Capítulo 3: Extracurricular

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~Sam On~

Desde que eu era pequeno sabia que era diferente. Parecia que esse mundo não era feito para mim. Lembro de sempre contestar sobre tudo quando era pequeno. Por que eu precisava tomar café da manhã antes de ir para a escola? Por que eu preciso escovar os dentes antes de dormir? Por que eu só podia ganhar presentes no meu aniversário e natal? Meu pai, do seu jeito atrapalhado, sempre me explicava tudo.

Incrível como ele conseguiu ser tudo o que eu necessitava. Claro que eu me sinto vazio ás vezes. Meio vazio. Como se uma parte do meu quebra cabeças ainda estivesse espalhado em algum lugar, esperando para que eu o encaixe. Eu não tinha a menor ideia de quem era a minha outra metade. O X que completou meu XY. Não sei mesmo. E curiosamente, dentre todas as milhares de perguntas que fiz ao meu pai e à minha avó, nenhuma delas era: quem é minha mãe?

Por que afinal? Eu acho que sempre tive medo. Medo mesmo. Porque a realidade de ser abandonado já é tão dolorosa, saber os motivos parecem ser mil vezes pior. E se fui abandonado porque minha mãe era uma viciada em crack? Se ela foi presa. Se ela era casada. Se ela tinha fobia de criança. E se fosse um motivo estúpido como vou largar esse filho para viajar para a disney e ser feliz ou simplesmente porque não queria passar noites em claro? Mil possibilidade passavam pela minha cabeça e nenhuma era boa o suficiente para você decidir nunca mais ver seu filho.

O que custava pelo menos mandar uma carta só para dizer: ''Hey, sou sua genitora. Metade dos seus cromossomos foi eu que lhe dei''. Não precisava bancar a mãe e nem cuidar de mim. Só bastava dizer que existe. Que eu não era filho de chocadeira.

Apesar desse grande ponto de interrogação, eu fui uma criança feliz. Em boa parte, graças a Leah, minha melhor amiga. Parece que ter ela supria essa falta de algo que nunca conheci. Por ela ser tão especial na minha vida, que finalmente despejei algo que stava sentindo. Algo que certamente mudaria minha vida.

Sim, estamos progredindo. Hoje é mais fácil do que antigamente. É. Verdade. O problema é que ainda existem pessoas que abraçam o retrocesso e não querem mais largar. Por isso que quando comecei a entender que não era uma fase, que não era simplesmente porque '' aquele homem é bonito demais para eu não notar'', que querer casar com o Dylan O'Brien não era algo que poderia fazer e continuar dizendo que era 100% hétero, depois de pensar sobre isso, percebi que não seria fácil.

Cerca de 90% de tudo que existe é sobre heterossexuais e seus amores e suas vidas. Tirei esse 90% da minha cabeça, talvez seja menos, talvez seja mais. Porém é isso. O mundo é em sua maioria de heterossexuais e feito para heterossexuais. Quando você nasce, olham para seu sexo, menino ou menina. A partir daí já começa a palhaçada. O meu quarto de bebê era azul. Odeio azul. Gosto de rosa? Não também. Mas poderia ser lilás. Amo lilás.

Obviamente as cores são o de menos. O pior são os planos de vida que já traçam para você somente baseado em seu sexo. '' Esse aí vai ser o terror das garotas de Holmes Chapel, não sei quem vai jogar a água mas ele vai passar o rodo'' '-'. Sem comentários.

Não existe a pausa dramática para pensar, e se ele não gostar de garotas? Raras exceções. E para falar a verdade, nunca percebi que estava vivendo um universo de tortura até notar em como eu ficava nervoso conversando com o meu parceiro da aula de biologia.

Meu primeiro crush. Nem foi a tanto tempo atrás, afinal isso tudo só foi notado por mim a pouquíssimo tempo mas pensando na minha vida, eu sempre soube. Tínhamos aula duas vezes por semana juntos. Eu contava as horas só para ficar ao seu lado. Nós dois tínhamos doze anos. Ele era ruivo e tinha sardas no rosto, parecia um moranguinho.

Enfim... Enquanto fazíamos nosso projeto científico, eu só conseguia olhar para cada detalhe do seu rosto. E quando ele olhava diretamente para mim, eu virava o rosto. Minhas bochechas queimavam. Ele me perguntava se eu estava bem. Eu dizia que sim mas não, estava longe de estar bem. Eu imaginava a boca dele na minha e ficava tentando espantar esse pensamento para longe mas nunca saía.

Entre VírgulasOnde histórias criam vida. Descubra agora