44: Limites Quebrados

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Otto

ESTAVA ÓBVIO PARA MIM que alguma coisa vinha acontecendo bem debaixo do meu nariz. Aurora vivia de conversas sussurradas com o filho da Terra e isso não me inspirava nem um pouco de confiança, principalmente vindo dela. Podia ser uma bastarda estúpida, mas era ardilosa. Ardilosa demais para ser ignorada.

Olhei para os lados para me certificar de que o corredor estava vazio antes de soltá-la, encarando furioso o resultado da cena ridícula que ela se prestara a protagonizar. Como se já não fosse suficiente aquela vadia da Água ter me humilhado semanas atrás na frente de todas as pessoas importantes de meu Clã, pessoas que precisavam me respeitar, agora resolvera atacar diretamente a minha única filha. Não que a segurança de Aurora me importasse, ela sabia muito bem se virar sozinha.

- Que porcaria foi aquela? - exigi, entredentes. - Você perdeu toda a noção? Se jogar no Príncipe do Fogo daquela forma, como se fosse uma vagabunda qualquer que não sabe qual é o seu lugar?

A expressão dela se contorceu de raiva e eu percebi claramente quando ela cerrou os punhos, as unhas antes ruídas substituídas por imitações de garras pintadas de vermelho.

Com certeza ela estava passando por algum surto de personalidade, mas eu não iria admitir aquilo. Já passara da hora de Aurora crescer, de parar de ser uma pirralha alienada.

- Vou falar somente uma vez, garota: você sabe muito bem tudo o que venho aguentando durante todo esse tempo. - escarneci, apontando o dedo na sua direção. - O casinho sujo da puta da sua mãe, as explosões de comportamento e a incompetência da filha bastarda dela. Mas isso acabou, está me ouvindo?

Ela relaxou os punhos, um sorriso estampando os lábios pintados de vermelho.

- É claro que estou ouvindo, papai. - disse, seus olhos se abrindo em fendas negras um minuto antes dela erguer a mão, me atirando contra a parede mais próxima em uma corrente de ar que pareceu me prender no chão.

Tentei invocar meu poder no ato, mas quanto mais eu lutava para trazê-lo à tona, mas fraco eu me sentia, como se ele estivesse... sendo tirado de mim. E ao erguer o rosto e contemplar Aurora, as mãos abertas, os olhos fechados, os cabelos flutuando ao seu redor e o fato de que seus pés não tocavam o chão, percebi o que ela estava fazendo.

E entrei em pânico.

- Aurora! - gritei, me forçando a levantar do chão, sem sucesso, a corrente de ar me empurrando mais abaixo ainda, fazendo com que meu rosto fosse pressionado contra o piso gélido. - Aurora, pare com isso agora!

Ela abriu os olhos, e seja lá qual fosse o ritual profano que estava fazendo, ele acabara no minuto em que seus pés tocaram o chão novamente.

Respirou fundo, parecendo energizada. O Ar girando ao seu redor como se ela fosse o Elemento encarnado. Enquanto eu...

- Eu não sou a Aurora. - ela disse, inclinando a cabeça para o lado, como se refletisse sobre algo, as unhas vermelhas brilhando contra a luz do lustre no corredor. - E você.... Você em breve não será ninguém.

E foram essas as últimas palavras que eu escutara antes de sufocar até a morte, o tempo e o som e a vida se esvaindo até não serem nada.

* * *

Ágata

EU ME SENTARA EM uma poltrona de couro e madeira cor de conhaque, Jason estando de pé bem ao meu lado, quando avistei Telórius passar pela porta de entrada do salão de reuniões, seus demais representantes logo atrás. Senti o ar ficar abafado, salpicado de um calor assassino. Estiquei a mão na direção de Jason, que entrelaçou os dedos nos meus imediatamente.

Crônicas de Água e Fogo: O ElementalOnde histórias criam vida. Descubra agora