14: Á Sombra de Uma Promessa

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COM UM ÚLTIMO PUXÃO, Claire terminou de amarrar o laço do espartilho de meu vestido vermelho e eu me permiti respirar. O dia do Baile de Kilewood West finalmente havia chegado e essa seria a primeira vez que apareceríamos em público sem Thomas. Suspirei. Eu não fazia a menor ideia do que tinha acontecido com ele. Aquela carta era tão surreal. Só de saber que ele provavelmente estava sofrendo de inúmeras formas diferentes meu estômago se contorcia de angústia. Jason não tinha tido mais nenhum incidente com Valerie depois daquele dia. Senti um sorriso involuntário surgir em meu rosto. Tínhamos batido um recorde: três dias juntos sem nenhuma briga, por mais besta que pudesse ser.

– Bom. Eu acho que você está linda. – Claire disse. – Essa cor combina muito com você.

Encaro meu reflexo no grande espelho de moldura cravejada com pérolas e diamantes que tomava conta de metade da parede do meu quarto. Olhos azuis me fitaram de volta, contrastando com o vermelho cor de sangue do vestido. Um penteado que deixava parte de meu cabelo branco presa em pequenas tranças, seguras por presilhas feitas de rubis, e a outra parte solta, descendo em mechas longas pelas minhas costas. O vestido vermelho tinha cintura alta, marcada por uma fita de cetim. Ele não tinha uma saia volumosa, apesar de ter várias camadas de um tecido rubro leve e transparente, que deixava parte de minhas pernas à vista.

Eu nem parecia comigo mesma. Parecia, parecia... com alguém elegante, maduro e... E...

Um pigarro foi ouvido e pude ver Jason do espelho. Encostado no batente da porta, olhando pra mim. Senti minhas costas queimarem pelo seu olhar e meus olhos piscaram violetas quando os dele brilharam, cor de fogo.

Muitas coisas tinham mudado entre nós, mas aquele brilho continuava do mesmo jeito. Era algo especial e louco, mas era só nosso. Ele sorriu de lado e eu sorri de volta, desperta do transe. Me virei para ficar de frente pra ele e olhei para Claire:

– Você vem com a gente? – perguntei.

Ela fez um movimento de dispensa com a mão e sacudiu a cabeça.

– Você sabe que eu odeio bailes. Pessoas demais me deixam tonta. Prefiro ficar. Divirtam-se. – ela sorriu.

– Eu acho difícil. – Jason disse. Ele usava um terno - negro, como sempre, - mas esse era diferente: havia o emblema do Clã do Fogo no lado direito de seu peito, uma labareda brilhante feita de ouro Elementar, algo muito difícil de se encontrar em Goddess Falls. Eu provavelmente nunca tinha visto algo feito dele pessoalmente. – De acordo com Telórius, iremos até lá apenas para assinar embaixo na tentativa dos reis de Kilewood West de uma aliança. Acho que Valerie está fazendo um ótimo trabalho em assustar todos que saibam da Profecia do Elemental, mesmo que para o povo deles não passe de uma história absurda de nosso Reino.

– Eles não deveriam tratar assuntos de Goddess Falls com tamanho descaso se querem de fato uma aliança. – falei. – Eles se sentem injustiçados por possuímos poderes que são inalcançáveis para eles, e ainda assim contam lendas sobre aberrações vindas da Água, do Fogo, da Terra e do Ar.

– Isso irá mudar em breve. Vocês dois se certificarão de que tudo corra bem para ambos os lados. – disse Claire.

– Acho que você está equivocada. – uma voz foi ouvida do corredor. Instantaneamente fiquei alerta. Aurora estava aqui. Então ela iria mesmo conosco. Jason olhou para mim, e ao mesmo tempo que o brilho laranja enchia seus olhos castanhos, o seguinte pensamento encheu minha mente: Fique calma. Estou com você, peixinha.

Ainda sentia a ardência conhecida de quando a cor violeta enchia meus olhos quando Aurora voltou a falar, desta vez frente a frente comigo. Ela usava um vestido azul acinzentado, com uma faixa cravejada de diamantes marcando sua cintura. O vestido era de um tecido brilhante e leve, marcado por várias ondas de um rendado impressionante. Perto dela, eu era apenas mais uma garota na multidão.

– Nós três iremos nos certificar de que tudo corra bem. Éramos um quarteto e agora somos um trio. Não é difícil perceber. Se é que, – ela deu um sorriso de puro escárnio para Claire. – uma criada como você sabe contar.

O rosto de Claire ficou branco. Ela não era tratada como uma criada aqui. Fazia algumas tarefas como minha dama de companhia porquê insistia em ajudar em algo que compensasse o cuidado de minha família com ela por todos esses anos. Mas nunca, em hipótese nenhuma, tinha sido tratada de tal forma por qualquer alma que já pisara neste castelo.

Senti Jason endurecer. A energia que emanava dele prometia violência, mas era o meu sangue que fervia dentro das veias.

– Retire o que disse. – ordenei, a voz mais autoritária que eu já havia usado, um tom que não era meu. – Retire o que disse agora, ou vou fazer pior do que fiz na abertura dos Jogos Elementais. Retire agora mesmo ou afogarei você bem aqui.

Aurora não pareceu se abalar. Ela estava com raiva também. Mas não fazia ideia do que tinha despertado em mim. Eu era uma caçadora agora, e iria acabar com ela se fosse necessário. Aurora já havia sido uma pedra no meu sapato por tempo demais.

– Tente, vadia. – ela rosnou, suas palavras escorrendo como veneno de sua boca.

chega! – Jason explodiu. – Aurora, peça desculpas agora ou não respondo por mim.  Ágata, ameaçar o herdeiro de um Clã é motivo de prisão ou exílio. As duas, retratem-se gora mesmo.

Encarei-o, estupefata. Isso era idiotice. Depois do que Aurora havia dito, depois de ela ter me agredido física e verbalmente? Para minha surpresa e completa indignação, Aurora, a contra gosto, resmungou um inaudível desculpe.

Eu sabia que Jason estava certo, mas o meu orgulho falou mais alto.

– Não.

– Ágata... – ele começou. – Por favor.

– Não, Jason! Desde o começo, ela tem achado que possui algum tipo de poder superior a mim. Sempre fazendo comentários de mau gosto e sendo desagradável, quando eu não tinha feito nada. – então olhei para ela, um ódio crescente tomando conta do meu ser. – Eu perdoaria suas palavras cruéis e sua agressão contra mim, porque elas se dirigiam apenas para mim. Mas hoje, quando você disse àquilo para uma pessoa da minha família, perdeu o direito ao meu perdão. Eu nunca perdoarei você por isso, e nunca pedirei perdão para alguém como você. Escute com atenção, pois essa é uma promessa tão verdadeira quanto o dom da Água que corre em minhas veias. Você não é digna de nós.

Não consigo dizer com certeza hoje, mas por um vislumbre pensei ter visto o queixo dela tremer ao mesmo tempo que uma escuridão tomou conta de seus olhos cinzas. Porém, tão rápido quanto veio, sua aparente fraqueza se foi e em um piscar de olhos ela havia desaparecido, deixando apenas o uivo do vento em seu lugar.

Crônicas de Água e Fogo: O ElementalOnde histórias criam vida. Descubra agora