Crônicas de Água e Fogo: O Elemental

3: A Filha do Ar

OBSERVEI FURIOSA O TOM ROSADO de meus cabelos cinzas ficarem azulados. Era sempre assim: meu cabelo acompanhava meu humor. Já fazia mais de meia hora que eu estava sentada, esperando Jason e aquela fedelha da Água darem a mim o ar da sua presença. Thomas tinha se atrasado por causa de uma árvore que caíra no meio de seu percurso para o Reino do Fogo, onde todos os quatro participantes do Jogo Elemental deveriam estar para receber as instruções da próxima prova. E eu, a única pessoa pontual, tinha ficado esperando como uma grande idiota.

Quando eu completei noventa, há três anos atrás, fiquei fascinada pela perspectiva de um dia poder me tornar rainha de todos os quatro reinos. De ser poderosa o bastante para controlar não só um, como todos os elementos da natureza. Meu pai nunca colocou muita fé em mim, expressando sempre seu desapontamento por ter tido uma filha, não um filho. Mas minha mãe... Certa vez ela me disse que queria ter tanta sorte quanto eu. Linda, poderosa, herdeira e destinada a governar o mundo. Eram essas as palavras que ela repetia para mim toda vez que eu era derrubada por Jason. Ele era a única coisa que me separava do trono. Mas eu sabia que queria vencer, e vencer de verdade, não por inércia. Thomas era bom, mas eu duvidava que ele quisesse mesmo ser o primogênito Elemental da Profecia Daquela que havia morrido para que existíssemos. 

Fui arrancada de meus devaneios quando o som de passos chegou aos meus ouvidos. Avistei uma saia azul descer a grande e rústica escada negra do palácio de Fogo. Seu rosto estava encoberto pelas sombras, mas a silhueta revelava a Princesa da Água. Jason estava um pouco atrás nos degraus, com o terno cinza de sempre. Eu balançava os dedos no braço da cadeira em que estava sentada, os anéis de prata fazendo um som metálico ao bater na madeira do assento de couro.

Quando finalmente os dois chegaram a sala em que eu estava, Jason deu o braço a Ágata, que sem hesitar entrelaçou-o no seu. Eles andavam sincronizados; a saia do vestido azul dela batendo levemente com a calça cinza sob medida dele.

Fiquei de pé no mesmo instante.

-Você me deixou esperando por quase uma hora.-falei, olhando para Jason.-Espero que tenha um bom motivo.

-Nós tivemos que parar no meio do caminho para falar com o rei Victor.-respondeu Ágata.

Fuzilei-a com o olhar.

-Desculpe, querida, mas eu me dirigi ao Jason.

-Você não deveria falar assim comigo, Aurora.-ela olhou de relance para Jason e seus olhos azuis pareceram brilhar por um instante. -Teve bastante sorte de terem me impedido antes, mas se quiser, posso afogar você agora.-então deu o sorriso mais falso que já vi.

-Calma, garotas.-Jason disse.-Não briguem por minha causa.

-Ainda vai chegar o dia em que perderei tempo brigando por você.-eu disse, enquanto ele me estendia seu braço esquerdo. -Mas vou relevar porque você também vai ter que esperar Thomas, e sabe o quanto ele é lento.-segurei seu braço.

Ele bufou e Ágata me olhou, demonstrando inquisição.

-A minha ameaça de afogamento vale para qualquer palavra má que disser sobre o Thomas também. Ele é uma pessoa bem melhor que você.

-Não é, não.-eu e Jason falamos ao mesmo tempo.

Dei um sorriso convencido.

-Viu? Até o seu noivo concorda comigo.-falei, a voz carregada de sarcasmo. -E você não me conhece para julgar de forma tão confiante que Thomas é melhor que eu. 

-Sei que você não sabe perder, é convencida e hipócrita. 

-Sem ofensas, mas se for assim, o Jason e eu somos iguais.-fiz biquinho.

-Eu não sou hipócrita.-ele discordou.

-É sim.-eu, Ágata e outra voz falamos, nos virando ao mesmo tempo para olhar para Thomas, que vinha a passos largos até nós e tomava seu lugar ao meu lado.

-Você está atrasado.-reclamei, bagunçando seu cabelo castanho claro.

-Eu sei, me desculpe.-ele disse.-Uma árvore caiu no meio do caminho e tive que levantá-la com outros homens. Consegui colocá-la de volta no lugar e se depender de mim, ninguém nunca mais vai derrubá-la.

Ele ajeitou o terno verde escuro e cumprimentou Jason com a cabeça. Eles sempre se estranharam e nunca me incomodei. Jason é meu maior empecilho, mas também melhor amigo. Era para ser difícil nossa amizade resistir a competição, mas eu conseguia conciliar. Eu não tinha nada contra Thomas, ele era legal na maior parte das vezes, mas só eu e Jason já tínhamos visto a pessoa que ele escondia em si.

-Ei.-ele sorriu para Ágata.-Não sabia que você já estava aqui.

Ela sorriu de volta e Jason emitiu um som parecido com um rosnado.

-Você é bem desinformado, então. Não seria novidade ela estar na minha casa, já que estamos noivos.

Thomas pareceu empalidecer.

-Noivos?

-Sim.-Jason disse, sorrindo o mais descaradamente possível. -Você perdeu nosso noivado, mas Aurora estava lá para dar uma incrementada nas coisas.

-É, eu estava mesmo.

-Eu gostaria muito se fôssemos logo para a Arena.-Ágata interrompeu o único momento em que permiti me divertir, me lembrando que tínhamos que saber das instruções do próximo desafio.

-Ela tem razão.-falei, o humor se esvaindo aos poucos. Ágata olhou para mim, obviamente surpresa. -Quero estar o mais a par de tudo possível para a nossa prova.

-Digo o mesmo. É minha primeira vez aqui e preciso de preparação.-ela disse.

Dei uma risadinha, pensando ser impossível ela vencer, mesmo com toda a preparação do mundo. Experiência. Isso é o que realmente importa. 

E foi com esse pensamento que atravessei o portal que levava para a Arena, de cabeça erguida e pronta para vencer.