, como a data prevista para o parto e quando e onde seria o chá de bebê. Quando terminamos, ajudei a tirar a mesa, embora parecesse ter uma empregada exclusivamente para aquele trabalho. Bruno mais uma vez tentou me arrastar dali, então o ameacei de morte caso não me deixasse fazer aquilo. Ele concordou. 
E então, mais rápido do que eu mesma queria, a hora de ver a irmã-borboleta de Bruno e seu marido partirem chegou. Eu gostava deles, embora não entendesse o timing das piadas de Diego e as esquisitices de Jhulie. Mas simplesmente não havia como desgostar deles.
– Ei, Anninha… Estamos bem, não é? 
Diego se despediu de todos, aparentemente me deixando por último de propósito.
– Claro. - Respondi, empregando um tom casual na voz. 
– Espero que você não tenha mesmo me achado um babaca. Aquela brincadeira, realmente não foi por mal… 
– Tudo bem, eu entendo… 
– Entende porque é legal. - Jhulie interrompeu, olhando outra vez de forma fuzilante para o marido - Se fosse comigo, eu dava um chute no meio das pernas dele. 
Diego fez cara de dor e eu ri. 
– Anninha, adorei conhecer você. Se quiser passear pela França algum dia desses, peça ao Bruno o nosso endereço. Vou amar te mostrar Paris. 
– Vou ter isso em mente pra um possível surto de loucura. - Falei, rindo da sua ideia absurda de um “passeio” em outro país. 
Ela me deu um abraço apertado, mais apertado do que os que eu estava acostumada a receber. Mas antes de se afastar, ouvi sua voz suave como sinos no meu ouvido, e tive certeza que só eu pude ouvir o que ela disse naquele momento. 
– Cuide dele.
Jhulie se afastou ainda me encarando, e então percebi que só uma pessoa poderia me olhar de forma mais intensa e misteriosa do que Bruno: Sua irmã. 
E mesmo que ela fosse esquisita daquela forma, mesmo que eu não entendesse metade das coisas que ela queria dizer quando me olhava, minha intuição insistia em trabalhar na ideia de que eu poderia confiar nela.
Me arrepiei. 
A ligação entre nossos olhares foi cortada assim, de repente, quando ela resolveu se desviar de mim e dar um último abraço em Hérica, Robert e Arthur, um pouco à minha frente nos degraus da escada. 
– Au revoir! - Finalizou, se curvando de forma graciosa e dando uma pirueta no lugar para sair saltitando feito uma bailarina, sempre linda, para o taxi onde Bruno e Diego tentavam ajeitar as malas.

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