5: Fria Como Água, Quente Como Fogo

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DEPOIS DA ANUNCIAÇÃO DOS nomes de guerra, eu tentava com todas as minhas forças não lembrar da minha total falta de jeito para pensar em um nome que seria associado a mim pelo resto dos meus dias. Jason tinha sido um apoio, e agira rápido, assim como ele disse que faria enquanto fôssemos aliados um do outro. Também tentei não pensar demais a respeito do olhar decepcionado que Thomas me lançara, ou no sorriso de escárnio de Aurora ao me ver passar vergonha. Eu não podia me distrair com nada disso; tínhamos sido mandados para o Salão da Arena, onde receberíamos as instruções da primeira fase do Jogo Elemental e como novata, eu tinha que focar inteiramente nisso.

Enquanto nós quatro seguíamos para o Salão da Arena, não ousei olhar para lugar nenhum, apenas para meus pés. Minhas botas brancas contrastavam com o piso de madeira lustrosa, tendo boa parte coberta por um carpete verde-musgo que parecia estar ali durante muito tempo, sem ter sido retirado para limpeza nem uma única vez. Jason, o mais alto de nós, seguia atrás de mim, a penúltima da fila. Aurora estava na frente, balançando a cabeça para cada homem ou mulher bem vestido que passava por ela, ao passo que Thomas tentava não olhar para trás de jeito nenhum.

— Levante a cabeça. — Jason sussurrou atrás de mim, tão baixo que fiquei impressionada por ter conseguido ouvir. — Essa sua mania de andar olhando para o piso me irrita.

Senti vontade de dizer que não ligava para a sua opinião, mas lembrando do quanto ele fora bom em me ajudar a sair ilesa de uma situação que seria pra lá de constrangedora, engoli minha resposta ácida, ergui o queixo e endireitei a postura, ficando o mais ereta possível.

— Está bom para você? — perguntei entredentes. 

— Está perfeito. — foi a sua resposta.

E foi neste momento que Aurora parou de andar a nossa frente, impedida de passar por dois guardas vestidos de um branco prateado, armados com lanças de prata pontudas, parados diante de uma enorme porta negra.

— Os senhores não estão autorizados a entrar nesta sala. — um deles disse, fazendo com que um voz grave reverberasse pelo corredor. — Peço educadamente que saiam do caminho e deem espaço para os que foram realmente convidados passem.

— O senhor deve ter se equivocado. —Aurora disse, sorrindo de forma complacente. — Nós somos os três primogênitos dos Clãs Elementais. Temos sim, autorização para entrar, acredite.

— Na verdade, estamos em quatro. —eu corrigi, recebendo um olhar cinzento por parte dela. Thomas olhava de esguelha para nós, e a reação de Jason não foi vista, já que ele estava atrás de mim.

— Três, quatro, cinco... Não me importa. — o guarda retomou a palavra. — Quero que saiam da minha frente!

Jason bufou atrás de mim e disse:

Você é a única pessoa que tem sair da minha frente. — falou, andando lenta e implacavelmente devagar. O guarda pareceu ficar mais ereto, como que sua postura mostrasse alguma ameaça.  — Não estou nem aí se não tenho autorização. Com certeza deve ter ouvido falar bastante do herdeiro do Clã do Fogo.

O guarda balançou a cabeça, respirando fundo.

— É claro que já ouvi falar dele.

Jason ergueu as sobrancelhas negras, que formaram um arco perfeito em seu rosto.

— É mesmo? Pois eu vou te falar mais uma coisa. — ele começou, gesticulando na nossa direção. —Digamos que somos temos o poder de fazer várias coisas. Esta daqui é capaz de criar um furacão só com o olhar. Esse daqui pode fazer você virar pedra. E essa aqui, — apontou com o queixo para mim. — Vai levar o seu oxigênio embora em uma enorme onda de água. E eu? Sabe como é a sensação de ter cada centímetro da sua pele tocada pelo fogo? Garanto que não vai querer saber.

O rosto do guarda ficou lívido. Estava óbvio que ouvira falar de cada um de nós, e somente agora se dera conta de nossa identidade, cometendo o erro de não nos reconhecer. Com certeza devia ser um dos guardas recém recrutados, que ainda estavam se adaptando a vida no Palácio da Arena.

— Perdão, Alteza, não foi minha intenção... — ele começou.

— Não foi sua intenção nos expulsar com o maior nível de grosseria possível? Engraçado, dois segundos atrás eu achei que fosse. Vou tomar as medidas necessárias para que isto seja corrigido — Jason disse, olhando para nós três procurando apoio. Aurora cruzou os braços, parecendo mais do que satisfeita. Thomas permaneceu em silêncio, impassível. 

E então tinha eu.

— Não é para tanto, Jason. — falei, dando alguns passos para frente. — Foi apenas um caso isolado, uma mal entendido que não irá acontecer novamente. — me certifiquei de olhar para o guarda ao dizer isso. — Você não precisa se alterar.

Ele se virou com rapidez suficiente para quase me fazer dar para trás, ficando de frente para mim. Seus olhos fitavam os meus com uma intensidade gritante e senti o minha visão se tornar turva, tingida de violeta, formigando ao ver chamas azuladas tomarem os olhos castanhos à minha frente.

— Eu não estou alterado, Ágata — ele gritou, me fazendo estremecer. Calma. Você não tem que ceder. Esse cara acabou de nos destratar e você ainda age como...

Explodi.

— Por que você não cala a boca, Jason? — gritei de volta. — Quem você pensa que é? O nosso líder? Ponha uma coisa na sua cabeça: eu não sou obrigada a obedecer você! Só porque é mais velho, não pode achar que todo mundo deve se submeter aos seus caprichos. — o príncipe do Fogo parecia espumar de raiva, mas não me importei. — E está alterado sim, porque se não estivesse, teria agido como uma pessoa comum, e não feito uma cena como o idiota controlador que você é!

O silêncio reinava. A única coisa que se ouvia era a minha respiração acelerada no ar entre nós. Até Aurora, sempre com comentários a dar, tinha ficado sem palavras. Thomas era a surpresa em pessoa, enquanto os guardas pareciam imóveis, com medo de sofrerem as consequências caso ao menos se movessem.

O rosto de Jason estava vermelho de raiva, os olhos queimando com uma fúria mal contida.

— Você é uma criancinha. — ele disse, cuspindo as palavras. — Fala como se já fosse a Elemental porque conseguiu derrotar Aurora uma vez. Isso não é nada. Eu vou te dizer algo, Ágata, que você nunca deve esquecer: você pode derrubar Aurora, Thomas e quantos homens vierem, mas por cima de mim você não vai passar.

Então deu as costas, indo na direção oposta a que estávamos. Engolindo a vontade de xingá-lo, pisquei várias vezes para não deixar as lágrimas que ardiam em meus olhos escorrerem.

Me virei para o guarda, erguendo a cabeça.

— Podemos entrar agora, ou vamos precisar dar documento?

Crônicas de Água e Fogo: O ElementalOnde histórias criam vida. Descubra agora