17: Emboscada

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MINHA PELE QUEIMAVA COMO se labaredas invisíveis de Fogo lambessem cada centímetro de meu corpo. Não doía; não era uma fraqueza. Era a certeza de que eu agora fazia parte do que Jason representava. Separei meus lábios dos seus, aturdida ao chegar à conclusão do quão grande aquele juramento era. Eu não... Não era mais eu. Não era só Água que corria nas minhas veias, - ou talvez fosse, mas ela fervia como lava escorrendo de um vulcão. Me separei de Jason, porém assim que meu contato com o corpo dele foi interrompido, senti minhas pernas amolecerem até ficarem com a consistência de geleia. Ele me segurou antes que eu caísse, tocando apenas a minha mão, o que era algo que fazia com frequência.

Mas naquela vez... Naquela vez foi como se nunca tivesse segurado sua mão antes. Era algo tão comum, tão inocente e ao mesmo tempo único e íntimo. Com o coração acelerado, pensei se quando ele me beijasse outra vez eu poderia morrer com a sensação. Minha relação com Jason sempre fora intensa, mas agora era como se aquela intensidade fosse multiplicada por cem mil. Eu não ousava falar em sua presença; respirar tão perto dele poderia trazer consequências desastrosas para mim.

– Olhe em meus olhos. – Deus. Apenas o som da sua voz me fazia tremer.

– Não posso. – sussurrei, aquelas duas palavrinhas saindo trêmulas de meus lábios.

– Não pode ou não quer? – ele perguntou, agarrando minha outra mão. Uma corrente elétrica passou para mim, arrepiando os pelos em minha nuca.

– Não posso. Não tenho coragem.

Ele ergueu meu queixo com a dobra do dedo.

– Sou o mesmo, Ágata. Ainda amo você. Não parta meu coração dizendo que não consegue olhar para mim.

Imediatamente encarei seu rosto.

– Eu não ousaria. Partir seu coração significaria partir o meu também.

Ele suspirou. Aquele som me trouxe de volta do torpor, e em minha alma eu compreendi algo que já deveria estar claro há muito tempo: ele me amava. Se sentia do mesmo jeito que eu. Nunca mentira para mim, nunca quisera me magoar ou me machucar. Ele era meu; e eu era dele. Era simples assim. Não necessitava de palavras escritas em um papel, nem de fatos comprovados pela ciência. Era amor. Não se explicava, apenas se sentia.

– Nós poderíamos... Só ir embora? – indaguei, olhando em volta, para os outros casais na pista de dança.

Parecendo notar que tínhamos companhia somente agora, Jason assentiu com a cabeça.

– Me espere na porta de saída. Falarei com o rei Garhis antes de irmos. Tenho que me certificar de que nossa aliança está firme. – Jason olhou para mim, o rosto sério. – Não vá para nenhum outro lugar, tudo bem? Não quero parecer arrogante...

– Ou mandão. – completei, com um sorriso.

– Ou mandão. – ele concordou. – Só... Fique onde eu possa vê-la.

– Às suas ordens. – eu disse, prestes a bater continência, quando ele me beijou com força nos lábios. Foi um beijo duro, bruto e que indicava posse.

Ele começou a andar em direção ao trono do rei, quando o seguinte pensamento invadiu a minha mente:

Você é minha.

* * *

Eu esperava bem ao lado da porta de saída, observando as pessoas à minha volta. Algumas dançavam, umas apenas desfilavam entres as outras com taças de vinho ou champanhe. Eram jovens e pessoas mais velhas, porém todos tinham algo e comum: a fofoca. Não sabia do assunto de todas as pessoas ali, mas sabia que pelo menos 95% delas falavam sobre a mesma coisa - eu. Claro que não invadi o pensamento de ninguém, já que havia prometido para mim mesma nunca mais fazer algo do tipo e não daria o gostinho de deixar Jason se vangloriar por ter razão.

Reprimi um suspiro.

Por que Jason estava demorando tanto? Não era como se ele fosse tentar convencer o rei da aliança entre nosso reino. Além do mais, o povo de Kilewood West precisava mais de nós do que nós deles. Decidi erguer a cabeça para tentar avistá-lo quando quatro homens foram em disparada na minha direção, carregando um quinto nos braços, o qual parecia estar passando muito mal. Os guardas abriram as portas atrás de mim para abrir passagem para os homens e movida pela curiosidade, fui atrás. Eu podia não ter a habilidade de Jason de cessar a dor das pessoas, mas se eu pudesse ajudar de alguma forma eu o faria sem hesitar.

As portas se fecharam atrás de mim, enquanto eu observava os quatro homens colocarem o quinto no chão com delicadeza.

Ágata, onde diabos você se meteu?, a voz de Jason soou em minha mente.

Um homem está machucado.

Onde você está? E desde quando você é médica?

Revirei os olhos.

Estou do lado de fora.

– O que vamos fazer com ele? – um dos homens, de cabelo cacheado, perguntou. – Não podemos manter a boca dele fechada para sempre.

– É claro que podemos. – outro homem falou. Antes que eu pudesse assimilar o que estava acontecendo, ele deu um chute no que estava no chão, ao mesmo tempo que alguém agarrou meus cabelos com força e colocou a mão sobre minha boca, descendo uma escadaria comigo a tiracolo.

Me debati em seus braços, que apertavam minha pele com força. Tentei invocar meu poder da Água, mas o terror tomava conta dos meus sentidos, inibindo minha concentração. Mordi sua mão com força e ele urrou de dor, me atirando escadaria abaixo. Rolando pelos degraus, tentei me agarrar em algo que parasse a queda, mas acabei ralando as mãos no caminho. Em segundos, os degraus sumiram e eu me vi gemendo de dor no chão de cascalho, tentando me por de pé o mais rápido que eu pudesse.

Não saia de perto de mim. Deus. Jason estava certo. Ele estava certo sobre eu ter cuidado, não era só sua obsessão habitual por me manter em segurança. O que queria dizer que... Passos interromperam meu pensamento. Tremendo, tentei me por de pé, mas assim que apoiei minha perna no chão um grito de dor escapou de minha garganta. O osso do meu tornozelo se projetava em um ângulo estranho, fazendo com que eu sentisse mais dor do que realmente sentia. Desviei o olhar. Estava quebrado. Eu não podia me movimentar, enquanto o homem que provocara aquilo estava vindo tranquilamente em minha direção.

Seu rosto estava encoberto pelas sombras, mas a cada degrau que ele descia, a luz ameaçava revelar sua identidade.

– Minha mão vai ganhar uma cicatriz por culpa sua. Por isso vou fazer você sofrer como nunca ninguém fez, sua puta. – sua voz asquerosa encheu meus ouvidos, lágrimas borrando minha visão. Eu queria ver. Queria ver o rosto dele. Queria saber quem era e o porquê de querer tanto me machucar. Quando a luz alcançou a ponta de seu queixo, eu não pude enxergar mais nada.

Chamas tomaram conta de seu corpo com uma intensidade arrebatadora. Ele gritou pelo que pareceu ser uma eternidade, até que sua voz cessou, deixando uma chama ambulante trôpega pela escadaria. Quando ele caiu, a aproximadamente 2 metros de distância de onde eu estava, não havia mais grito, corpo ou fogo.

Apenas cinzas.

Jason veio correndo até mim, as chamas em suas mãos se apagando no ato. Ele segurou meu rosto e respirou fundo, os batimentos de seu coração tão altos quanto os meus. Senti seu poder cálido contra a dor agir sobre mim, enquanto ele passava os braços por baixo dos meus joelhos e pelas minhas costas, sustentando meu corpo por completo. Quando ele encostou a testa na minha, eu apaguei.

Crônicas de Água e Fogo: O ElementalOnde histórias criam vida. Descubra agora