Capítulo 15

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Leiam o capítulo ouvindo: "Not In That Way - Sam Smith"
Boa leitura!!
◇◇◇◇

Anne POV's

Eu era só uma puta.
Eu era só uma puta e sabia disso.
Eu sabia disso porque os homens, muitos homens, não me deixavam esquecer desse detalhe.
Todos os dias, clientes dos mais diversos tipos me lembravam disso. E conforme o tempo passava, mais eu sabia que não poderia simplesmente deixar de ser só uma puta.
Eu não poderia viver uma vida normal porque meu passado sempre me condenaria.
Sempre seria o meu fantasma particular, e seria sempre motivo de vergonha.
Eu sabia disso. Eu sabia que era só uma puta, e nunca pensei que pudesse ser um pouco mais do que isso.
Eu sabia o meu lugar, sabia o que eu fazia, e sabia que era apenas isso.
Nunca tentei ser mais do que eu era para cliente nenhum.
Infelizmente, era só o que eu era.
Uma puta, como tantas outras.
Então por que ele achou que eu quisesse ser mais que isso? Por que achou que eu estava tentando seduzi-lo ou ter algum tipo de controle sobre ele? Por que achou que eu iria pensar que tinha esse direito?
Por que ele disse aquilo?
Eu não queria, nunca quis ter controle de nada.
De sentimento algum.
Se me fosse possível considerar qualquer utopia, seria simplesmente um Bruno retribuindo os sentimentos que eu nutria por ele, mas eu já tinha descartado essa possibilidade, então estava satisfeita com a nossa amizade.
Com a nossa proximidade, com o pouco da companhia dele, com o pouco dele que eu tinha. Quando tinha.
Por que ele havia dito aquelas palavras?
Eu sabia que era só uma puta, mas ouvir essa afirmação da boca dele, com tanta raiva, tanta mágoa, doeu mais do que eu podia imaginar.
Doeu demais.
O fato de vê-lo como um cliente diferente dos outros pesava.
O fato de admirá-lo e pensar nele como uma proteção, uma "mesmo que estranha" amizade, também pesava.
Mas era o fato de estar completamente apaixonada por ele que fez com que suas palavras me dilacerassem.
Me reduzissem a quase pó, quase nada.
Fez com que eu me sentisse tão imunda e insignificante, tão descartável.
Não devia doer tanto. Não devia porque eu sabia que aquela era exatamente a verdade, mas doía porque, de alguma forma - milagre talvez - eu esperava que ele visse em mim algo além de uma prostituta.
Alguém que valesse a pena, que pudesse ser legal e fazê-lo rir de piadas bobas. Alguém que ele pudesse ver não como um objeto, mas como uma pessoa.
Uma pessoa que pudesse fazer parte da vida dele, de qualquer forma, e que deixasse a sua marca.
Mas eu não havia conseguido.
Não havia deixado marca alguma nele.
Ele me via só como uma puta, e doía saber disso.
Doía porque eu gostava dele demais.
Agora, a última lembrança que eu tinha dele eram aquelas palavras gritadas, como se eu tivesse o desafiado. Aquelas palavras, que ainda repetiam na minha cabeça como um pisca-pisca. Aquelas palavras que talvez ninguém mais naquele salão tivesse levado tão a sério, principalmente por serem verdades, mas que me queimaram como fogo.
Aquela era a última lembrança que eu tinha dele.
De um Bruno tanto protetor como vingativo.
E eu queria poder responder a todas as suas palavras, queria poder xingá-lo de nomes esdrúxulos, queria poder tentar provar a ele que ele estava errado e que eu valia alguma coisa.
Mas ele havia se tornado mais um cliente que surgia e, depois de alcançado o objetivo, ia embora sem sequer olhar para trás.
- Ninha?
Sophia empurrou a porta com cuidado, me dando tempo para fingir que estava fazendo algo normal ou me recompor caso estivesse chorando.
Não respondi nem movi um músculo sequer, ainda deitada em minha cama, olhando para frente como quem assiste com atenção a um filme. A diferença era que não havia nada ali além de uma parede branca.
- Ah... Ainda não está arrumada.
Que horas deviam ser?
- Você sabe como a Rayana é. Ela me mandou vir aqui ver se você já estava pronta para essa noite. Ela já te deu uma folga ontem, depois... do que aconteceu.
Era verdade.
Rayana havia me permitido voltar para o quarto e não receber mais clientes por aquela noite. Mas aquilo foi o suficiente, então eu imaginava que hoje ela não seria tão generosa assim.
- E já são 19:30h. Você sabe que daqui a pouco a casa começa a encher...
Sophia falava como quem pede a um asmático para fazer polichinelos.
Eu podia ver pelo timbre de sua voz que ela sentia muito por estar me lembrando daquelas coisas. Não era ela quem estava me cobrando, era Rayana, mas era ela quem vinha trazer a má notícia.
A notícia de que eu deveria voltar a realidade e desempenhar minha função, esquecendo do que quer que tenha acontecido.
Continuei encarando a parede por mais algum tempo, considerando minhas opções. Percebi que não tinha nenhuma.
- Ninha... Eu sinto muito...
- Eu sei. - Sorri tristemente para ela, enquanto tentava aceitar os fatos.
Eu teria que voltar à realidade hoje. Eu teria que parar de pensar no que havia acontecido. Eu teria que fingir que não estava morrendo por dentro.
Sophia me olhou como quem queria falar muitas coisas, mas não sabia por onde começar, nem se deveria começar. Falar no que aconteceu ontem resultaria em ter que mencioná-lo, tocar no nome dele, e isso era uma coisa que eu sabia que todas as meninas tinham jurado não fazer mais.
Pelo menos não enquanto eu estivesse por perto.
- Vou me arrumar. Te encontro lá embaixo.
Dizendo isso, consegui me levantar da cama e, sem vida, rumei para o banheiro.
Quinze minutos depois, desci para o andar onde agora alguns clientes já procuravam suas companhias. Alguns já estavam acompanhados, e outros bebiam enquanto aproveitavam o início da noite.
Eu não sabia o que fazer ali.
Aquilo parecia patético, porque eu deveria estar fazendo a mesma coisa que sempre fiz: Ficar na vitrine esperando enquanto alguém se decidia em me alugar por trinta minutos.
Ainda assim, por algum motivo eu me sentia agora completamente fora de lugar, tão deslocada quanto um peixe fora d'água.
Se tinha algo no mundo que eu não queria fazer, era aquilo: Esperar pelo meu próximo cliente.
Olhei em volta e vi rostos diferentes de homens diferentes. Eu já estava acostumada com a grande rotatividade do lugar, mas foi observando esse detalhe que comecei a pensar.
Na semana que havia passado, a semana do meu aniversário, cada vez que eu voltava de um programa do meu quarto para o salão principal, me sentia cheia de uma esperança em vê-lo.
Durante toda a semana, todas as noites, eu esperava encontrá-lo encostado no bar, enquanto bebia sua dose de whisky e emanava sua aura de poder.
Todos os dias eu esperei vê-lo, e todos os dias eu me decepcionei.
Minha mãe costumava dizer que a esperança poderia matar uma pessoa lentamente, porque esse era o sentimento que nos tornava vulnerável a falhas.
Quando tínhamos esperança, corríamos o risco de nos desapontar, e haviam situações em que a decepção era quase tão dolorosa quanto a morte.
Ela tinha razão.
Eu havia sentido a força de uma decepção recentemente, e poderia dizer que poucas coisas na vida conseguiriam ser tão dolorosas quanto aquilo.
Mas a esperança era também o sentimento que nos fazia acreditar, que fazia com que tivéssemos fé, e agora eu sentia a gravidade de não ter mais esperança.
Ele não voltaria.
Eu sabia, ele não voltaria nunca mais. Era uma certeza tão grande e tão esmagadora que não havia como contestá-la.
Eu não poderia sequer me decepcionar, porque não havia a menor esperança em vê-lo outra vez.
Eu não o veria outra vez. Noite após noite, ele não estaria ali. Das dezenas de homens que entrariam naquela casa, não havia a menor possibilidade de um deles ser ele.
Não havia esperanças.
Fui tomada por um desespero crescente e sufocante. Tentei não perder o controle, indo direto ao bar e pedindo qualquer coisa alcoólica, enquanto fazia força para parar de pensar naquilo.
Ele não voltaria.
Ele não voltaria. Por que ele foi embora? Ele disse que estaria por perto.
Por que ele disse aquilo? Por que fez aquilo?
- Anne!
Me virei mais rápido do que deveria, o que quase resultou em um tombo.
Me apoiei no bar e procurei a voz que me chamava.
Era Rayana, trazendo consigo um homem com a postura dura e indiferente.
- Benjamin quer conhecê-la. Tenho certeza de que vocês se darão bem.
- Boa noite, Anne. É um lindo nome.
Eu ainda estava com um pouco de falta de ar e um aperto na garganta doloroso, mas me obriguei a falar de volta.
- Obrigada.
- Você está bem? Sua cara não está muito boa.
Eu não estava bem. Estava longe de estar bem.
Estava começando a suar frio, tremia levemente e fazia uma força incrível para não deixar o pânico que surgia nas minhas veias não se apoderar de mim.
Era uma péssima hora para ter uma crise, ainda mais porque Rayana me encarava como se eu estivesse estragando sua ceia de Natal.
Mas eu não podia fazer aquilo. Simplesmente não podia.
Engasguei com a vontade súbita de chorar. Tentei controlar o aperto que precedia o choro, mas não consegui.
- Eu... Não posso...
A torrente de lágrimas veio de uma vez, e eu agora estava aos prantos na frente de um cliente.
Não podia ser pior.
- Querido... - Começou Rayana, enquanto tentava soar calma - Anne não parece estar se sentindo muito bem. Acho melhor apresentá-lo a outra pessoa. Você não vai se arrepender.
Dizendo isso, saiu de braços dados com ele.
Vi os dois se afastarem de mim aos poucos, enquanto tentava limpar a nuvem de lágrimas que atrapalhava minha visão, mas notei que Rayana olhou algumas vezes em minha direção, com uma cara péssima.
Eu sabia que ouviria um sermão por aquilo, mas aquela não era a hora de me preocupar com isso.
A tristeza que agora tomava conta de mim era tão intensa, tão dominante, que eu não consegui me acalmar sequer com o fato de ter acabado de perder um cliente.
Tão rápido quanto a ideia surgiu, corri para as escadas outra vez e, chegando ao meu quarto, me deixei cair pesadamente na cama, enquanto tentava respirar direito.
Eu não conseguia. Não conseguia fazer aquilo.
Não seja idiota. Você sempre fez isso, por que não conseguiria agora? Não mudou nada.
Eu tinha que conseguir, porque era simplesmente a única coisa que eu fazia.
E se eu não pudesse mais fazer a única coisa para que servia, então eu me tornava imediatamente ainda mais descartável do que já era.
Por que você fez isso comigo, seu desgraçado? Por que me abandonou?
Ele mentiu para mim.
Disse que estaria por perto, disse que gostava de mim.
Ele mentiu para mim. Me humilhou, me abandonou, me esqueceu.
- Nós vamos conversar sobre isso depois.
Virei surpresa para a porta e vi Rayana parada, me encarando com uma expressão furiosa, de braços cruzados.
- M-me desculpe...
- Eu sabia que isso iria acontecer... Devia ter sido mais firme quanto a vocês dois.
Ela sabia. Sabia o motivo do meu desespero. Ela sabia que eu estava apaixonada por ele.
Estava assim tão óbvio?
- Nós vamos ter uma conversa definitiva sobre isso, Anne. Você trabalha aqui, e os seus problemas pessoais não me interessam. Você vai ter que fazer o seu trabalho se quiser continuar nessa casa.
Dizendo isso, virou-se e saiu, fechando a porta com força atrás de si.
Eu sabia que ela tinha razão, mas eu não conseguia.
Deus... Eu não conseguia.
Acordei no dia seguinte com batidas na porta do quarto. Pela força das batidas, eu sabia quem era.
- Já vou... - Falei, tentando me recompor rapidamente, enquanto corria para o banheiro e jogava um pouco de água no rosto.
Arrumei um pouco a cama, dobrando os lençóis amassados da noite que passou, e finalmente abri a porta para que Rayana pudesse entrar.
- Bom dia - Ela disse, muito séria.
- Bom dia - Respondi, fazendo sinal para que ela entrasse e se sentasse.
Rayana imediatamente arrastou uma das cadeiras da escrivaninha e se sentou em frente a cama.
- Vou direto ao assunto, até porque você sabe o motivo pelo qual eu estou aqui.
- Sim... - Comecei, de cabeça baixa.
- Ótimo. Você é uma garota esperta, e sabe o que a mantém aqui, certo?
Afirmei com a cabeça, sem dizer nada. Era claro que eu sabia.
- Então você sabe que se começar a recusar clientes, você não vai poder continuar nessa casa, já que o que a faz ficar aqui é o dinheiro dos seus programas.
- Eu sei...
- Além do mais, isso traria uma má fama para o estabelecimento, concorda? Eu não gostaria que minha casa ficasse famosa por ter garotas que recusam clientes, se é que me entende.
Assenti com a cabeça outra vez.
- Então, Ninha, acho que você sabe o que eu quero dizer. Sei que você não está passando por um dos melhores momentos da sua vida, depois do que Bruno fez.
Dor. Senti uma dor forte no peito ao ouvir seu nome outra vez. Ninguém mais falou sobre ele, e eu mesma estava me policiando para não pensar no seu nome.
Ouvi-lo assim, com tanta naturalidade, trouxe de volta a dor que eu tentava esconder de mim mesma.
- Mesmo assim - continuou Rayana - todos nós temos nossas responsabilidades. Eu tenho problemas também, mas não é por isso que vou faltar com as minhas obrigações. Você é uma garota responsável, então acho justo esperar que você também não falte com as suas.
Ela estava certa, é claro. Mas como explicar a ela que eu não conseguia mais fazer aquilo? Que motivo eu daria a ela, já que nem eu mesmo sabia?
Eu poderia dizer como eu me sentia.
Poderia dizer que depois do que aconteceu, eu me sentia muito mais deslocada e baixa do que antes. Poderia explicar a ela o pânico, a náusea que sentia ao pensar que deveria ficar com um homem agora. Poderia dizer a ela que tudo isso piorava porque ele simplesmente não saía da minha cabeça, que a imagem dele me perseguia, que a saudade que eu sentia dele pesava em meu peito como chumbo, que a dor de vê-lo partir tinha me deixado em um estado deplorável.
Mas ela não aceitaria, porque ela estava certa.
Eu devia deixar isso de lado, devia seguir com a minha vida e as minhas obrigações.
Mas eu simplesmente não conseguia.
- Rayana... Eu só te peço um pouco de tempo...
- Você sabe que isso eu não posso te dar. Eu não posso mantê-la empregada se você não consegue trabalhar.
- Eu pago minhas horas.
Rayana me olhou com um pouco de dúvida.
- O que quer dizer?
- Eu pago meus programas. Pago as oito horas, dezesseis programas por dia. Eu só preciso de um pouco de tempo...
Tempo para esquecê-lo.
- E o que eu ganharia com isso?
- Você sabe que eu nunca consigo dezesseis programas em uma noite. Eu pago por todos eles, contanto que você me deixe ficar aqui. Se você me der um tempo... Eu vou voltar a fazer o que eu tenho que fazer.
Ela ponderou por algum tempo. Por tempo demais.
Fiquei receosa com a possibilidade de Rayana simplesmente negar e me colocar contra a parede.
Se ela fizesse isso, eu sabia que iria acabar indo parar na rua.
- Eu sei que foge dos padrões... Mas por favor... Eu preciso da sua ajuda.
Eu estava sendo absolutamente sincera, e pude ver que ela entendeu isso.
Rayana me olhou por algum tempo, como se estivesse analisando a situação, e por um segundo pude notar em seus olhos um pouco de compaixão comigo.
- Eu sabia que isso não ia dar certo...
Por favor, não toque no nome dele outra vez. Por favor.
- Você não podia ter se deixado levar.
- Eu sei... Me desculpe... - Senti meus olhos subitamente serem invadidos por lágrimas antes que pudesse evitar.
Outra vez, ela estava certa.
Eu não poderia ter feito isso, não poderia ter simplesmente aceitado o fato de me apaixonar por ele.
Em que diabos eu estava pensando, afinal? Será que eu realmente imaginava que essa história poderia ter um final feliz? Que terminasse minimamente bem?
Eu era uma prostituta, e ele era interessante, inteligente, engraçado, rico e lindo. Ele simplesmente poderia ter a mulher que quisesse, a hora que quisesse, então por que infernos eu realmente achava que não ia sofrer no final das contas?
Rayana suspirou.
- Eu espero que você fique bem, Ninha. Espero que você consiga esquecê-lo. Ele sempre foi só um cliente.
Não era o que eu costumava pensar. Ele era diferente dos outros em todos os aspectos possíveis.
Tinha sido exatamente por isso que eu havia me apaixonado tão rapidamente por ele, quando pensei que jamais poderia me apaixonar por um homem que me visse daquela forma.
Mas no fundo, era verdade. Ele sempre foi um cliente.
Um cliente que pagava pelos meus serviços, e que me via como devia ver, como eu era. Não era culpa dele ser tão encantador, não era culpa dele eu ter me permitido ceder aos encantos dele.
A culpa de tudo aquilo era minha.
Rayana se levantou, indo em direção à porta.
- Eu vou te dar um tempo. Você paga suas horas, eu te deixo livre. Mas comece a pensar no que você vai fazer daqui pra frente.
Sem dizer mais nada, saiu do quarto fechando a porta atrás de si, me deixando completamente sozinha e desolada outra vez.
Fiquei no mesmo lugar por algum tempo, pensando no que eu faria. Onde aquela decisão iria me levar. Finalmente quebrei o silêncio do quarto, falando comigo mesma.
- Tudo bem. Você ganhou tempo para esquecê-lo. Agora, trate de esquecê-lo. Trate de esquecê-lo. Para o seu próprio bem.
Eu devia imaginar que se um cliente era tão importante a ponto de fazer com que eu me apaixonasse, ele deveria ser igualmente difícil de esquecer.
Eu não conseguia esquecê-lo.
Não importava o que eu fizesse, o quanto me odiasse ou tentasse odiá-lo, o quanto tentasse não pensar nele.
Conforme os dias passavam, eu me forçava sempre mais a aceitar que precisava parar de pensar nele, mas a cada dia a saudade também aumentava, fazendo com que a tarefa de esquecê-lo se tornasse impossível.
Era impossível esquecê-lo.
Impossível porque eu nunca havia sentido aquilo por ninguém.
Nunca havia pensado em um homem daquela forma, e ele foi o primeiro. O primeiro a me mostrar que aquilo poderia ser tão bom, mas também tão doloroso.
Era simples. Eu não conseguia parar de pensar nele.
Nem com a ameaça de ter que, a qualquer momento, voltar a exercer minha profissão, ou seria expulsa de casa. Nem com a raiva que eu sentia dele, por ter me humilhado e gritado comigo na frente de tantas pessoas. Nem com as minhas amigas me dando apoio ou com Rayana me ajudando.
A lembrança dele trazia mais desespero e dor do que eu podia aguentar, e sua presença fantasmagórica na minha rotina estava me deixando tão exausta que eu não tinha mais forças para tentar esquecê-lo. Porque quanto mais eu lutava contra isso, menos eu conseguia.
Eu simplesmente não conseguia deixar de pensar nele, e sempre me pegava lembrando de qualquer momento que tenhamos passado juntos.
Quando isso acontecia, minha mente se deixava levar e eu mergulhava profundamente em lembranças que me traziam de volta o cheiro dele, o toque dele, o olhar dele.
Todo dia.
Todo maldito dia.
Eu não conseguia parar de pensar nele, e isso poderia ser até aceitável se eu estivesse nesse dilema por alguns dias. Mas, agora, dois meses haviam se passado, e eu estava exausta de lutar contra mim mesma.
Estava exausta de sonhar com ele e sentir uma decepção tão grande quando acordava.
Exausta de me perguntar onde ele deveria estar a todo momento.
Exausta de querê-lo tanto, com tanta força, com tanto desespero.
Eu estava exausta, dilacerada e completamente sozinha.
Tinha muito a agradecer a Rayana por suas atitudes. Ela me permitiu pagar apenas dez programas por dia, já que era raro qualquer garota da casa conseguir mais do que isso por noite. Além disso, se manteve retirando somente a percentagem dos lucros que cabia a ela, o que me fez não ir à falência imediatamente.
Eu devia tudo isso a ela, mas nada poderia me tirar do estado em que eu me encontrava agora.
Um estado deplorável de depressão profunda, onde poucas coisas além de sede, fome e uma bexiga cheia me faziam levantar da cama.
Eu certamente estaria muitos mais quilos mais magra se Angela, Júlia, Sophia e até Manoella não insistissem tanto para que eu comesse mais do que meu estômago podia aceitar.
Era óbvio que quase todas as garotas estavam começando a ficar realmente preocupadas comigo.
Todas me diziam que eu deveria tentar melhorar, mas elas deviam saber que quando se está em depressão, a última coisa que se consegue é ter força de vontade para sair dela.
Estava sendo muito mais difícil do que eu imaginava que fosse ser.
Agora, depois de tanto tempo longe do meu trabalho, eu simplesmente não via possibilidade em voltar a fazê-lo. As coisas haviam ficado muito piores, e eu não sabia como consertá-las.
Eu estava perdida, e a única coisa com a qual eu poderia contar era a paciência de Rayana.
Mas eu devia imaginar que, como tudo de bom na minha vida, isso também não duraria para sempre.
- Anne?
- Sim.
Era sábado, início de tarde. Eu estava deitada na cama, tentando dormir por causa das últimas noites em claro que tinha passado. Rayana agora entrava em meu quarto, com uma expressão séria e ligeiramente triste.
- Como você está?
Essa era uma pergunta que me faziam constantemente, e com a mesma frequência, eu não sabia como responder.
- Melhorando. - Menti.
- Ninha... Já faz mais de dois meses...
- Eu sei...
- Você acha que consegue voltar?
Eu não conseguia. Só a imagem de mim mesma com outro homem, qualquer homem que não fosse ele, já causava toda aquela mistura de sensações horríveis dentro de mim: Nojo, tristeza, desespero, pavor.
Eu não conseguia. Eu não queria.
Não podia fazer aquilo.
- Não.
Minha voz saiu firme, de uma forma que eu não esperava que saísse, me pegando completamente de surpresa e, ao que tudo indicava, surpreendendo Rayana também.
- Não?
- Não. Eu não posso, Rayana... Me desculpe...
Ela me olhava sem expressão, enquanto via agora lágrimas descerem pelo meu rosto.
As mesmas lágrimas que desceram durante todos aqueles dias, sempre pelo mesmo motivo. As lágrimas com as quais eu já havia me acostumado, e que eram agora a marca do meu estado de espírito.
Aquelas lágrimas simbolizavam o pouco de tudo o que eu vinha sentindo por todo aquele tempo, mas agora, carregavam também a dor pelo que eu sabia que viria a seguir.
Era uma questão de tempo.
- Eu também peço desculpas, Ninha. Mas não posso mais aceitar você aqui.
Aquela era a última mala de roupas que eu colocava no banco traseiro do táxi.
Não sabia sequer de onde tinha tirado a força de vontade para conseguir colocar tudo que me pertencia dentro de sacolas e mochilas de viagem, antecipando a hora da partida.
Eu não tinha muitas coisas. As roupas de cama, móveis e objetos de decoração que ficavam no meu quarto não me pertenciam, então só restavam algumas roupas, sapatos, livros e outros pertences menores para levar comigo.
No total, eu tinha quatro sacolas grandes onde tudo se misturava.
Muito daquilo eu nem lembrava que tinha.
Na verdade, eu não precisava de muitas daquelas coisas. A grande maioria das peças de roupa eram próprias para o que eu fazia, e em raras ocasiões as havia usado.
Lingeries, vestidos apertados e saias justas, todas peças esquecidas no fundo de algumas gavetas, quando, em um ato de rebeldia, resolvi me vestir de uma maneira mais casual e confortável para receber clientes naquela casa.
Aquela casa, que agora não era mais meu lar.
Minha estadia ali havia sido rápida, mas foi o suficiente para que eu pudesse fazer amizades.
Eu sentiria saudades de Júlia e Sophia, principalmente. Elas estiveram do meu lado em momentos importantes, e agora eu não sabia como seria sem elas.
Mas não me restava muito mais coisas a fazer, por isso optei por uma despedida rápida e objetiva.
No estado em que me encontrava, mais sensível que o normal, não consegui conter as lágrimas ao falar com cada uma das meninas que me fizeram companhia por esse curto período de tempo, mas consegui fazer com o que o drama durasse pouco.
- Vou sentir saudades suas. - Disse Sophia aos prantos, enquanto me abraçava na cozinha.
Optei por não responder, temendo que a tentativa de emitir som acabasse com o pouco do controle que eu tinha e me fizesse, também, me debulhar em lágrimas.
- Sabe o que eu acho? - Começou Júlia, sorrindo esperançosa enquanto fazia mais força para não chorar do que queria admitir - Acho que você vai ficar bem. Você é forte, sabe se cuidar.
Eu poderia responder que não, eu não sabia.
Estava perdida demais, triste demais e sozinha demais para saber o que fazer da minha vida, como iria me virar dali para frente, quais seriam os planos e qual era o momento para começar a traçá-los.
Eu estava perdida, mas não quis falar.
Isso traria preocupação desnecessária da parte delas, e embora eu precisasse de alguém, não poderia dar esse peso a pessoas que não eram responsáveis por mim.
- Quando souber onde vai ficar, nos avisa?
Apenas assenti com a cabeça, ainda evitando falar para que o choro, agora dolorido na garganta, continuasse preso.
Eu havia mentido quando disse que não sabia para onde ir.
Iria para o lugar onde Rayana havia me achado.
Era possível que eu arranjasse algum lugar para ficar por ali, enquanto tentava dar um jeito na minha vida. A vizinhança não era agradável, mas os aluguéis não eram caros, o que era bom porque eu não procurava nada luxuoso e estava em contenção de gastos, já que havia perdido uma boa quantidade de dinheiro ao pagar meus próprios programas para Rayana.
Mas ninguém precisava saber disso.
Querendo apressar as coisas, dei um último abraço em Júlia e saí pela porta dos fundos, onde um táxi já me esperava.
Era mais uma despedida. Mais uma triste despedida, como tantas outras na minha vida. Mas que despedida não é triste?
Sem olhar para trás, entrei no carro e parti.

De repente, Amor.Onde histórias criam vida. Descubra agora