39: Que se Faça Queimar

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- VOCÊ VIU AQUILO? - perguntei, arfante, o pé ainda sobre a capa de couro do diário. - Está encantado.

Jason veio até mim, se abaixando para pegar o livro do chão, certificando-se de mantê-lo fechado em suas mãos.

- Esta é mais uma confirmação de que o que esse diário oculta deve ser muito importante. - ele disse, olhando para mim. - Não é qualquer um que faz esse tipo de feitiço.

- Imaginei. - resmunguei, suspirando. -  Eu deveria ter desconfiado de que alguém tão esperto como Aurora nunca deixaria um diário à toa, tão fácil assim para qualquer pessoa que fuçasse em seus aposentos pudesse encontrar.

Jason amarrou a capa do diário, usando a fita com a qual ele havia vindo.

- Não é impossível de desfazer. - ponderou. - Só é preciso achar uma pessoa que entenda de magia.

- Isso é fácil. - falei, mais otimista. - Podemos falar com Telórius agora mesmo. - concluí, já começando a caminhar na direção do Palácio de Fogo, quando Jason segurou meu braço.

- Alguém de confiança. - frisou. - Não sei se podemos mesmo contar com Telórius depois das atitudes suspeitas dele.

Franzi a testa.

- Mas ele nos salvou... - ele me cortou.

- Sim, ele supostamente nos salvou. - pontuou Jason.

- Como assim, "supostamente"? - indaguei, confusa. - Eu estava lá. Ele me soltou da prisão em que Valerie havia me colocado, abriu um portal para irmos para casa, nos tirou daquela quase guerra. Está claro para mim que nos salvar foi exatamente o que ele fez.

- Claro, nos encontrando muito precisamente no covil de Valerie, um abrigo subterrâneo construído no meio da floresta da magia negra, onde absolutamente ninguém vai. - disse Jason. - Você não acha isso nem um pouco estranho? Ele soube exatamente onde estávamos, quando nem nós mesmo sabíamos o caminho.

- Ele disse que havia sido a volta de seus poderes. - expliquei. - Que uma parte de sua magia havia ressoado na magia de todos de seu Clã, dando a eles a sua exata localização.

Jason não pareceu nem um pouco convencido.

- Se minha magia houvesse sido sentida por todo o clã do Fogo, meu pai já teria dado um jeito de me colocar nos Jogos Elementais novamente. - ele desviou o olhar para o grande Palácio de pedra que se erguia um pouco mais a nossa frente. - O que ele certamente vai fazer, se é que já não fez, quando souber da quantidade de Fogo que havia em meus punhos quando soquei o rosto de Thomas. - ele suspirou, me entregando o diário, para que eu o guardasse no casaco.

Assim que deixei o caderno de couro em segurança, tomei as mãos de Jason nas minhas, segurando um suspiro.

É claro que eu poderia estar enganada. Depois de tudo o que Lauren havia me dito sobre o seu passado escuro e tenebroso ao lado de Telórius e o que acontecera com o filho dos dois, tinha um grande risco de ele ser aliado de Valerie nisso tudo. Mas eu não conseguia entender... Muito tempo havia se passado. Ele ainda acreditava mesmo que Valerie, uma deusa sem poderes, poderia trazer sua esposa e filho de volta dos mortos? E se ele estava mesmo servindo a ela, reaver sua família era seu único objetivo?

Jason começou a falar novamente, me arrancando de meus pensamentos:

- As pessoas são falsas, Ágata. Traiçoeiras e cheias de anseios secretos que as fazem cometer coisas que nunca fariam, responsáveis por deixar suas almas corrompidas. Quem sabe o que o meu tio seria capaz de fazer para tornar seus anseios realidade? - ele me encarou com seriedade, sua voz assumindo um ar grave e sério. - Telórius já mostrou o quanto gosta de poder. Ele iria muito longe para consegui-lo.

Um calafrio subiu por minha espinha; um mau pressentimento apertando a boca do meu estômago como um nó cego. Eu ainda não havia contado a Jason sobre o retorno de Lauren, mas eu havia garantido a ela que manteria tudo no mais completo sigilo, e quebrar minha palavra seria desonroso, apesar de que esconder isso de meu marido também o fosse.

Eu contaria. Não poderia esconder isso por muito tempo, ainda mais depois de ter acusado Jason de não confiar em mim o bastante para compartilhar suas preocupações. Como sua parceira, eu tinha o direito de saber, assim como ele também o tinha.

- Está tudo bem? - ele perguntou, certamente preocupado por eu ter parado de falar.

- Se você desconfia mesmo de Telórius, eu ficarei do seu lado. - declarei, olhando em seus olhos. - Serei cautelosa com o que direi na frente dele e não confiarei em nada do que me disser.

Jason assentiu com a cabeça, parecendo um tanto surpreso por eu ter concordado sem relutar mais um pouco.

- E prometa para mim que não ficará sozinha com ele e que se acontecer, irá tomar cuidado. - ele adicionou.

- Como assim? - perguntei, confusa. - Você acha mesmo que ele me machucaria? Por Deus, Jason, não é para tanto...

- Por favor, Ágata. - ele apertou meus dedos entre os seus. - Me prometa.

Suspirei.

- Eu prometo.

- Ótimo. - ele levou minha mão aos lábios, beijando o anel que havia me dado de casamento. - E eu prometo que você será a primeira a saber de tudo. Será incluída em tudo que eu fizer: não haverá mais situações em que eu e você nos separaremos. Somos mais fortes juntos, Ágata, e eu demorei a perceber isso por ser um idiota superprotetor, mas agora isso não vai mais acontecer. Somos eu e você, haja o que houver.

Meu coração se aqueceu, o laço de nossa ligação tremulando por causa do sentimento que perpassava entre nós dois, enchendo meu peito de ternura um momento antes de eu trazê-lo para mim, seus lábios encostando nos meus em um encontro de puro carinho.

Eu amo você, sussurrei em sua mente, minha magia acariciando a dele ao mesmo tempo em que minhas mãos se enterraram em suas madeixas negras, sentindo a maciez que havia no toque e no prazer que era tê-lo e ser dele para sempre.

Ele me beijou mais uma e outra vez antes de dizer:

— Estou feliz que não tenhamos mais segredos. — o brilho dourado de seus olhos refletia o violeta dos meus, antes que eu desviasse o olhar, sentindo meu rosto esquentar enquanto assumia uma inconfundível coloração avermelhada.

Que estampava vergonha e culpa.

— Ágata? — ele chamou, erguendo meu queixo para que eu voltasse a encará-lo, sua testa franzindo em confusão. — Não temos mais segredos, certo?

— Jason, eu...

— Anthony Christian Jason Blakely Fire. — uma voz feminina chamou ao longe. — Pare de ficar de namorico com a sua esposa do lado de fora e traga-a para dentro. Temos muito o que conversar.

Jason e eu nos viramos ao ouvir o som da voz de sua mãe, Rainha Triza, que estava parada na escadaria de pedra do Palácio de Fogo, suas vestes cor de magenta com o que pareciam ser pequenas faíscas douradas bordadas na saia fazendo um ótimo trabalho em transmitir a plenitude do poder que possuía.

Não que ela precisasse de roupas para demonstrar poder.

Jason lançou um olhar de lado para mim, antes de me dar o braço e seguir na direção da sua mãe, que esperava pacientemente que fôssemos até ela.

Temos muito o que conversar, um sussurro de sua voz ecoou em meus ouvidos, me fazendo ter a certeza de que dessa vez teria que ser totalmente sincera. Eu lhe devia isso. Não podia exigir dele algo que eu ainda não havia dado por inteiro.

Somos um casal e dividimos um laço que nos torna praticamente um só. Nossas opiniões podiam divergir de uma maneira que já estava se tornando um grave problema em nosso relacionamento, fazendo com que um guardasse segredos do outro. Tínhamos que agir em conjunto e nos certificar de sermos uma frente unificada.

Era hora de mostrar isso para todos que tentassem bater frente conosco.

Crônicas de Água e Fogo: O ElementalOnde histórias criam vida. Descubra agora