4: O Filho da Terra

29.2K 2.8K 1.4K
                                    

ATRAVESSEI O PORTAL QUE LEVAVA para a Arena respirando fundo. Era como ser exposto: você passava pelo portal, primeiro em uma nuvem de Ar, uma camada de Terra, uma parede de Fogo e uma enxurrada de Água. Eu sempre acabava meio tonto depois de atravessar tudo aquilo, mas  não quis demonstrar. Eu estava com raiva. Como assim eles estavam noivos? Eles nem se aguentavam no mesmo lugar por mais de uma hora! Olhei pelo canto do olho para Ágata, que fechava os olhos ao passar pela parte do Fogo.

Era inacreditável.

Eu a conhecia muito mais que Jason, eu estava lá em todos os momentos que ela precisou de alguém. Mas é claro que ela nem ao menos pensou em mim quando aceitou a proposta de casamento da família dele.

Além de tudo, eles eram opostos. Todo mundo sabia que Água e Fogo não cabiam no mesmo lugar. Que eu me lembre, da última vez em que estivemos eu, Aurora, Ágata e Jason no mesmo lugar, não acabou bem.

Era uma reunião no reino do Ar e estávamos prontos para seguir as brincadeiras de Aurora, nas quais Ágata, - que sempre fora muito falante - tentava dar algumas sugestões. E enquanto a princesa da Água tentava convencer Aurora a escutar suas ideias, eu notei o olhar de Jason nela.

Ele não a suportava.

Então, quando eu me coloquei atrás dela para dar impulso no balanço em que brincávamos, Jason deu um chega pra lá em mim e aproveitou a minha distração para dar um empurrão tão forte na costas de Ágata que fez com que ela caísse de cara na areia. Ele era o mais velho de nós e agia como criança. O cara era um sem noção completo.

Assim que o Portal Elemental chegou ao fim, todos nós respiramos aliviados. Era como se nossa energia fosse sugada aos poucos. Minha respiração estava acelerada, Aurora piscava rápido demais e Ágata parecia meio desmontada, totalmente sustentada por... Jason, claro. O inabalável Chama Mortal, que já passara por isso tantas vezes que era a mesma coisa de receber um "Bom dia".

— Ela está bem? — perguntei, preocupado.

Jason me olhou como se eu fosse idiota.

— Está como todos nós estivemos quando passamos por isso pela primeira vez. — ele disse. — Ela vai ficar bem. Não que seja da sua conta, obviamente.

Antes que eu pudesse dar uma resposta a altura da sua hostilidade, gritos foram ouvidos vindos das arquibancadas enormes de pedra bem a nossa frente. Estávamos na Arena, afinal. Era de se esperar que tivéssemos plateia.

— Senhoras e senhores de Goddess Falls, — começou o Chefe dos Clãs, o Elemental escolhido durante a geração passada. — Estamos hoje reunidos na Arena Real, tendo o privilégio de dar as boas vindas a todos os nossos quatro escolhidos, e a um em especial, já que é sua primeira vez aqui. — ele olhou de relance para Ágata, que agora estava de pé sem precisar de apoio. — Sou Rei Victor, Senhor do Fogo.

— Meu nome é Jason, Príncipe do Fogo, Chama Mortal. — disse Jason, um passo a frente, dando continuidade a tradição.

O mais velho primeiro.

— Sou Thomas, Príncipe da Terra, A Voz da Natureza. — eu disse.

— Princesa Aurora, o Ar da Terra. — Aurora falou, dando um passo na direção da multidão logo em seguida.

A cabeça dela virou na direção de Ágata, e um sorriso carregado de zombaria tomou seu rosto.

Todos nós tínhamos sobrenomes de guerra e era obrigatório que os usássemos assim que chegássemos a maior idade. Mas estava mais que claro que Ágata não sabia disso. Franzi a testa, sabendo que a pena estava estampada em meu rosto.

Ágata abriu a boca para dizer algo, mas calou-se em seguida, seu rosto se contorcendo em uma expressão de desespero. Achei que ela fugiria no segundo seguinte, mas então algo impensável aconteceu.

Jason segurou o braço de Ágata, e trazendo-a para frente com delicadeza, anunciou em alta voz:

— Ágata, Espírito do Oceano. — e então deu a ela um leve aperto de encorajamento, para que repetisse suas palavras.

— Meu nome é Ágata, sou a Princesa da Água e Espírito do Oceano. — e então uma sessão ensurdecedora de aplausos ecoou por toda a Arena.

Senti minha garganta fechar ao compreender o que estava acontecendo.

Jason estava sendo bondoso de propósito; ele a estava usando para parecer gentil e generoso, para ser mais uma vez o centro de tudo. E o pior era que Ágata parecia não enxergar nada isso. Provavelmente achava que ele estava ajudando-a por pura bondade do coração.

E aquilo era bem mais do que eu podia aguentar.

Crônicas de Água e Fogo: O ElementalOnde histórias criam vida. Descubra agora