EU ESTAVA NA DUCENTÉSIMA NONA flexão quando alguém bateu na porta.
— Entra. — minha voz saiu quase um rosnando devido ao esforço físico. Observei com o canto do olho enquanto Desmus, o mensageiro do meu pai, adentrava na Academia.
— Perdão por interrompê-lo, Vossa Alteza. — ele disse, fazendo uma reverência apressada. — A princesa da Água acordou e exige sua presença imediata.
Me sentei, parando na ducentésima décima quinta flexão com um sorriso nos lábios.
— E você disse a ela que não obedeço a ordens de pessoas mais novas ou mais baixas do que eu? — perguntei, erguendo as sobrancelhas.
Desmus pareceu não saber o que dizer, e gaguejou uma resposta, claramente nervoso.
— E-eu não sabia o que Vossa Alteza queria que eu dissesse, e como ela é a princesa, não p-pude negar.
Suspirei, me levantando do chão acolchoado.
— Eu estava brincando, Desmus. Você fez bem. — dei um aceno com a cabeça e ele fez mais uma reverência, desta vez com capricho. — Está dispensado.
Assim que ele saiu, pensei no que fazer em seguida. Ágata ficara apagada por cinco horas inteiras, e isso me obrigou a ter que lidar com uma cabeça de vento irritada gritando ameaças infundadas, além de ter que inventar desculpas para acalmar o público, que não sabia o que pensar. Eu não podia culpá-los. Quando Ágata mostrou a magnitude de seu poder aos olhos de todos, fiquei surpreso. Eu a conhecia desde que usava fraldas e nunca tinha visto ela colocar tanta água para fora de si como hoje.
Ágata e eu tínhamos uma relação complicada porque nossas personalidades se divergiam em basicamente tudo. Eu gostava de provocá-la porque sabia que ela possuía pavio curto quando se tratava de mim. Apesar disso, eu não iria negar a pontada de orgulho que senti pelo que ela havia feito hoje mais cedo.
Enquanto eu me dirigia ao aposento no qual ela estava, pensei que para uma garota que costumava me odiar, Ágata tinha lidado bastante bem com a notícia surpresa do nosso "noivado". Bati na porta e esperei encostado a ela, o que no final não foi uma boa ideia, já que a pessoa que estava lá dentro resolveu abrir bem rápido, fazendo com que eu quase caísse no chão.
— Finalmente você resolveu aparecer — ela disse com impaciência, me puxando para dentro do quarto e passando a chave logo em seguida.
— Ágata, acho que você deveria se recompor — eu disse. — O que as pessoas vão pensar ao verem você toda animadinha me puxando para dentro de um quarto com chave? Uma dica: algo muito indecente pra sua idade.
— Ah, por favor! Você não consegue não ser idiota por apenas um minuto? — ela indagou, o rosto assumindo uma coloração avermelhada. Seria de raiva ou vergonha? — Quero saber que história maluca foi aquela de ter anunciado para todo mundo que eu era sua noiva sem que eu nem tivesse conhecimento. Não que se eu soubesse mudaria alguma coisa. Eu não gosto de você e você não gosta de mim, então mesmo se tivesse se dado ao trabalho de me perguntar, a resposta teria sido não. — seu olhar desceu para o meu abdome nu e não sei se foi impressão, mas suas bochechas pareceram ficar ainda mais vermelhas. Envergonhada com certeza. — Olha só como você não se dá ao respeito. Podia ter pelo menos colocado uma camisa para vir falar comigo!
Um sorrisinho malicioso se formou em meus lábios.
— Por quê? Meus músculos distraem você? — perguntei, segurando a risada. Dei alguns passos em sua direção, fazendo com que recuasse.
— Você é completamente estúpido e não, Jason. Eu não me importo com os seus malditos músculos. — ela cruzou os braços. — Te fiz uma pergunta e estou esperando a resposta.
Suspirei. Nunca dava para me divertir muito com Ágata. Ela levava tudo tão a sério.
— Como você já deve saber, sou o favorito do público. — falei, circulando pelo quarto. — Seus pais estão preocupados por você ser nova demais e não ter praticamente ninguém a seu favor. Eles já tinham aliados no Ar e na Terra, além de toda a torcida da Água para que a herdeira de seu Clã vença. — ergui os olhos, para ver se ela estava prestando atenção. Meu olhar cruzou com o dela por um instante e senti a costumeira inflamação que vinha toda vez que nos encarávamos.
Ela quebrou o contato visual e a inflamação sumiu.
— Disso eu já sabia. Prossiga, por favor.
Limpei a garganta.
— O problema é que eu tenho aliados em todo lugar. Nasci primeiro que você, a cabeça de vento da Aurora e o florzinha do Thomas, então tive muito tempo para conquistar as pessoas.
— Você está enrolando. — ela revirou os olhos. — Como sempre.
— Eu não estaria se você parasse de ser intrometida e me deixasse terminar — olhei para ela com raiva. — Se quer ter pelo menos uma chance de ganhar o Jogo Elemental, então tem que colaborar comigo para fazer isso dar certo.
Ela encolheu os ombros.
— Eu não preciso de você para ganhar. Toda a sua plateia viu do que sou capaz hoje e com certeza consegui deixar algumas pessoas incertas sobre o tamanho do meu poder. — ela disse, provavelmente querendo parecer segura de si, o que não foi o caso.
Uma risada irônica escapou dos meus lábios.
— E quantas vezes você acha que as pessoas me viram derrubar Thomas, Aurora e vários outros obstáculos, tudo ao mesmo tempo? — me joguei na grande cama de dossel no centro do quarto. — Tem um motivo para me chamarem de "Chama Mortal".
Foi a vez dela de rir.
— Se está tentando me colocar medo com esse seu apelido ridículo, saiba que não está dando certo.
— O fato é que os meus pais concordaram em montar um noivado de fachada entre nós dois para parecer que estamos apaixonados e essa baboseira toda. — eu disse, cruzando os braços atrás da cabeça. —Assim os nossos outros concorrentes acharão que somos o ponto fraco um do outro e vão querer tirar vantagem disso, quando na verdade...
— Quando na verdade quem vai sair ganhando somos nós. — ela sussurrou, alto o bastante para que eu pudesse escutar. — Mas e quando Thomas e Aurora saírem do Jogo?
— Então vai ser cada um por si. —afirmei. — Inventamos uma briga, acabamos com essa palhaçada de aliança falsa e continuamos competindo um com o outro até o Jogo Elemental chegar ao fim e um vencedor for escolhido.
— Isso quer dizer que por enquanto eu vou ter que fingir que gosto de você? — ela perguntou, erguendo uma sobrancelha clara.
— Relaxa, peixinha. — eu usei o apelido de quando ela era mais nova e vivia falando o quanto queria ser um peixe. — Não vai precisar se esforçar tanto, por que, cai entre nós, eu sou completamente irresistível. Além disso, quando você interrompeu a briga entre mim e Aurora tomando o meu partido, as pessoas pareceram ficar bastante tocadas.
Ela se remexeu, parecendo desconfortável com meu comentário.
— Aurora estava trapaceando —falou. — E para todos os efeitos, você e eu estamos ligados por um noivado, então eu não podia deixar você me fazer passar vergonha perdendo um combate na frente de todo mundo.
Sorri de lado.
— Isso explica tudo. Obrigado por ficar do meu lado, mesmo tendo em mente a sua própria reputação.
Ela balançou a cabeça em concordância, seus cabelos brancos caindo pelo seu ombro de uma forma extremamente sensual.
Espera, o quê?
— Não precisa agradecer.
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Crônicas de Água e Fogo: O Elemental
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