Capítulo 18

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Finalmente me calei, sentindo meu coração bater dolorosamente no peito e as lágrimas escorrerem descontroladamente pelo rosto. Não importava a resposta dele, qualquer uma que fosse. Tudo que eu queria agora era acabar com aquilo e poder conseguir respirar outra vez longe dele.
Esperei por sua reação, conseguindo controlar um pouco o choro e limpando as lágrimas dos olhos. O silêncio do quarto poderia ter me incomodado e a falta de resposta poderia ter feito com que eu me sentisse ainda pior, mas isso não aconteceu. No final das contas, eu sabia que ele provavelmente não teria o que responder, mas tudo que podia fazer era esperar. Esperar até que ele me desse algum sinal de que consentiu com meu pedido e que eu poderia ir adiante com o que eu deveria fazer.
De repente, senti os cabelos em minha nuca serem puxados com violência para baixo, fazendo com que meu rosto levantasse, e então eu estava cara a cara com ele.
Seu rosto estava a poucos centímetros de mim, tão perto que nossas testas se encostavam. Ele me olhava com uma intensidade que eu jamais havia visto antes, e eu ainda podia sentir seus dedos puxando com força meus cabelos, mas não reclamei.
Tive um momento para sentir o poder que sua proximidade exercia sobre mim, ficando praticamente hipnotizada por seus olhos que insistiam em fitar os meus. Sua respiração estava pesada contra meu rosto, e cada vez que ele expirava eu podia sentir o cheiro de menta do hálito dele, despertando em mim o nervosismo que havia conseguido evitar durante quase toda aquela noite.
Mas o momento foi breve.
Fui atingida pela sua aproximação furiosa, sentindo sua boca vindo de encontro à minha com força suficiente para machucar.
Ainda assim, não pude sentir a dor porque não consegui ter reação alguma pela atitude dele.
Eu estava em choque.
Fiquei imóvel, ainda de olhos abertos, tentando assimilar as informações. Ele parecia absorto em sua tentativa, me beijando com muita força enquanto me puxava cada vez mais para si. Eu queria estar em condições de me mover, mas nem a dança impaciente que sua língua fazia foi suficiente para me tirar do estado catatônico em que me encontrava.
Fui empurrada para trás pelo peso de seu corpo e caí deitada de costas no colchão macio com ele ainda agarrado em mim. Notando que eu não retribuía aos seus beijos, ele afastou sua boca minimamente da minha e abriu os olhos, me encarando agora como quem implorasse para que eu retribuísse.
Foi então que, como um clique, senti meu corpo queimar todo de uma vez, quase entrando em um tipo de combustão instantânea, me tirando do transe e finalmente me puxando de volta para a realidade.
Me joguei para cima e agarrei seus cabelos com tanta força que provavelmente o machuquei, enquanto, completamente sem jeito e sem fôlego, o beijava com todo o desespero acumulado dentro de mim.
Senti-o responder à minha atitude, voltando a se agarrar em mim com uma fúria que eu não sabia existir dentro dele, enquanto deixava que seu corpo pesasse completamente sobre o meu.
Aquele beijo era perfeito.
Absolutamente perfeito.
Não importava quantas vezes eu havia sonhado com aquele momento ou o quão estimulante eu achava que ele poderia ser, nada do que eu imaginava era minimamente comparável àquilo. Conforme eu me acostumava aos movimentos de seus lábios nos meus e ao encaixe que sua língua fazia na minha, mais entregue e rendida eu me sentia, como se minha vida dependesse do não rompimento daquela conexão.
Era como se tudo pelo que eu tivesse passado tivesse sido esquecido, e então nada mais era suficientemente importante, porque ele - ele - estava ali.
Por algum tempo, tudo no que eu conseguia me concentrar era naquele beijo e nada do que estava fora dele era digno da minha atenção. Por isso, fui pega de surpresa ao sentir subitamente uma de suas mãos prender meus pulsos acima da minha cabeça, enquanto a outra mão deslizava de forma provocante pela minha barriga, sob o tecido do casaco.
Ele cessou o beijo, levando sua boca até meu pescoço e depositando beijos molhados ali, e a sensação de não sentir sua boca na minha provocou em mim uma decepção quase desesperante.
Fiz força para soltar meus pulsos do aperto dele, mas obviamente fracassei. Estava a ponto de gritar para que ele voltasse a me beijar, mas não foi preciso, porque no mesmo momento ele já satisfazia meu desejo, voltando a deslizar sua língua na minha enquanto subia sua mão da minha barriga para um dos meus seios.
O beijo ficou ainda mais intenso, e eu começava a sentir falta de ar, mas não me importava. Oxigênio não devia ser tão importante, e o prazer de respirar não devia compensar a decepção de senti-lo se afastar de mim outra vez.
Bruno finalmente soltou meus pulsos e então eu pude mexer novamente minhas mãos livremente. Meus dedos migraram imediatamente para o botão da sua calça, enquanto eu tateava às cegas o zíper. De alguma forma que eu não saberia dizer, em pouco tempo ele havia conseguido se livrar do resto de suas roupas. Foram necessários alguns segundos para que eu me desse conta disso, e no momento seguinte já havia me atirado em seu colo e me agarrado em seu pescoço como um afogado se agarra à boia.
Eu estava simplesmente rendida e tinha total convicção disso. Sabia muito bem que nenhum surto de razão que pudesse me tomar seria capaz de me fazer parar agora, porque tudo que eu mais queria na vida estava acontecendo.
Ele me tinha nas mãos, e eu sabia que isso só acontecia porque eu era fraca e vulnerável, e porque estava excepcionalmente sensível, mas naquele momento nada, absolutamente nada além dele importava.
Eu deixaria para me arrepender quando aquilo acabasse. Sabia que isso ia acontecer, mas nem essa certeza seria suficiente para me impedir de levar aquilo adiante. Mesmo que ele voltasse a me ignorar quando estivesse satisfeito. Mesmo que tudo voltasse a ser um pesadelo no momento em que eu o deixasse. Mesmo que eu fosse sofrer mil vezes mais.
Eu não me importava. Não agora.
Não tendo-o daquele jeito, mesmo que aquilo fosse só o resultado de seu instinto protetor um pouco doentio e deturpado. Mesmo que aquele beijo não tivesse para ele o mesmo significado que tinha para mim.
Eu estava entorpecida, mas ainda assim sabia que aquilo estava longe de ser uma declaração de amor por parte dele, como se meus sonhos tivessem subitamente se tornado todos realidade.
Eu sabia que no momento em que tudo acabasse, ele voltaria para sua vida e eu para a minha, e mesmo com essa certeza, eu não podia fazer nada além de compactuar com aquilo.
Porque eu não tinha forças para negá-lo. Eu estava sofrendo demais, precisava demais dele para me deixar levar por qualquer tipo de orgulho, e se isso era a definição de fraqueza, então que fosse. No final das contas, eu sabia que ia acabar mais machucada do que nunca, mas eu me importaria com isso depois.
Depois.
Porque ele estava ali agora, e só isso importava.
Agarrei seus cabelos novamente com desespero, me envolvendo nele com tanta força que meus músculos começavam a doer. Senti-o puxar para cima o casaco que eu vestia, e mesmo desejando profundamente que nossas línguas não tivessem que se separar outra vez, permiti que ele passasse o tecido pela minha cabeça.
Senti sua mão migrar para minha nuca outra vez, e esperei de olhos fechados pela sua boca, enquanto sua respiração ofegante se chocava contra a pele do meu rosto, ainda úmida pelo choro recente.
Como estava demorando mais do que eu desejava, abri os olhos e o encontrei a centímetros de mim outra vez. Como se estivesse apenas esperando para que eu fizesse isso, finalmente ele se inclinou para frente e, fitando intensamente meus olhos, com a intenção de prender meu olhar no seu, me beijou rápida, mas furiosamente.
Uma vez. Duas vezes. Repetidas vezes, me entorpecendo lentamente e me fazendo sentir a intensidade em cada beijo, em cada toque, em cada lampejo de seu olhar.
Eu amo você... Amo você...
Eu sabia que se pronunciasse aquelas palavras, o pegaria desprevenido e talvez acabaria com aquela noite. Por isso, aquela frase se repetia apenas na minha cabeça, enquanto aproveitava a sensação de cada pequena parte de seu corpo tocando o meu.
De sua pele acariciando a minha, de sua língua dançando livremente dentro da minha boca, e no processo, sentindo seus movimentos se tornarem gradativamente mais urgentes e estimulantes.
Quando nossas respirações tornaram-se ofegantes a ponto de nenhum dos dois conseguir mais adiar, Bruno se inclinou para o lado e rapidamente abriu a gaveta de seu criado mudo, tirando de lá um preservativo. Arranquei a embalagem de suas mãos e a abri, tentando manter a borracha lubrificada firme entre meus dedos trêmulos.
Fui surpreendida novamente por outro beijo invasivo, tendo que me concentrar para terminar o trabalho que tinha que ser feito.
Agradeci silenciosamente quando finalmente consegui desenrolar o preservativo por toda a extensão de seu membro, entre um beijo e outro, e imediatamente senti suas mãos me levantando com facilidade e me posicionando em seu colo.
Sem esperar mais, segurei-o firme com uma mão e o posicionei diretamente em minha entrada.
Quase instantaneamente, ele se moveu de forma brusca para frente, deslizando de uma só vez para dentro de mim enquanto ainda me beijava. Não pude conter o gemido alto que escapou de meus lábios com a sensação de ser invadida duplamente por ele.
A partir daí, concentrei-me nos movimentos ritmados e sincronizados que seus quadris e sua língua agora faziam dentro de mim, e de repente fui invadida por uma estranha sensação de paz.
Dia seguinte.
Meu corpo doía.
Foi a primeira coisa que pude verificar enquanto, sonolenta, tentava me adaptar com a recém retomada consciência. Sentia meu corpo mais pesado que o normal, o que talvez fosse o fruto de uma noite longa de sono, coisa com a qual eu já havia desacostumado. Ainda que pesasse alguns quilos a mais, eu conseguia sentir com facilidade o nível de relaxamento em que agora me encontrava, e se fosse me deixar levar apenas por esse fato, não teria movido um músculo sequer para mover as pálpebras.
Mas então lembrei do motivo pelo qual eu estava me sentindo daquela forma, e meus olhos abriram imediatamente. Pensei que a luz do dia machucaria meus olhos sensíveis ao sono, porque como bem me lembrava, as cortinas das janelas de vidro estavam recolhidas na noite anterior. Mas, para minha surpresa, isso não aconteceu.
A persiana negra agora estava fechada, fazendo com que o quarto ficasse iluminado apenas por uma luz fraca, vinda de uma grande luminária estilizada do outro lado do cômodo. Estranhei, porque por mais que a claridade exterior estivesse bloqueada, o quarto certamente não estaria com aquela aparência.
Me virei para o lado, ficando agora mais ciente das dores em meu corpo, e constatei que estava sozinha no quarto.
O lençol estava todo enrolado em mim, o que podia significar que o ocupante do lado esquerdo da grande cama de casal havia saído de lá há algum tempo. Foi então que reparei no relógio no criado mudo, que mostrava as horas atuais.
Meus olhos registraram o número 6:46, mas foram as duas letras posteriores que me fizeram arregalar os olhos.
6:46 p.m.*
- QUÊ?
Levantei rápido, ignorando as dores musculares, e olhei em volta, procurando por outro relógio para me certificar de que NÃO eram quase 19h.
Como não achei nenhum, corri para o banheiro e achei sobre a bancada em frente ao espelho um relógio de pulso que agora marcava 18:47h.
- Ah, merda!
Mas onde ele estava, afinal de contas? Por que não me acordou para pedir que eu fosse embora? Por que me deixou dormir quase até as 19h?
- Merda! Merda!
Levei alguns segundos rodopiando feito barata tonta no mesmo lugar, tentando lembrar onde havia deixado minhas roupas da noite anterior.
Finalmente olhei para cima e vi minha calcinha e meu vestido azul pendurados no gancho atrás da porta, a trinta centímetros de mim. Peguei as peças de roupa e me vesti rapidamente, pensando agora em muitas coisas ao mesmo tempo.
Por que ele não havia me chamado assim que acordou e me viu ao lado dele?
Eu podia lembrar das poucas vezes em que havia sido permitida dormir na cama de um cliente, e em todas elas eu era acordada às pressas por homens que só queriam que eu fosse embora o mais rápido possível.
Aparentemente, essa havia sido a primeira vez em todo esse tempo que isso não havia acontecido.
Onde ele estava? Estávamos em um sábado, e até onde eu sabia, ele só trabalhava de segunda a sexta.
Talvez aquele fosse um dia a parte, onde estivesse excepcionalmente ocupado e atarefado. Mas isso não seria coincidência demais? Além do mais, eu tinha minhas convicções que ele não sairia e deixaria uma prostituta sozinha dentro da sua casa.
Ele não era imbecil.
Onde quer que ele estivesse, eu tinha uma certeza: Quando o encontrasse, sabia que aquela postura fria e austera estaria lá.
Por isso, era bom que eu não começasse a esperar cumprimentos cordiais e palavras doces além de um "Boa tarde, saia da minha casa".
Esse pensamento só aumentou meu nervosismo em encontrá-lo.
Eu queria olhar para ele depois daquela noite, queria vê-lo antes de ter que me despedir outra vez. Poderia ficar fantasiando com aquele beijo, mas eu bem sabia que aquilo não tinha significado nada para ele. Talvez tudo aquilo tivesse sido apenas o resultado de uma possível culpa depois das minhas palavras, ou então algum tipo de alívio pelo seu instinto protetor um tanto quanto estranho comigo, mas não seria nada muito além disso. Nada que me fizesse ter qualquer tipo de esperança.
Eu precisava de um banho. Podia dizer isso só de lembrar da noite anterior, mas aquilo ficaria para outra hora.
Calcei meus sapatos e lavei o rosto apressadamente, bochechando com um enxaguante bucal de menta que estava em cima do balcão e penteando com os dedos meus cabelos, tentando desfazer os nós nas mechas mais próximas à cabeça.
Finalmente me olhei no espelho e me assustei um pouco com meu reflexo.
Meus lábios estavam inchados e vermelhos da noite anterior. Meus olhos também estavam inchados e ainda avermelhados, provavelmente pelo choro, e meu pescoço apresentava manchas um pouco escuras. Reparei então que os hematomas se espalhavam pelo resto do corpo, e embora aquilo fosse algo conhecido para mim, não pude deixar de ficar surpresa, já que havia algum tempo desde que a última marca havia aparecido.
Quando me dei conta de que não ia ficar muito melhor que aquilo, saí já à procura da minha bolsa, que deveria estar em algum lugar do quarto. Encontrei-a pendurada na maçaneta da porta, então me virei novamente e vi uma cama extremamente desarrumada, com lençóis e edredom enrolados e vários travesseiros quadrados e pequenos espalhados pelo chão.
Dobrei e arrumei tudo com pressa, colocando cada coisa em seu lugar, e só então pude sair.
Naquele momento, eu não sabia se tentava ser discreta e não fazer barulho até chegar à porta, com um certo receio de ter que encará-lo de novo, ou se ia à sua procura pela casa, podendo usar como desculpa a exigência do pagamento pelo programa da noite anterior.
Optei por caminhar cuidadosamente, tomando cuidado para que os saltos de meus sapatos não fizessem um barulho muito alto e o alertasse de que eu estava prestes a ir embora, onde quer que ele estivesse.
Cheguei até a cozinha olhando apenas para o chão, tendo a porta como meu único objetivo, e foi antes de dar o último passo para girar a maçaneta que ouvi um pigarro atrás de mim.
Virei-me sem muita pressa, finalmente fitando-o nos olhos, enquanto ele se debruçava no balcão com um laptop aberto à sua frente.
Eu sabia que não estaria errada em minhas conjecturas, e então vi ali exatamente o que esperava ver: Uma postura fria e dura, embora não fosse completamente indiferente.
Não era a mesma expressão que ele tinha no dia anterior. Por mais severo que ele parecesse agora, seus olhos me mostravam o contrário. Não era pena, compaixão, raiva ou nojo.
Eu não saberia dizer o que era, mas ele não estava completamente indiferente a mim, e por menor que isso fosse, senti um sopro de vida me tomar de repente.
- Por que não me acordou?
Fui pega de surpresa pelo som da minha própria voz, e me perguntei quando havia desenvolvido a constrangedora capacidade de pensar em voz alta.
- Você parecia exausta.
Sua voz também tinha o tom frio e seco de ontem, mas como não esperava nada diferente daquilo, não me importei. Ao invés disso, me esforcei para pensar em uma boa réplica para dar, mas não consegui nenhuma.
- Coma o que quiser. - Ele falou, apontando para o lado, e pela primeira vez pude notar a enorme quantidade e variedade de comida ao lado dele. Pães, biscoitos, frutas, sucos, chás e doces estavam espalhados de forma organizada por cima do balcão, enquanto uma cafeteira esquentava o café.
- Não estou com fome.
Era mentira, eu estava faminta, mas não queria bancar a desesperada na frente dele.
- Quer ter uma crise de pressão baixa ou de hipoglicemia no meio da rua? Sabe há quanto tempo você está sem comer?
Me dei conta de que havia muito, muito tempo desde que tinha comido algo pela última vez. Ele não tinha a menor noção disso ao fazer a pergunta, mas ainda assim, estava certo.
Sem esperar pela minha resposta, ele se levantou e se virou para pegar a cafeteira atrás de si, desviando seu olhar do meu pela primeira vez. Despejou dentro de um copo uma boa quantidade de café e o empurrou discretamente para mim.
- Senta.
Sentei-me em um dos três bancos altos que estavam dispostos pelo comprimento do balcão, ficando de frente para ele enquanto era servida de açúcar.
- Obrigada. - Falei em uma voz muito baixa.
Ele não respondeu, e ao invés disso foi novamente para o lado, sentando-se à frente do notebook e se esquecendo da minha presença ali.
Agradeci por isso, ficando mais à vontade sem que ele estivesse me observando. Era óbvio que isso indicava que, para ele, minha presença ali continuava sendo tão importante quanto a de um grão de poeira, mas ao menos ele não havia me expulsado como imaginei que fosse fazer assim que me visse de pé.
Bebi todo o café e comi três torradas sem recheio algum.
Não mais que isso. No exato momento em que havia terminado, Bruno fechou seu notebook e se levantou, indo de encontro às suas chaves em cima de uma bancada lateral, o que me fez ter a impressão de que, primeiro, estava ansioso para que eu fosse embora, e segundo, esteve prestando atenção em mim o tempo todo.
Me senti mal por ter sido o motivo de tê-lo prendido em casa, atrapalhando qualquer que fosse seu compromisso. Desejei profundamente que ele tivesse me mandado embora, no final das contas, ou que eu tivesse acordado mais cedo.
Mas era tarde para ficar me lamentando.
Me virei e encontrei Bruno já segurando a porta aberta para mim, então me apressei em deixar a cozinha, tentando lembrar se não havia me esquecido de nada.
Relaxei um pouco ao me dar conta de que havia trazido muito pouca coisa para que algo pudesse ser esquecido. Segui-o quando ele entrou no elevador, mantendo minha cabeça baixa durante todo o percurso da cobertura até o térreo. Quando o elevador finalmente parou, notei que agora estávamos na garagem outra vez, e então eu não sabia para onde ir. Só quando ele alcançou a porta do carona e a manteve aberta para mim, me olhando despreocupadamente enquanto esperava que eu me mexesse, me dei conta de que ele me daria uma carona.
É claro. A situação era estranha e desconfortável, mas ele era, antes de mais nada, um cavalheiro. Mesmo com sua quase bipolaridade, eu deveria imaginar que ele seria educado naquela ocasião, já que a hostilidade que eu esperava inicialmente não havia se manifestado.
Mais por reflexo do que qualquer outra coisa, me apressei em sentar no banco do carona, e pouco tempo depois saíamos da garagem outra vez.
Lembrei do dia anterior, quando eu estava naquele mesmo banco e não sabia o que esperar da noite. Agora que tudo havia passado, eu sabia que estava me aproximando da tal despedida que sabia ser necessária. Mesmo que eu tivesse me condicionado a aceitá-la e lidar com ela, eu sabia que não seria assim tão fácil, e só teria a noção exata do estrago que faria em mim quando estivesse vivendo o momento.
Por hora, eu poderia quase dizer que estava confortável ao seu lado, enquanto as árvores e postes das ruas à nossa volta iam ficando para trás. O silêncio, mesmo ainda sendo desagradável, já não era tão sufocante, e não era como se eu quisesse exigir dele uma posição por tudo o que eu havia lhe confessado na noite anterior.
Eu não queria ouvir seus argumentos, porque sabia que eles levariam a uma conclusão dolorosa. Eu poderia estar apaixonada por ele, e ele poderia saber disso agora. Mas eu não esperaria nada mais além daqueles dois simples fatos, então não precisava de uma resposta ou uma opinião sobre o assunto. Ele havia aceitado a verdade aparentemente sem se incomodar, o que já era muito. Mas era hora de cada um seguir com as suas vidas, o que no final acabaria acontecendo de qualquer forma.
Bruno se inclinou para frente e ligou o rádio, então pude ouvir uma música calma e suave cuja melodia era desenvolvida apenas por um piano e nada mais além disso. A gravação não parecia ser profissional, podendo-se escutar um leve ruído ao fundo, mas isso não era o suficiente para tirar a beleza da música.
Encostei a cabeça no banco e me deixei levar pela tranquilidade e paz que ela transmitia, enquanto tentava esquecer da dor no peito, agora crescente com a aproximação do momento em que eu teria que aceitar o afastamento dele da minha vida.
- Gosta?
Abri os olhos imediatamente, olhando para ele.
Ele continuava compenetrado na estrada, e eu poderia até dizer que ele não estava falando comigo se não fosse pelos fatos de não haver mais ninguém no carro, de ele não estar com um celular no ouvido e de não ser esquizofrênico para falar sozinho.
- Sim. - Respondi depois de alguns segundos me certificando de que a palavra tinha realmente sido dirigida a mim.
- Sou eu.
Continuei encarando-o, sem entender muito bem. Ele me encarou rapidamente, e falou outra vez.
- Tocando. Eu toco piano.
Claro, era do feitio dele saber fazer essas coisas bonitas e que exigiam algum talento especial. Talvez ele também escrevesse poesias ou coisa assim.
- Ah. É lindo.
Foram as únicas palavras que consegui dizer, antes de parar de encará-lo como uma psicopata e desviar os olhos dele, voltando à minha posição original.
- Obrigado. - Falou cordialmente.
Aquilo foi o máximo de interação que houve entre durante todo o percurso. O caminho de volta poderia parecer mais longo se eu levasse em consideração que, agora, ele não corria como um louco, costurando o trânsito como fizera na noite anterior. Mas como eu queria estar na sua presença pelo máximo de tempo possível, não pareceu demorar muito até que finalmente tivéssemos chegado ao meu bairro.
- Me guie.
Eu não queria que ele soubesse onde eu morava, mas imaginei que meus esforços para convencê-lo a me deixar em qualquer lugar próximo seriam em vão. Por isso, dei algumas poucas instruções a ele, e antes que pudesse me arrepender, já estávamos na minha rua.
- É aqui, obrigada.
- Você mora em um galpão? - Ele falou, apontando de forma debochada para o portão à nossa frente, no início da rua.
- Não, é no final da rua. Mas eu vou andando.
Antes que eu pudesse abrir a porta e sair, ele já havia andado com o carro outra vez. Teria sido mais fácil falar que sim, eu morava em um galpão.
- Aqui? - Falou, enquanto parava no último prédio antes da esquina.
- Sim.
Ouvi o carro sendo desligado, então senti um baque no estômago, mas fiz força para não deixar transparecer. Aquilo seria tanto estranho quanto triste, porque além de não saber como me despedir dele, eu não queria. Mas de qualquer forma, poucas coisas na minha vida haviam sido do jeito que eu queria, então não deveria ser tão difícil a tarefa de deixá-lo.
Não deveria ser tão difícil, exceto pelo fato de que era. Não apenas difícil, mas insuportavelmente doloroso.
Enquanto eu pensava em algo para dizer, mesmo algo inútil que só servisse como uma última palavra, ele saiu do carro.
Aparentemente, tudo que ele faria aquele dia me pegaria desprevenida, então fiquei outra vez surpresa com sua atitude, saindo imediatamente do carro para entender o que ele estava fazendo.
Me dei conta de que havia escurecido quase completamente agora, enquanto o seguia para as escadas do prédio em que eu morava. A essa altura, eu já havia parado de tentar prever suas próximas atitudes, porque nenhuma delas condizia com o que eu imaginava.
Passei por ele enquanto segurava a porta para que eu entrasse, então parei ao pé das escadas, virando-me novamente para encará-lo.
- Certo...
- Qual é o andar?
Afinal de contas, o que ele queria? Subir até o meu apartamento?
- Sexto.
- Estou logo atrás de você.
Era exatamente isso que ele queria.
Mesmo que aquilo fosse diretamente contra a minha vontade, eu estava me deixando levar por uma esperança de que talvez ele resolvesse dizer mais alguma coisa caso eu o desse mais tempo ali.
Era uma esperança patética, mas ainda assim, virei outra vez para as escadas e comecei a subir, permitindo-o ficar um pouco mais. Mesmo que no final das contas isso só tornasse tudo pior.
Eu subia cada lance de escada pensando no que exatamente ele faria ao chegar no meu apartamento.
Ele não parecia muito curioso na noite passada com meu modo de vida, então não havia como imaginar o que ele queria de mim.
Chegamos no sexto andar e andamos um pouco pelo corredor feio e escuro, até chegarmos na porta de madeira que dava para o meu apartamento.
Precisei de algum tempo para conseguir abrir a porta, porque estava muito distraída tentando evitar seu olhar enquanto sabia que ele estava me encarando o tempo todo. Quando finalmente achei as chaves dentro da bolsa, hesitei um pouco ao abrir a porta para deixá-lo entrar.
- Olha... Está uma bagunça.
- Ok.
Ok.
A frieza dele não ajudava muito no meu nervosismo, mas de qualquer forma, eu jamais esperei um Bruno fofo e receptivo e todo "ah, relaxa, nem vou reparar".
O apartamento estava mesmo uma bagunça na medida do possível. O lugar não poderia estar completamente zoneado porque eu não tinha tantas coisas assim, e também não havia muito espaço pelo qual eu poderia espalhar as coisas. Minha bagunça resumia-se a algumas roupas empilhadas no sofá-cama, ainda desfeito, e outra pilha em cima da tv quebrada.
Minhas malas, bolsas e mochila estavam agrupadas em um canto, algumas abertas, e os poucos sapatos que estavam do lado de fora encontravam-se enfileirados pela extensão da parede.
Eu o teria convidado a se sentar se a situação pedisse as boas maneiras, mas ambos sabíamos que aquela não era uma visita casual.
Na verdade, só ele sabia do que se tratava aquilo, porque em todo o tempo, ele fazia questão de me deixar confusa e não mover um músculo sequer para começar a explicar o que queria ali.
Uma vez que estávamos nós dois lá dentro, fechei a porta já seguindo-o com os olhos, porque era óbvio que ele já havia escolhido sua próxima ação aleatória.
Sem se preocupar em olhar para mim ou me perguntar se poderia, ele se dirigiu até uma das minhas malas e, debruçando-se sobre ela, tirou de lá uma calça jeans e uma blusa branca comum.
Ao se levantar, me estendeu as roupas escolhidas enquanto usava sua recente mania de me olhar nos olhos toda vez que me dirigia a palavra.
- Tire esse vestido. Por favor.
Foi aí que notei a mudança na sua atitude. Ele ainda se mantinha frio e distante, mas diferente da noite passada, ele estava resignado. Ontem ele achava que tinha o direito de me tratar daquela forma, como se mandasse em mim. Hoje ele parecia arrependido disso, mesmo que sua postura continuasse dura.
Aceitei as roupas que ele me oferecia, encarando de volta seus olhos, e imediatamente passei por ele, indo também de encontro às minhas malas. De uma delas, tirei uma calcinha limpa e, com as três peças na mão, rumei para o banheiro.
Eu precisava de um banho, o que podia ser uma boa forma de dar a nós dois a oportunidade de nos separarmos de uma forma simples. Se ele também não sabia como ir embora sem que me machucasse - e se ele estava preocupado com isso - então poderia simplesmente partir enquanto eu estava trancada ali. Não haveria drama ou desconforto, então quem sabe assim não fosse o melhor final para nós dois?

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