Depois de algum tempo - o que parecia ser uma eternidade - ela conseguiu voltar a si, talvez pela percepção do resto da fumaça que deveria ser expelida queimando seus pulmões. Fosse qual fosse o caso, ela resolveu falar também.
– Ninha… - Sophia começou, repetindo o mesmo caminho que fazia entre meu rosto, o rosto de Bruno e a minha barriga - Oi!
– Oi. - Respondi, me sentindo estranhamente calma.
– Você… - Ela recomeçou, agora encarando apenas minha barriga - Por onde você esteve? Nós te procuramos tanto…
– Me desculpem… Eu não queria que vocês se preocupassem… - Respondi, caminhando na sua direção e fazendo com que a distância entre nós diminuísse.
Durante todo o percurso, seus olhos se mantiveram congelados no meu umbigo. Foi só quando eu já estava parada diretamente à sua frente que ela se mexeu de repente.
– Ai, merda! - Ela disse, me encarando assustada e jogando longe o cigarro, obviamente se preocupando com a fumaça perto de uma grávida. Sorri, me lembrando por um momento que eu gostava dela também.
– Ahn… Oi, Bruno.
Não ouvi a resposta dele, mas imaginei que ele devia ter acenado com a cabeça. A simples interação de Sophia com Bruno, por um momento, havia me feito pensar em coisas esquisitas. Eu estava agora no papel da esposa grávida, e bem ou mal, sabia que meu namorado já havia dormido com ela. Com ela e com todas as garotas que encontraria dentro daquela casa. Claro que, na época, eu estava na mesmíssima posição de Sophia, o que não seria tão esquisito de lembrar se Bruno não estivesse ali, a poucos metros de nós duas, tornando aquele momento estranho em muitos níveis diferentes. Aquilo era surreal. E desconfortável.
– Ninha… O que acontec… Como foi que… - Ela parou, suspirando e tentando organizar os pensamentos, ou pelo menos ordenar as perguntas em uma lista de prioridades - Você está bem?
– Estou. Desculpa não dar notícias, mas minha vida andou um pouco doida nesse tempo.
– É… Doida… - Ela começou, esperando alguns segundos até chegar mais perto de mim e falar em um tom mais baixo, como se aquilo fosse algum segredo que Bruno não pudesse saber - Puta merda, Ninha, você está grávida! Isso é insano!
– Eu sei. - Sorri de forma involuntária, o que fez Sophia soltar um riso abafado também - Eu queria conversar com vocês… Explicar as coisas… Júlia e Angela estão aí?
– Você deu sorte. Angela estava tentando carregar Júlia pro shopping há alguns minutos atrás. Elas ainda não saíram.
– Ótimo. Posso entrar? - Perguntei, apontando para a porta que daria para a cozinha da casa.
– Claro. Vem.
Ela caminhou na frente, abrindo a porta para que eu entrasse. Bruno permanecia me seguindo a cada passo, muito quieto e mudo. Entramos na cozinha grande e escura. Não havia ninguém ali, exceto nós três. Pelo que eu podia notar, a casa estava silenciosa, provavelmente por ser sábado, dia de folga das meninas. Eu não havia planejado aquela visita por isso, mas agora estava extremamente satisfeita por ter dado a sorte de escolher um dia do fim de semana.
Não que eu não quisesse encontrar com todas as meninas e me despedir de cada uma delas, mas sim porque ter que lidar com poucas delas, de uma forma ou de outra, tornava a situação mais fácil. E, felizmente, as poucas que ali estavam eram exatamente o motivo da minha visita.
– Vou chamar as duas. Você sabe onde fica tudo, pode se servir do que quiser.
Sophia saiu da cozinha e me deixou sozinha com Bruno. Encarei-o, tentando por algum milagre entender o que ele estava sentindo. Era difícil. Não só porque ele não falava, mas também porque sua expressão parecia neutra demais. Como se ele estivesse apenas fazendo um enorme esforço para não se deixar imergir naquele ambiente. Achei melhor não lhe dirigir a palavra. Se ele tivesse algo para falar, falaria.
Puxei uma das cadeiras da grande mesa central e sentei, esperando por Julia e Angela. Bruno se manteve de pé no canto mais escuro da cozinha, com as mãos nos bolsos e o olhar congelado nos azulejos do chão. Ele parecia querer estar presente, mas não ser notado. Quase um minuto depois, as vozes das três começaram a soar mais perto. Olhei para a porta que dava para o resto da casa, esperando que elas surgissem ali. Sophia foi a primeira, sendo literalmente empurrada pelos braços minúsculos de Angela.
Quando ela colocou os olhos em mim, parou abruptamente no mesmo lugar que estava, como se seus pés tivessem sido subitamente pregados ao chão. Isso fez com que Júlia, vindo afobada logo atrás, se chocasse com ela e fizesse com que o princípio de um palavrão se formasse. O que foi interrompido quando ela também bateu os olhos na minha barriga e, imediatamente, levou as mãos à boca.
E então a cena parecia congelada, exceto por Sophia, que continha risinhos secos enquanto olhava para as duas.
Angela, Júlia, Bruno e eu permanecemos imóveis, talvez todos esperando pelo primeiro que teria coragem de lançar a primeira palavra no silêncio.
– Ei, posso gravar a reação da próxima pessoa que entrar aqui e olhar pra você? É tão engraçado! - Sophia falou, tomando vantagem por já ter passado pela surpresa inicial. Eu ri baixo, mas não respondi, querendo que as duas figuras petrificadas à minha frente voltassem à vida.
– Oi… - Comecei, ainda baixo, querendo que os olhos das duas saíssem do meu umbigo e voltassem para o meu rosto. Júlia me encarou. Angela permaneceu imóvel.
– Você… - A primeira começou, tirando devagar as mãos da boca - Você engravidou de um cliente…
– Não sou um cliente. - A voz de Bruno soou fria, embora educada, no canto escuro da cozinha, chamando a atenção de Júlia e tirando Angela de seu estado catatônico. Ninguém o havia visto ali.
Era claro que nenhuma delas sabia da metade das coisas que havia acontecido comigo naquele tempo. Era claro que elas não poderiam imaginar que eu tinha deixado de me prostituir. O pensamento de Júlia era um pensamento bastante coerente, mas isso não foi o suficiente para fazer com que Bruno se contivesse.
Ao encará-lo, a expressão dela se transformou gradativamente de uma surpresa completa para raiva.
– Foi você… - Ela começou.
– Fui eu. E não sou um cliente.
Ela continuou encarando-o, pensando nas próximas palavras para serem lançadas. E se eu bem conhecia Júlia e aquela expressão de fúria, eram palavras que machucariam alguém.
– Muito me espanta que você não tenha fugido também quando soube que ia ser pai.
Aquilo o tinha atingido, e eu sabia disso unicamente porque conhecia bem Bruno. Sua expressão, no entanto, se manteve imóvel, como se Júlia o tivesse simplesmente xingado de boboca.
– Eu jamais faria isso.
– Resolveu parar de bancar o covarde e aceitar o que sente?
Comecei a pensar que ela talvez estivesse pegando pesado, mas eu bem sabia que aquilo era fruto de um ódio acumulado pelo período em que fiquei naquela casa em depressão profunda depois que Bruno me abandonou. Júlia sempre tomou minhas dores com muita facilidade, e eu me lembrava dos xingamentos e das ameaças de morte que ela proferia a plenos pulmões quando me via chorando nos travesseiros. Eu queria intervir. Mas, por algum motivo, achei melhor que eles se resolvessem. Eu não queria que Júlia odiasse Bruno, e sabia que o que quer que ele fosse responder, não a agrediria. Eu tinha certeza que ele ainda se culpava por tudo que me fez passar, então, no mínimo, concordava com tudo que Júlia dizia.
– Sim. - Ele respondeu à pergunta, de forma simples e pontual. Tão simples que visivelmente deixou Júlia, que queria um motivo para continuar a discussão, sem resposta alguma. O silêncio se prolongou mais uma vez, o que foi o suficiente para que Angela voltasse a me encarar como quem encara uma aberração.
– Está de quantos meses? - Ela falou pela primeira vez, tomada pela curiosidade e ignorando Bruno solenemente.
– Quatro. - Respondi, levando a mão à barriga involuntariamente. Angela sorriu de forma simples, puxando a cadeira mais próxima e sentando-se também.
– Já sabe o sexo?
– Menina. - Falei, não contendo o sorriso que se formou em meus lábios. Júlia veio sentar do meu outro lado, agora ignorando a única presença masculina também, expondo sua curiosidade e estendendo a mão timidamente, até encostar na minha barriga por cima do casaco.
– Ela já chuta?
– Não. Ainda não.
– É verdade que o humor fica mudando toda hora? - Sophia resolveu entrar na conversa, se aproximando também - Dizem que grávidas parecem sofrer de bipolaridade.
– É. É um pouco irritante, na verdade. - Ri baixo, fazendo com que as três me acompanhassem. Bruno estava oficialmente esquecido àquela altura, mas por algum motivo, imaginei que era exatamente o que ele queria.
– E você está… Feliz? - Angela falou outra vez, e as três me encararam, esperando pela resposta. De repente, me senti culpada por não dar nenhuma satisfação às poucas pessoas que realmente se preocupavam comigo.
– Muito. - Respondi, fazendo força para não olhar para Bruno e não fazer aquela cara de apaixonada-água-com-açúcar que sempre fazia - Desculpem pela falta de notícias. Minha vida estava um pouco bagunçada.
– Estamos vendo. - Sophia disse, bem humorada.
– Nós te procuramos muito. - Júlia falou, e por algum motivo eu ouvia uma mágoa maior na voz dela do que nas vozes das outras duas - Onde você está agora?
Dessa vez, não consegui deixar de olhar para Bruno. Como se finalmente estivesse entendendo para onde aquele assunto estava indo, ele se desencostou da parede e foi caminhando para a porta.
– Vou esperar no carro. Qualquer coisa, me chame. - Ele disse, me olhando com carinho, e como se exigisse demais de seu próprio orgulho, levantou a cabeça para as três meninas que me acompanhavam - Eu realmente sinto muito.
Sem dizer mais nada, Bruno se retirou, nos deixando a sós ali. Eu não sabia o que sentir naquele momento. Queria que ele ficasse, mas sabia que Bruno não apenas estava se sentindo mais culpado agora do que nunca, como também que estava sendo julgado pelas três meninas que me faziam companhia. Era óbvio que eu não podia exigir delas o contrário, mas não conseguia deixar de sentir uma estranha pena dele. Mesmo sabendo que o que ele havia feito era difícil de esquecer, e que, bem no fundo, ainda doía.
– Estou morando com ele. - Falei, confiante em começar aquela conversa - Na casa dele.
As três arregalaram os olhos simultaneamente, e aquilo seria muito engraçado caso eu não soubesse que teria que responder a uma enxurrada de perguntas.
– Como é? - Sophia começou.
– Ele te levou pra casa dele? - Os olhos de Angela brilhavam loucamente.
– Desde quando? - Júlia perguntou, fazendo força para manter a boca fechada. Suspirei.
– Desde Dezembro.
As três ficaram em silêncio, ainda me encarando. Por um bom tempo. Por isso, comecei a falar.
– Depois que fui embora daqui, em Novembro, fui morar onde morava antes de Rayana me encontrar e me trazer pra cá. É um lugar horrível, mas foi o que me veio à cabeça quando me dei conta de que não tinha onde morar. Arranjei um apartamento por sorte lá, e fiquei tentando arrumar a minha vida. Vocês lembram como eu estava, então não vou detalhar nada. Passei um mês naquele estado, e quando a bateria do meu celular resolveu acabar, o mantive esquecido em algum canto. Tudo que eu queria era conseguir um emprego em algum lugar, mas depois de um dia em que algum filho da puta resolveu me reconhecer como… o que eu era, acho que surtei. Voltei pra rua, pra retomar o que eu fazia, e foi justamente aí que encontrei Bruno… Ou, melhor, ele me encontrou. Resumindo a história: Nós ficamos juntos essa noite. No dia seguinte ele me levou pra casa dele, e confessou que esteve apaixonado por mim todo aquele tempo. E que só fugiu porque era idiota. Ganhei um anel de compromisso quando fui passar o Natal na casa dos pais dele, em Londres, e vou me mudar pra lá depois de amanhã. Há dois meses descobri que fiquei grávida dele na primeira noite que transamos, porque fui descuidada o suficiente pra rasgar a camisinha. Mas ele não se importou, porque pretende ter mais dois filhos depois de casar…
– Porra, calma aí!
A voz de Sophia saiu esganiçada, e não consegui conter o riso. Ok, talvez eu estivesse fazendo aquilo de propósito. Esperei, mas ninguém falou mais nada. Me perguntei se elas estariam esperando por alguma explicação minha, embora eu não soubesse exatamente o que explicar.
– Quando você chegou com essa barriga aqui… - Angela começou de repente, me assustando um pouco - Eu pensei que tinha sido um acidente de trabalho. Pensei que você tivesse sido descuidada com um cliente. Imaginei que Bruno assumiria a criança e pagaria as suas despesas, mas nada mais do que isso.
Olhei para Júlia e Sophia, que me encaravam com os mesmos olhos de Angela.
– Não é isso, né? Você não é mais garota de programa. Ele não é um cliente. Ele é seu…
– Namorado. - Sophia falou, antes que eu mesma pudesse completar a frase de Angela. Fiz que sim com a cabeça. Quase como se tivessem ensaiado, as três suspiraram juntas.
– Ai, meu Deus… - Sophia começou com a voz ainda esganiçada. Angela literalmente quicou na cadeira, e Júlia segurou minha mão esquerda.
– Eu sabia! Sabia que ele gostava de você! Sempre soube!
– Todo mundo sabia, Angela. - Júlia falou, tentando manter a calma, embora seus olhos também brilhassem.
– Bom… Eu não sabia. - Falei, um pouco sem graça.
– Mas você sempre foi meio lerda. - Sophia respondeu, agora com um sorriso de orelha a orelha.
– Obrigada. - Disse, um pouco irônica, mas não me importando realmente com sua sinceridade - Eu só vim aqui pra agradecer a vocês por tudo. E me desculpar por não ter dado notícias. E dizer que estou bem…
– Bem estou eu! - Angela me interrompeu - Você está em algum tipo de conto de fadas!
Não respondi. Era bem verdade, experimentar meu próprio conto de fadas era algo que não tinha preço. Era uma sensação inexplicável.
– E como é? - Júlia me trouxe de volta àquela realidade - Como é estar apaixonada e ser correspondida?
Olhei para ela e me dei conta do quanto aquela pergunta soava triste. Eu sabia como era estar na posição delas: Nós éramos objetos. Eu já havia sido um, desprovido de qualquer sensação boa. Ninguém cultivava nenhum tipo de afeição por nós, porque éramos prostitutas e estávamos lá para uma coisa apenas. Éramos facilmente substituídas, e isso nos dava a sensação de que nossa importância era nula. Estar apaixonada e ser correspondida era exatamente o oposto de tudo aquilo. E eu tinha uma sorte absurda em estar nessa posição.
– É, sinceramente, a melhor sensação do mundo.
Se elas estavam tristes, não demonstraram. Me perguntei até que ponto as três poderiam estar felizes por mim sem se darem conta de que suas próprias vidas eram vazias, assim como a minha foi um dia.
Júlia tocou minha barriga de novo, talvez inconscientemente.
– Espero, do fundo do coração, que vocês sejam muito felizes. - Ela falou, e de repente senti uma vontade quase incontrolável de chorar.
– Posso ter inveja de você? - Angela perguntou em um tom completamente inocente, e eu ri. Ela podia ter inveja de mim. Na posição dela, eu também teria.
– A vida aqui nunca foi pra você, de qualquer maneira - Sophia começou - Se havia alguém que tinha que sair disso, era você. Londres vai te fazer bem.
Como uma enxurrada, lágrimas gordas e pesadas começaram a escorrer pelo meu rosto. Tudo bem, eu poderia colocar a culpa nos hormônios da gravidez depois.
– Vou sentir saudades. - Falei, já abraçando Júlia e Angela tão forte que provavelmente estava machucando-as. Elas começaram a chorar também, mas Sophia se manteve firme e forte.
– Me recuso a chorar por isso. - Ela falou sorrindo, enquanto me abraçava - E se não vamos mais te ver, pelo menos sabemos que você vai estar bem. É só isso que interessa.
Ela estava certa, mas ainda assim, não conseguia deixar de sentir por me separar delas. Não que tivesse mantido contato durante aqueles últimos meses, mas me mudando para tão longe, um eventual reencontro seria muito mais difícil de existir. Aquela viagem ajudaria a enterrar mais das merdas do meu passado, mas era triste saber que o pouco de bom que existia nele seria enterrado junto também.
– Ninha?
Virei para a porta que dava para o resto da casa, de onde vinha a voz que me chamava.
Rayana me encarava com a mesma expressão das meninas, quando me viram pela primeira vez. Seus olhos estavam congelados na minha barriga. Limpei as lágrimas para conseguir enxergá-la melhor.
– Oi, Rayana.
Ela continuava estudando o volume na minha barriga, como se buscasse alguma explicação para aquilo. Depois de algum tempo processando aquela informação e talvez entendendo do que se tratava, ela me olhou nos olhos.
– Ele te achou, não foi?
Demorei um pouco antes de responder. Queria entender o que aquela pergunta significava. Se minhas suposições estivessem certas, Bruno tinha ido até Rayana me procurar. E ele nunca havia me dito aquilo, talvez porque eu mesma nunca houvesse perguntado como ele tinha me encontrado.
– Sim.
– Onde?
– No mesmo lugar que você me encontrou.
Ela suspirou, parecendo calma.
– Já vi outros casos com essa mesma história. Nenhum deles terminou bem. Tenho que confessar que fico feliz pelo seu caso ter sido diferente. Principalmente porque eu pude ajudar de alguma forma.
Olhei-a com curiosidade, mas não precisei perguntar nada. Rayana era rápida.
– Ele veio aqui. Não sei quanto tempo demorou até que te encontrasse, mas estava um pouco desesperado pra te achar. Dei a ele o endereço que tinha e, depois desse dia, nunca mais o vi.
Continuei encarando-a, pensando no que dizer. Rayana não precisava ter ajudado Bruno. Ela não havia ganho nada com isso, embora não tivesse perdido também. Mas não custaria nada dizer a ele que simplesmente não sabia onde eu estava, mesmo porque era a verdade. Mas ela queria que ele me encontrasse.
– Obrigada, Rayana. - Falei, genuinamente grata a ela. Não somente por aquilo, mas por ter me dado tempo quando pedi. Por ter me entendido, mesmo que não precisasse, e por, de certa forma, ter se preocupado comigo.
– Não me agradeça. O que aconteceu com você é exatamente o que eu queria que tivesse acontecido comigo. Me senti na obrigação de ajudar, e tenho certeza que qualquer uma faria a mesma coisa, porque qualquer uma aqui gostaria de estar no seu lugar agora. O melhor que você tem a fazer, como gratidão, é aproveitar a chance que teve e ser feliz.
Eu sabia que ela estava certa. Sabia que aquela não era a vida perfeita para ninguém ali, embora todas elas fingissem ser, dia após dia. Eu sabia que tinha tido a sorte que aquelas meninas não tiveram e tanto queriam, e sabia que, até mesmo por obrigação, tinha que fazer a minha chance valer a pena. Mas aquilo não seria difícil.
– Obrigada por tudo. - Repeti, já emotiva demais para manter meu rosto seco. - Acho que devo boa parte da minha vida a você.
– Cedo ou tarde, vocês acabariam se encontrando de novo. Eu só dei um atalho a ele. - Ela disse, piscando para mim, e talvez pela primeira vez eu vi Rayana sorrindo de verdade.
Aquele encontro não havia sido fácil. Mas não foi, nem de longe, tão difícil quanto eu pensei que seria. Havia sido assim na ocasião em que conheci a família de Bruno, e havia sido assim nessa ocasião. Talvez eu estivesse com a mania de superestimar tudo que acontecia à minha volta.
– Tudo bem? - Ouvi a voz dele me perguntando aquilo pela terceira vez em menos de cinco minutos, desde que havia saído da casa de Rayana e o encontrado à minha espera, apoiado ao carro.
– Não se preocupe. Estou mais leve. Eu tinha que fazer isso.
Ele sabia disso, mas mesmo assim estava preocupado que aquele encontro pudesse ter afetado meus nervos de alguma forma. O que era até um pouco engraçado, já que a pessoa mais abalada ali era, visivelmente, Bruno.
– E você? Está bem? - Perguntei, querendo mostrá-lo que havia notado seu desconforto. Ele suspirou, apertando os dedos contra o volante enquanto dirigia e voltava a encarar a rua.
– Só não gosto daquele lugar.
Eu sabia disso. Sabia inclusive que era complicado até tentar começar a explicar o motivo por trás daquele clima desagradável.
– Eu sei. Essa foi a última vez que fomos lá, de qualquer forma.
– E tudo bem? - Ele insistiu.
– Já disse que sim, Bruno. - Minha voz saiu impaciente. Imaginei que ele estivesse insistindo apenas porque eu não conseguia parar de chorar.
– Ok.
Não conversamos mais durante a volta para casa. Eu estava um pouco triste, mas estava em paz. Agora já não havia mais pendências que me prendiam àquele lugar, ou até mesmo àquele país. Eu poderia ir agora, sem que minha consciência me torturasse com o que eu tinha que ter feito. Mas era difícil dizer adeus às únicas amigas que eu tinha. Depois delas, a única pessoa da qual havia me aproximado era Duda, e ela também ficaria ali. Uma estranha solidão foi me tomando aos poucos, e não foi preciso dizer uma única palavra para que Bruno notasse isso. Por isso, durante o resto daquele dia e do outro, ele se esforçou em me distrair, até mesmo deixando que eu o ajudasse com as caixas da mudança (mas sem nunca me permitir pegar algo mais pesado que um travesseiro). Conversou comigo a maior parte do tempo, enumerando as várias coisas boas que Londres tinha. Me tratou como uma rainha, ainda mais do que antes, embora eu não achasse ser possível.
Sem que eu percebesse, minhas últimas horas na América haviam se passado.
– Se minhas filhas entrarem em depressão por sua causa, eu vou até a Inglaterra te matar.
Aquela era Duda chorando. Era assustador, e não porque eu não entendesse o que ela sentia, mas sim porque ela sempre me pareceu forte demais para conseguir derramar uma única lágrima. Mas seu tom de ameaça ainda me dava medo.
– Vocês podem ir nos visitar quando quiserem. - Bruno falou, tentando se defender.
– E nas mãos de quem eu deixo a sua empresa, seu idiota?
– Só por uns dias. Se algo der errado, pode pôr a culpa em mim.
Ela fungou, enxugando o rosto. Não conseguia deixar de encarar seus olhos incrivelmente vermelhos.
– Tudo pronto, senhor. Quando quiser. - Fernando chegou, falando um pouco alto por causa do vento forte. Me perguntei se aquele seria o clima padrão de todas as nossas viagens.
– Ok então. - Bruno disse, se virando para Duda e a abraçando. Os dois ficaram ali por um longo tempo. Ele poderia estar falando algo no ouvido dela, mas eu não saberia dizer por causa do ruído do vendaval. Ambos ficaram muito quietos, e me perguntei se no momento em que se afastassem, eu conseguiria ver Bruno emocionado. Bem, quase.
Quando encarei seu rosto, vi que ele não chorava, mas a tristeza em sua expressão era evidente. Quando me virei para ela, fui tomada pelo seu abraço surpreendentemente forte, embora não fosse desconfortável. Imaginei em quanto tempo Bruno se colocaria entre nós e daria um escândalo sobre a distância mínima entre alguém e a minha barriga, e a força que poderia ou não ser empregada ali. Mas ele não se manifestou.
– Gostaria de ter te conhecido melhor. - Ela começou, me olhando - Desculpe se algumas vezes pareci fria. Eu só me preocupo demais. Mas sei que você vai fazê-lo feliz.
Encarei-a tentando lidar com o nó doloroso na garganta. Ela ainda tinha aquele olhar forte e aquela aura de poder, mas não me senti intimidada. Aquelas últimas semanas haviam me ajudado a superar um pouco disso.
– Eu também gostaria que tivéssemos nos conhecido melhor. E não seu preocupe quanto à felicidade dele. Se depender só de mim, ela está garantida.
– Sei disso. - Ela disse, segurando minhas mãos - A parte boa é que eu acho que realmente só depende de você.
Sorri, sabendo que aquilo era um pequeno exagero. Mas, para variar, seus olhos me diziam o contrário.
– Cuide-se. E tenha paciência com ele. Bruno é meio exagerado, mas é porque é completamente apaixonado por vocês. - Ela finalizou, apontando para minha barriga.
– Vou ter. - Falei, dando um beijo em seu rosto e caminhando para o lado dele, que já me esperava ao lado das portas abertas do seu avião particular.
A despedida foi dolorosa. Bruno tentava esconder, mas era perceptível a quantidade de vezes que ele engolia para não deixar as lágrimas caírem. Embora eu soubesse que ele era durão, sabia também que estava se separando da sua melhor (e talvez única) amiga. Muitas pessoas conseguiam lidar com isso, e ele era, de certa forma, um desses casos.
Mas eu o conhecia bem demais para saber que aquela despedida estava o corroendo por dentro. Mesmo que ele se deixasse corroer em silêncio. Subitamente, me senti triste.
– Você queria ir?
Ele tirou os olhos da pequena janela que dava para a pista, do lado de fora, e olhou para mim surpreso, provavelmente se perguntando do que eu falava.
– Como?
– Queria ir pra Londres? Queria se mudar pra lá?
Ele estava visivelmente triste. Eu não sabia até que ponto aquela viagem era para mim, e até que ponto era para ele. Mas tudo indicava que estávamos nos mudando exclusivamente por minha causa. Porque ficar ali era arriscado demais para a nossa felicidade. E se ele não quisesse ir? E se estivesse fazendo aquilo unicamente para me esconder das lembranças que pudessem me encontrar? Ele riu, se virando outra vez para a janela, apenas para assistir ao asfalto correndo debaixo de nós. Como se minha pergunta tivesse sido boba demais.
– Sim. Eu queria. Sempre quis.
Continuei encarando-o curiosa.
– Por que nunca foi então?
– Por causa de Duda. - Ele falou de forma simples, voltando a me olhar quando as rodas do avião perderam o contato com o chão. Antes que aquela informação pudesse fazer um sentido errado para mim, ele prosseguiu - Resolvi ir um dia, mas ela me impediu. Disse que tinha uma intuição, para que eu ficasse nos Estados Unidos. E que a hora de ir chegaria. Eu só tinha que esperar um pouco.
Bruno segurou minha mão com carinho e a beijou. Continuei olhando-o com uma expressão que devia ser engraçada. Ele soltou um risinho abafado quando deixei claro que não sabia o que dizer. Duda era…
– Assustadora, né? - Ele completou meu pensamento.
– Um anjo… - Balbuciei, enquanto acreditava naquilo aos poucos. Pelo seu olhar, ele também achava que sim.
– Uau. Um dia ensolarado na Inglaterra. Isso é mágico.
Fernando parecia realmente surpreso com o tempo aberto. Antes de ouvi-lo se pronunciar, pensei que pudesse estar um pouco drogada pela grande quantidade de suco de maracujá que havia ingerido durante toda a viagem, já que calmantes eram totalmente proibidos na gravidez. Como meus nervos não se importavam com isso, optei por um calmante natural. Mas não era isso. O dia estava realmente, realmente lindo.
– Deve ser a primavera. - Ele completou, olhando um pouco abobalhado para o céu de um azul vivo. O dia não estava exatamente frio, mas a temperatura era quase agradável.
– Você está bem? - Bruno me perguntou ao pé do ouvido, me tirando de um leve estado de letargia.
– Sim. Só com um pouco de sono.
Ele fez uma careta e fez menção de falar. Eu o interrompi.
– Eu dormi bem à noite. Não tem nada a ver com isso.
Bruno estava sendo insistente em se culpar pela minha noite de sono mal dormida no avião, dizendo que “não deveria ter dividido aquela cama de solteiro com você, isso deve ter te deixado desconfortável”. Tudo bem, eu estava mesmo relativamente maior agora, mas o cuidado dele era sempre tão grande que simplesmente não havia como ficar desconfortável em seus braços.
Entramos no táxi, rumo a algum lugar que só Bruno sabia. Ainda que sonolenta, eu estava animada. Me permiti esquecer completamente malas, bolsas e tudo que não estava comigo naquele momento. Ele provavelmente havia acertado tudo de alguma forma, e eu sabia que, no final das contas, toda a bagagem acabaria aparecendo no lugar certo.
Deitei minha cabeça no ombro de Bruno e relaxei. O taxista faria todo o trabalho. Eu não precisava olhar pela janela para me localizar e me acostumar àquele novo lugar. Havia tempo suficiente para isso depois. Cochilei quase que instantaneamente, sentindo o vento fresco da fresta de uma das janelas abertas e chacoalhando de leve com alguns buracos suaves na estrada. Quando paramos - não sabia dizer ao certo quanto tempo depois - acordei imediatamente, sentindo a falta do movimento que me embalava. Olhei para a janela, reparando em um portão imponente e conhecido se abrindo aos poucos, para que o táxi entrasse no jardim.
– Eu sei que você está cansada… É só pra dar um “alô” rápido, depois vamos pra casa.
Eu não me importava com meu cansaço. No momento em que o carro parou à frente da porta de entrada, me senti incrivelmente animada com a ideia de rever Hérica e Robert e de contar a eles que estávamos nos mudando para perto. Por isso, antes que Bruno pudesse fazer alguma coisa, abri a porta e saí, agradecendo ao motorista de qualquer jeito.
Caminhei devagar até subir os degraus da pequena escada na entrada e parei, esperando. Estava tão excitada que sentia uma estranha vontade de pular. Olhei para trás impaciente, observando Bruno pagar o taxista e caminhar a passos lentos até mim.
– Anda logo! Abre!
– Pensei que estivesse com sono… - Ele falou, de bom humor, enquanto procurava as chaves no bolso.
– Durmo depois.
Depois do que pareceram semanas, Bruno encontrou a chave certa no molho e girou a maçaneta. Ele parecia calmo, até um pouco divertido com a minha agitação. Tive vontade de socá-lo.
– Vai! Você na frente! - Falei, já empurrando-o para dentro do hall de entrada.
– O que te faz pensar que eles querem me ver primeiro?
Encarei-o com um olhar de desprezo, mas resolvi ignorá-lo, empurrando-o outra vez. Queria que Hérica o visse logo. Por algum motivo, eu me sentia estranhamente bem em vê-la feliz estando perto de Bruno.
– Visitas! - Ele berrou de repente, me assustando. Parei de empurrá-lo e esperei ao seu lado, me perguntando se era possível alguém não ter ouvido sua voz e a reconhecido. Segundos depois, como se tivessem ensaiado, Hérica e Robert saíram, respectivamente, da sala de estar e do escritório, colocando suas cabeças para fora do hall e tornando aquela cena engraçada.
– Ora, ora!
– Vocês chegaram!
Ambos tinham um sorriso esplêndido no rosto, e senti uma súbita vontade de abraçá-los. Mas me contive. Foi quando eles passaram por Bruno e vieram me cumprimentar que fui pega de surpresa.
– Ah, olhe a sua barriga!
– Está quase do tamanho da Jhulie!
– Você está linda!
Olhei para Bruno, ainda um pouco aturdida.
– Eu sou invisível. - Ele pontuou, sorrindo tranquilamente. Ok. Talvez sua pergunta não tivesse sido assim tão idiota.
– Está se sentindo bem? Quer sentar? - Hérica continuou a falar comigo, como se o filho realmente não existisse.
Comecei a achar graça daquilo.
– Estou bem, obrigada.
– Ah, fiquei tão feliz em saber que é uma menina! - Ela continuou, e me perguntei em que momento Bruno havia contado aquilo a eles - Era o que vocês queriam?
– Era o que EU queria. - Ele falou um pouco mais alto, chamando a atenção dos pais para si.
– Filho, não falei com você! - Hérica falou de forma inocente.
– Eu sei. - Ele riu, abrindo os braços e a envolvendo de tal forma que fez com que ela quase desaparecesse em seu peito.
– Estou muito feliz de tê-los outra vez aqui. Gostaria muito que viessem mais vezes…
– Bom… Nós vamos ficar. - Bruno a interrompeu, fazendo com que ela o encarasse durante algum tempo, os dois ainda abraçados.
– Por quanto tempo? - Os olhos dela brilharam.
– Hum… Até segundo plano, pra sempre.
Hérica fez uma cara de quem não só tinha acabado de descobrir que Papai Noel existia, como também o estivesse abraçando.
– VOCÊS VÃO SE MUDAR PRA CÁ?
– Bom não pra cá exatamente… Mas daqui a dois quarteirões, sim. - Ele brincou.
– AHHHH!
Hérica abraçou e beijou Bruno efusivamente, ignorando qualquer um que estivesse naquele lugar. Ela parecia incrivelmente feliz, e reparei que quando sorria, parecia mais jovem e bonita. Estar na companhia dos filhos realmente a fazia bem, e sem querer me senti um pouco responsável por toda aquela alegria, já que, de um jeito ou de outro, nós estávamos ali por minha causa.
– Por que vieram pra cá? - Ela perguntou, sorrindo e com os olhos cheios de lágrimas, ainda agarrada à cintura de Bruno.
– Ninha gostou daqui.
Aquilo não era verdade. Bom, era. Mas não o verdadeiro motivo. Por isso, me senti um pouco culpada por não merecer o olhar de gratidão que Hérica dirigiu a mim, e igualmente culpada por não poder desmentir aquilo.
– Mas ele sempre quis vir. - Adicionei, falando aquela verdade recém descoberta - Tomamos essa decisão juntos.
Hérica voltou a encarar Bruno com carinho.
– Pelo menos agora posso ter um dos meus filhos perto de mim. Vou poder até ver meu neto crescer!
– Uh-oh… Acho que vocês vão ter que colocar grades na casa, ou terão uma avó intrusa. - Robert riu de forma tranquila, e isso foi o suficiente para lembrar a todos de sua presença ali.
– Você! - Ela se virou com um olhar assassino, caminhando devagar para ele como um tigre prestes a atacar, e pela primeira vez tive medo de Hérica - Você sabia!
– Claro que sabia, querida. Não permitiria que Bruno viesse pra cá e deixasse a filial da minha empresa nos Estados Unidos nas mãos de qualquer um.
– E por que não me disse?
– Porque ele queria fazer uma surpresa pra você.
Ela continuou encarando-o, como se quisesse encontrar algum motivo para cravar as unhas nele. Quando finalmente se deu conta de que aquele argumento era válido, semicerrou os olhos e soltou baixinho um “Idiota!”, dando logo em seguida um soco no ombro dele. E então a imagem me pareceu incrivelmente familiar. Foi como ver a mim mesma dando um soquinho em Bruno enquanto usava meu xingamento favorito.
– Bicha!
A voz soou alegre e divertida em algum lugar, e de repente, parado à nossa esquerda, Arthur pareceu se materializar.
O que ele estava fazendo ali? Ele não morava na Alemanha?
– Gênio! - Bruno retrucou, abraçando o irmão. Ele se virou para mim, mas como todos que me encaravam ultimamente, manteve os olhos por algum tempo na minha barriga.
– Caramba, Ninha! Então é verdade! - Ele falou, me dando um beijo rápido no rosto - Sempre pensei que os espermatozódes do meu irmão fossem muito frescos pra conseguir engravidar alguém. Menina de sorte você, hein? Ou não.
– Oi, Arthur. - Respondi - Mais um sobrinho pra você. Ou melhor, sobrinha.
– Legal! O bom é que a gatinha pode sair até igualzinha ao Bruno. Ele já tem uma cara afeminada mesmo.
– Ei, Arthur! Quer ver uma coisinha em mim que é bem masculina? - Ele respondeu, e talvez eu fosse reprimi-lo, caso Jhulie não surgisse do nada também ao nosso lado, de mãos dadas com Diego.
Porra, o que estava acontecendo?
– Vocês parecem ter sempre 13 anos. - Ela começou, de forma calma - Ei, Arthur, você poderia escrever uma tese sobre isso: Por que homens continuam retardados, mesmo depois que crescem.
Bruno abraçou-a, tentando se moldar a sua mais nova forma de grávida. A barriga dela realmente estava maior que a minha, já que tínhamos aproximadamente dois meses de diferença.
– Então, vão ser quase “primos gêmeos”, né? - Diego brincou, apontando para nossas barrigas enquanto me cumprimentava.
– Ei, Bruno. Toma cuidado. Se o guri nascer com o fogo da Jhulie, vai querer traçar a priminha cedo.
– Não seja retardado, Arthur. - Jhulie falou, ignorando o irmão solenemente - Ninha!
Aquela cena deve ter sido engraçada, porque as duas barrigas entre nós realmente atrapalhavam o abraço.
– Então é menino? - Perguntei, colocando a mão na barriga dela e imaginando se sentiria alguma coisa.
– Sim. Um menino meio agitado.
No momento em que ela falou aquilo, senti um chute incrivelmente forte na minha mão que continuava no seu umbigo. Levei um susto.
– Uau!
– Ele não pára quieto. Acho que o prefiro aí dentro. Quando sair, tenho certeza que minhas horas de sono vão diminuir drasticamente.
– Já gostei dele.
– Arthur, por que não cala a boca? Sua voz está me irritando. - Ela disse, demonstrando seu humor claramente afetado pela gravidez.
– É exatamente por isso que não calo a boca. - Ele respondeu de forma simples, piscando para ela.
– Bruno e Ninha vêm morar em Londres!
Todos se viraram para Hérica, que parecia à espera do momento certo para soltar aquela notícia. Como ninguém parava de falar, ela aproveitou o único e raro segundo de silêncio para se manifestar. Diego e Arthur pareceram surpresos.
– Sério? Que legal! - O primeiro disse, indo apertar a mão de Bruno.
– E com quem ficou a empresa nos Estados Unidos? - O segundo perguntou, depois de dar um tapinha em suas costas.
– Eduarda. - Ele respondeu simplesmente, e Arthur consentiu com a cabeça.
– Eu acho que já sabia. - Jhulie falou baixo, mas todos ouviram.
– Bruno, pra quantas pessoas você contou? - Hérica perguntou, um pouco puta.
– Ele não me contou. - Jhulie se pronunciou outra vez, tentando desfazer o mal entendido. E todos entenderam.
– Ei, será que o guri vai ser esquisito que nem a Jhulie? - Arthur lançou na roda, e pelo olhar em sua expressão, eu tive certeza que ela planejava degolá-lo enquanto ele dormia.
Aquela conversa se dava no hall de entrada mesmo. Todos estávamos muito confortáveis ali, e ninguém havia sequer se lembrado de cadeiras ou bebidas. Mas enquanto o papo continuava, eu me perguntava o motivo daquela reunião familiar. Era claro que os irmãos de Bruno gostavam muito dele, mas não era o caso de fazerem uma viagem internacional com o único propósito de estarem presentes em sua mudança. Momentos depois, minha pergunta foi respondida.
– Pronto pra ficar mais velho, chefe? - Arthur perguntou, dando um soco no ombro do pai.
– Sempre.
Era o aniversário de Robert, e eu havia esquecido completamente daquilo. Lembrei de Bruno mencionando, um dia, o aniversário do pai em primaveras londrinas, mas ultimamente eu andava tão distraída que aquela informação havia sido deixada esquecida em algum canto do meu cérebro. Por isso Arthur, Jhulie, Diego e, em parte, Bruno e eu, estávamos ali.
– E você, Anninha? Pronta pr…
Arthur foi parando de falar aos poucos, sem que eu entendesse o que estava acontecendo. Sem pensar, olhei para Bruno e vi que ele sustentava um olhar assassino para o irmão, fazendo com que se calasse. Voltei a olhar para Arthur, e vi, ao seu lado, Jhulie encarando Bruno de uma maneira muito esquisita também. Como se estivesse o chamando de idiota por telepatia.
– Pronta pra ser mamãe? - Robert falou em voz alta, como se tudo estivesse perfeitamente normal, e como se aquela fosse a mesma pergunta que Arthur faria, caso Bruno não o tivesse fuzilado com os olhos. Mas eu sabia que aquela não era a mesma pergunta.
– Eu… - Comecei, ainda achando tudo muito esquisito - Sim, claro. Prontíssima.
– Sabe aquele inferno todo que dizem ser os partos? É tudo exagero. Você vai ver. - Hérica chamou minha atenção, aos poucos fazendo com que a situação momentaneamente esquisita voltasse a níveis normais.
– Tomara… Mas de qualquer forma, acho que vale a pena sofrer um pouco por isso. É por uma boa causa, não é? - Falei, já alisando minha barriga de forma carinhosa inconscientemente. Os olhos de Hérica brilharam outra vez, enquanto ela respondia com uma voz apaixonada:
– Vale. É a melhor sensação do mundo. Você e Jhulie vão entender isso um dia.
Robert abraçou sua mulher carinhosamente, vendo que provavelmente todas aquelas grávidas a estavam deixando mais sensível.
– Não sabia que você gostava tanto assim de crianças. - Ele falou, e eu pude notar um brilho suave em seu olhar, o mesmo brilho que surgia nos olhos de Bruno toda vez que ele faria ou diria alguma besteira. - Quer fazer uma?
Hérica deu uma cotovelada no peito do marido e Diego arregalou os olhos, fazendo um “o” com a boca como se estivesse realmente chocado. Jhulie começou a rir, e eu só consegui segui-la em uma gargalhada.
– Ah, puta que pariu, pai! - Arthur falou, fechando os olhos com força - Isso é nojento!
– Você está com inveja, isso sim. - Jhulie implicou - Só porque até papai e mamãe mandam ver e você continua solteiro.
– Cale-se, anã.
– Não xingue nossa irmã, seu merda. - Bruno falou em tom de brincadeira.
– Cale-se, bicha.
Jhulie mostrou a língua para ele, e Arthur balbuciou algo como “você tem sorte de estar grávida, senão…”
Eu estava em casa. Estava feliz, estava confortável, mas também desconfiada.
Por hora, me permiti relaxar e me sentir bem-vinda, não só a Londres, como à família de Bruno. Ali era, realmente, o meu lugar favorito no mundo. Mas eu sabia que tinha alguma coisa que estava sendo escondida de mim. Lembrando da cena esquisita de Arthur e do olhar esquisito de Jhulie para Bruno, era mais do que óbvio que eles sabiam de algo que eu não sabia. E eu queria saber.
De repente, me peguei imaginando que o motivo da presença de todos eles ali não se dava somente pelo aniversário do patriarca Coolin. Havia algo mais. Algo que, de alguma forma, eu ia acabar sabendo.
Fosse descobrindo sozinha ou fosse ameaçando Bruno de morte.
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De repente, Amor.
Romance"Bruno é um jovem homem de negócios, embora não saiba nem do que se tratam os contratos que assina. Anne é uma prostituta de luxo, que apesar de se sentir extremamente mal por isso, não encontra uma saída para mudar de vida. Como havia de ser, os do...